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Opinião
Marcas, Mercado, Consumidor?e?Criação de Valor: um quadrilátero virtuoso
As marcas que combinarem visão estratégica, excelência operacional e compromisso sustentável não só preservarão a lealdade conquistada, como ampliarão o seu impacto económico e social numa economia
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Nos últimos anos, a lealdade dos portugueses às marcas conheceu uma razoável flutuação. Por um lado, as marcas fortes — as que aliam relevância cultural, reputação sólida e investimento continuado — mantiveram índices de preferência notavelmente estáveis.

Por outro, assistiu-se ao desaparecimento ou à perda de relevância de segundas e terceiras marcas, estranguladas pela ascensão das marcas dos distribuidores e pela pressão competitiva nos lineares. A evolução qualitativa e de portefólio da marca própria, reforçada por estratégias de proximidade dos grandes retalhistas, reduziu espaço de atenção e de prateleira às marcas de menor expressão.

Construir e defender uma marca continua, ainda assim, a ser um pilar estratégico e tende a sê-lo ainda mais num mercado onde preço e conveniência competem pelo protagonismo. Criar marca implica capital financeiro e paciência comercial. Investir em posicionamento, sustentabilidade, inovação e comunicação exige “o músculo de um velocista e o coração de um maratonista”.

A actual pressão de custos retira folga orçamental e empurra alguns operadores para soluções tácticas (redução de qualidade, reduflação) que acabam por minar a sua reputação e a confiança nos seus produtos. O retorno imediato pode ser tentador, mas o risco de comoditização e corrosão de valor-marca a médio prazo é real. O desafio está em conciliar preço, promoção e distribuição com ofertas diferenciadas (novas gamas, segmentos premium ou funcionais) capazes de atrair consumidores emergentes sem alienar os seguidores fiéis.

Num ambiente de flutuação de preços e de impacto sobre o poder de compra, falar de “novo consumidor” não é mera retórica.

Diferentes prioridades de gasto, sensibilidade acrescida a promoções e exigência de transparência na cadeia de valor obrigam as marcas a entender, antecipar e responder com agilidade. O propósito, expresso, por exemplo, em atributos ESG tangíveis, ganha peso na decisão de compra. Quando os ganhos de eficiência não chegam para absorver custos, as marcas devem evitar respostas de curto alcance e privilegiar propostas que salvaguardem a qualidade percebida, que remunerem justamente a inovação e que reforcem o pacto de confiança com o consumidor e com o público.

Para o sucesso dessas propostas é essencial uma boa interacção com os clientes. As relações entre fabricantes e distribuição conheceram, nos últimos anos, alguma pacificação e um curto reequilíbrio. A par de um quadro regulatório mais claro e de uma cultura de compliance reforçada, a concorrência intrarretalho tornou menos disseminadas práticas outrora agressivas. Ainda assim, continuam a existir algumas formas mais ou menos subtis (e nem sempre transparentes) de pressão e transferência de risco ao longo da cadeia.

O modelo promocional, apesar de acusar perda de vitalidade, permanece alicerce das tácticas comerciais de muitos retalhistas. Para os fornecedores, face ao crescimento da MDD, a promoção mantém-se ferramenta crucial para captar atenção e mitigar o diferencial de preço. Subsiste, contudo, o paradoxo de muitas marcas líderes realizarem uma muito elevada parcela das suas vendas sob promoção, fenómeno que esvazia valor e habitua o consumidor a um preço artificial. E esse quadro agrava-se quando surgem esquemas que contornam ou forçam os limites da legislação em matéria de comunicação promocional.

Há espaço, e necessidade, para elevar a cooperação com ganhos para todos os elos da cadeia, a começar pelo próprio consumidor. Logística colaborativa, mecânicas promocionais alinhadas e experiências de compra omnicanal traduzem ganhos mútuos claros. Os entraves surgem, por exemplo, nos diferenciais de margem comercial ou na referenciação de inovação, muitas vezes retardada por critérios de curto prazo, e na gestão do espaço entre marca do fabricante e marca própria. Uma cultura contratual mais fluida, assente em partilha de informação robusta e confiança recíproca, seria determinante para libertar potencial de criação de valor.

Apesar de avanços como a PARCA ou o Observatório de Preços, a distribuição da rentabilidade na cadeia continua envolta em alguma opacidade. Custos fora de factura mascaram o valor efectivo da transacção e geram percepções assimétricas de risco e retorno. Transparência autêntica, suportada por métricas partilhadas, é pré-condição para uma relação verdadeiramente sustentável e, potencialmente, para explorar iniciativas de cocriação que envolvam marcas, retalho e consumidor numa lógica de proximidade e personalização.

O manancial de dados comportamentais abre oportunidades, mas também riscos: a monetização enviesada de informação em benefício exclusivo do seu detentor ameaça a neutralidade do mercado e mina a confiança na parceria.

Finalmente, as marcas de grande consumo estão a responder às exigências ESG por imperativo societário, mas também porque percebem que, rapidamente, esses critérios deixam de ser vantagem competitiva para se converterem em requisito de acesso a mercado.

A definição de metas, o reporte consistente de resultados e o escrutínio público tornaram-se parte integrante da gestão reputacional. Contudo, nem todas as iniciativas geram poupanças: muitas traduzem-se em sobrecustos que nem sempre o consumidor aceita suportar, sobretudo quando o factor preço pesa decisivamente na escolha.

Na esfera regulatória, Portugal deu passos firmes com o diploma PIRC e a transposição da Directiva UTP, que melhoraram o quotidiano das relações comerciais, ainda que os resultados inspectivos se façam sentir timidamente. A revisão europeia em curso poderá afinar a lei nacional, mas o ganho marginal será modesto face ao enquadramento já avançado de Portugal. Num ângulo diferente mais impacto teria dotar as autoridades de meios e competências acrescidos para uma fiscalização célere e dissuasora.

Em qualquer caso, a protecção do consumidor mantém-se valor inalienável. Porém, urge distinguir entre regulação que efectivamente protege o cidadão e iniciativas movidas por interesses laterais ou simbólicos. Uma avaliação de impacto robusta, que considere custos, benefícios e alternativas tecnológicas como a rotulagem digital, ajudaria a evitar que boas intenções gerem efeitos adversos, penalizando competitividade e, em última análise, limitando opções do próprio consumidor.

Em conclusão, Portugal possui um consumidor cada vez mais informado, um retalho mais profissionalizado e um tecido de marcas que, apesar das pressões, continua a ser motor de inovação e de criação de valor. O equilíbrio futuro exigirá transparência na cadeia, colaboração efectiva e um quadro regulatório que incentive a competitividade e a concorrência responsável.

As marcas que combinarem visão estratégica, excelência operacional e compromisso sustentável não só preservarão a lealdade conquistada, como ampliarão o seu impacto económico e social numa economia que também precisa de lutar pela sua própria competitividade global.