A Comissão Europeia apresentou, na passada quarta-feira, a sua Comunicação ‘A Competetiveness Compass for the EU’, em português a Bússola para a Competitividade, a primeira grande iniciativa deste novo mandato das instituições europeia, uma Bússola para recuperar a competitividade e garantir uma prosperidade sustentável, estabelecendo um quadro estratégico e claro para orientar este seu trabalho.
A Bússola pretende ser o roadmap que permita à Europa se torne o local onde as tecnologias, os serviços e os produtos limpos inovadores e do futuro sejam desenvolvidos, produzidos e colocados no mercado, aqui e noutras geografias, e permita ser, simultaneamente, o primeiro continente a alcançar a neutralidade climática.
Nas duas últimas décadas, a Europa não acompanhou o ritmo das outras grandes economias devido a um fosso persistente no crescimento da produtividade. A UE tem o que é necessário para inverter esta tendência — uma mão de obra talentosa e qualificada, capital, poupanças, um mercado único e infraestruturas sociais ímpares —, desde que atue urgentemente para eliminar obstáculos antigos e fragilidades estruturais que estão a deixá-la para trás.
Como refere, Ursula von der Leyen. presidente da Comissão Europeia: ”A Europa tem de corrigir as suas insuficiências para recuperar a competitividade. E o Competetiveness Compass materializa as relevantes recomendações inseridas no relatório Draghi num roadmap coerente e focado”. E acrescenta que se há a vontade política, falta melhorar o sentido de urgência e a unidade e a coordenação entre os Estados-Membro. “O mundo não esperará por nós. Todos os Estados-Membros estão de acordo neste ponto. Transformemos então este consenso em ação”, insiste a máxima responsável da Comissão.
Como neste mesmo espaço, em setembro passado chamávamos a atenção – no texto ‘O Rei vai nu? (https://www.centromarca.pt/blog/o-rei-vai-nu/196) - o relatório Draghi identificou três eixos imperativos de transformação para impulsionar a competitividade e esta Bússola estabelece uma abordagem e um conjunto de medidas entendidas como adequadas para concretizar essas três grandes prioridades.
A nota divulgada pela Comissão Europeia refere que a primeira delas visa colmatar o fosso da inovação face aos principais blocos económicos e em especial em relação aos EUA e à China. A UE precisa de acelerar o motor da inovação, criando um ambiente de aceleração das empresas mais inovadoras, muitas ainda em fase de arranque, promovendo a liderança industrial em sectores de crescimento consistente com base em tecnologias altamente inovadoras e promovendo a difusão tecnológica das grandes empresas às PME.
Será, neste quadro, desenhada uma estratégia específica para as empresas em fase de arranque e em expansão, eliminando obstáculos que penalizam e atrasam a criação e a expansão de novas empresas, o que incluirá a simplificação das regras aplicáveis em matéria de direito das sociedades, de insolvência, do trabalho e da fiscalidade, reduzindo também os custos de incumprimento. Visa-se permitir às empresas inovadoras reger-se por um único conjunto de regras onde quer que invistam e operem, no seio do mercado único.
Depois, o roadmap desenha um roteiro conjunto para a descarbonização e a competitividade, indicando-se, desde logo, que os preços elevados e voláteis da energia constituem um desafio essencial e identificando-se áreas de intervenção para facilitar o acesso alargado a uma energia mais limpa e a preços acessíveis.
O futuro Pacto da Indústria Limpa estabelecerá uma abordagem em matéria de descarbonização baseada na competitividade, com o objetivo de garantir a atractividade da Europa para a indústria transformadora e promover tecnologias limpas e novos modelos de negócio circulares. O plano de ação para garantir preços da energia acessíveis ajudará a reduzir os preços e os custos da energia, ao passo que a regulamentação visando acelerar a descarbonização industrial alargará o princípio de licenciamento mais célere aos sectores em transição.
Finalmente, pretende-se reduzir as dependências excessivas e aumentar a segurança das cadeias de aprovisionamento, tendo consciência de que a capacidade da UE para diversificar e reduzir as dependências dependerá sempre de parcerias eficazes como países e blocos terceiro. A União Europeia já dispõe da maior rede de acordos comerciais do mundo, abrangendo 76 países que representam quase metade das exportações e importações da UE.
O objectivo passa por continuar a diversificar e reforçar as cadeias de abastecimento europeias e este roadmap prevê novas parcerias de comércio limpo e de investimento, que ajudarão a assegurar o aprovisionamento de matérias-primas, energia limpa, combustíveis sustentáveis para os transportes e tecnologias limpas a partir de todo o mundo. No mercado interno, a revisão das regras da contratação pública permitirá introduzir uma preferência europeia nos contratos públicos respeitantes a setores e tecnologias críticos.
Entretanto, estes três pilares são complementados por cinco medidas horizontais, essenciais para facilitar a competitividade em todos os setores.
Desde logo, a simplificação, visando reduzir drasticamente os encargos regulamentares e administrativos e implicando um esforço sistemático para simplificar, agilizar e facilitar os procedimentos de acesso aos fundos da UE e as decisões administrativas da UE. A futura proposta Omnibus visa simplificar a comunicação de informações sobre sustentabilidade, o dever de diligência e a taxonomia e estabelece-se um objetivo mínimo de redução dos encargos administrativos de 25 % para as grandes empresas e de 35 % para as PME.
Pretende-se reduzir os obstáculos ao mercado único, melhorando o seu funcionamento em todos os setores através de uma estratégia horizontal que visa modernizar o seu quadro de governação, eliminando os obstáculos intra-UE e impedindo o desenvolvimento de novos obstáculos e aproveitando a oportunidade para tornar os processos de elaboração das normas mais rápidos e acessíveis, em especial para as PME e as empresas em fase de arranque.
Considera-se essencial financiar a competitividade de forma reforçada, tornando mais eficiente o mercado de capitais, acelerando a transformação das poupanças em investimentos, o que irá motiva a apresentação da nova União Europeia da Poupança e dos Investimentos, para criar novos produtos de poupança e de investimento, proporcionar incentivos ao capital de risco e assegurar um fluxo dos investimentos sem descontinuidades em toda a Europa.
É necessário promover as competências e empregos de qualidade, adequando o melhor possível as competências às exigências do mercado de trabalho, sendo que a Comissão apresentará uma iniciativa no sentido de construir uma União das Competências, centrada no investimento, na educação de adultos e na aprendizagem ao longo da vida, na criação de competências voltadas para o futuro, na retenção de competências, na mobilidade justa, na atracção e integração de talento qualificado estrangeiro e no reconhecimento de diferentes tipos de formação.
Finalmente, pretende-se uma melhor coordenação das políticas aos níveis nacional e da UE, sendo que a Comissão introduzirá um instrumento de coordenação da competitividade, que ajudará os Estados-Membro a assegurar a execução, a nível nacional e ao nível da UE, dos objetivos políticos comuns da UE, a identificar projetos transfronteiriços de interesse europeu e a realizar as reformas e os investimentos conexos. Para tal, no próximo Quadro Financeiro Plurianual, um novo fundo para a competitividade irá substituir vários instrumentos financeiros existentes da UE com objetivos semelhantes e inúmeras redundância, e apoiará financeiramente as ações executadas ao abrigo do Instrumento de Coordenação da Competitividade.
Stéphane Séjourné, vice-presidente da Comissão e responsável pelas áreas da Prosperidade e Estratégia Industrial, explica que com este ‘Competitiveness Compass’, a Europa “apresenta a sua doutrina económica para os próximos cinco anos. Essa doutrina é simples e pode ser resumida numa palavra-chave: competitividade. Competitividade em cada euro que gastarmos e em cada iniciativa que propusermos. Desta ambição resulta um triplo programa de trabalho: simplificar, investir e acelerar a realização das nossas prioridades económicas”. Por isso, este roadmap deverá simbolizar uma mudança de mentalidade para a Europa e os europeus, avançando “rumo do nosso modelo europeu, um modelo descarbonizado, social e respeitador dos nossos valores”.
Da leitura dos documentos já conhecidos, fica a ideia de que esta Bússola, é exactamente isso: um documento que traça uma linha de orientação, um rumo, mas que está ainda longe de ser um instrumento de acção. É como que um esquiço que precisa agora de muita engenharia, de um compasso e também de uma regra e de um esquadro para converter ideias transversais e relativamente genéricas em medidas concretas, accionáveis e eficazes que, entre outras dificuldades, permitam vencer as diferenças e rivalidades dentro de uma União Europeia que, como todos sabemos, está muito longe ser uns Estados Unidos da Europa.
Não atacar rapidamente estas debilidades com um Plano de Acção forte, eficaz e devidamente financiado levará, como o próprio documento explica, a que a Europa não aumente a sua produtividade, “correndo o risco de ficar presa numa trajetória de baixo crescimento, com menos rendimentos para os trabalhadores, menos bem-estar para os desfavorecidos e menos oportunidades para todos. A Europa enfrenta um mundo de rivalidade entre grandes potências, de competição pela supremacia tecnológica e de luta pelo controlo dos recursos. Neste mundo, a competitividade da Europa e aquilo que a Europa representa são indissociáveis”.