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UM NATAL MAIS TRISTE, COM UMA PEDRA NO ‘SAPATINHO’
O acalmar do ímpeto da primeira vaga da pandemia, o desejo de sair da rotina monocórdica motivada pela crise pandémica, as férias, , os dias longos e o bom tempo (...)
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O acalmar do ímpeto da primeira vaga da pandemia, o desejo de sair da rotina monocórdica motivada pela crise pandémica, as férias, os dias longos e o bom tempo durante o último verão permitiram libertar um pouco os portugueses do estado depressivo que todo este quadro de incerteza e de avanços e recuos sempre gera.

A reabertura, em passos sucessivos, de algumas áreas da economia que haviam sofrido as consequências da primeira vaga, a deslocação das pessoas e o rasto de consumo que arrastou por onde passou, bem como o regresso ainda que muito ténue de algum movimento turístico, deixaram no ar a ideia de que melhores dias viriam e que o restante de 2020 pudesse permitir recuperar, pelo menos, uma parte do desgaste e prejuízo acumulado entre março e junho.

Por sua vez, o Natal é um período fundamental para o comércio, a restauração multiplica-se em jantares de empresas e de amigos, e a hotelaria vê nas escapadinhas permitidas pelos feriados de outubro, novembro e dezembro, e pelas tradicionais deslocações de fim-de-ano uma forma de, em períodos normais, aquecer um pouco a chamada época baixa.

No mesmo sentido, muitas empresas e produtos fazem elevadíssimas percentagens das suas vendas anuais no período de Natal e se é verdade que é uma época dada a alguns excessos de consumismo, é também verdade que muito do nosso tecido económico (e dos postos de trabalho a ele associados) dependem bastante desse ímpeto do consumo.

Ainda que de forma simplista, há aparentemente quem se esqueça que o mundo vive do que cada um de nós tem para vender (desde logo, o nosso trabalho) e da vontade – e capacidade – que cada um de nós tem para comprar. E não havendo quem compre, não há naturalmente rendimento para quem vende, com todas as consequências que essa paralisia tem para a economia. E, é bom lembrar, estamos todos dos dois lados da barreira.

Contudo, não apenas porque os hábitos ao longo dos últimos meses se foram progressivamente alterando, mas porque o cenário da pandemia se foi agravando de dia-para-dia, aproximamo-nos rapidamente do Natal e cada vez mais com a convicção de que vamos viver uma época triste, de celebração e convívio familiar (muito) limitado e que não vai gerar o empurrão que tantos setores da nossa economia ansiosamente esperavam.

Teremos mesas menos amplas, logo menos fartas. Não iremos estar com muitas pessoas dos nossos círculos familiares e de amigos, pelo que muitos restringirão as suas mais ou menos longas listas de presentes. Muitos portugueses estão já a viver com fortes dificuldades económicas, muitos outros antecipam-nas para o curto prazo, pelo que para muitos esta será não uma época de dispêndio, mas sim de contenção e poupança.

A quem a disponibilidade financeira o permitir, antecipará as suas compras, fará as mesmas de uma forma ainda mais racional e estrita; recorrerá, por certo, a muitas soluções que o comércio eletrónico oferece (onde também a antecipação de compras será um bom pressuposto); optará por produtos muito focados na utilidade; e evitará comprar aqueles que possam não agradar ou não servir a quem as desejar oferecer, prevenindo, dessa forma, a necessidade de realizar trocas e deslocações desnecessárias aos espaços comerciais.

No universo do Grande Consumo que – nas categorias menos expostas à implosão que o turismo, a hotelaria e a restauração têm enfrentado – tem aparentemente atravessado de forma menos negativa toda esta crise, não se adivinha um último mês ao nível do que se viveu nos últimos dois ou três anos.

Finalmente, este será um Natal de apelo ao consumir português, ao consumir local. E é normal que assim seja, pois nas crises revela-se sempre o espírito solidário dos portugueses. Foi assim, por exemplo, na crise da Troika e, estou certo, assim será também agora. Um inquérito divulgado por estes dias, referia que 65% dos portugueses se mostravam disponíveis a adotar um consumo patriótico, “sempre que fosse possível”. É normal que nos sintamos com vontade de apoiar os que mais sofreram com esta crise. Muitos dos afetados são pessoas que conhecemos e negócios dos quais somos frequentemente clientes.

Noutros anos e por estes dias, seria comum ver os nossos jornais chamar à capa títulos como ‘Comércio espera que o Natal lhe coloque uma prenda no sapatinho’. Porém, neste Natal, temo que, no sapatinho de uma parte significativa da nossa economia, entrará apenas uma daquelas pedras irritantes, que magoam e deixam ferida.

Originalmente publicado no site da Grande Consumo, em 2020.12.14