A Comissão Europeia divulgou, na semana passada, a comunicação sobre a sua Visão para a Agricultura e a Alimentação, que tem como subtítulo "Shaping together an attractive farming and agri-food sector for future generations", um roadmap que, refere a Comissão, é ambicioso relativamente ao futuro da agricultura e da alimentação na Europa, preparando o percurso rumo a um sistema agroalimentar mais competitivo, resiliente, orientado para o futuro e, refere-se, justo para as gerações actuais e futuras de agricultores e operadores agroalimentares.
De acordo com o documento da Comissão, esta Visão pretende reconhecer a agricultura e a alimentação como sectores estratégicos para a Europa, reforçar a competitividade e atractividade do setor e garantir o crescimento, a inovação e os benefícios sociais a longo prazo. O exercício partiu do chamado Diálogo Estratégico sobre o futuro da Agricultura na UE, lançado há um ano e ouviu o recém-criado European Board on Agriculture and Food.
Esta Visão traz consigo, supostamente, uma nova abordagem, construída sobre confiança e diálogo em toda a cadeia de valor (a nível europeu e a nível global), o envolvimento reforçado dos agricultores, dos operadores da cadeia alimentar, das instituições e da sociedade civil e pretende abordar não apenas as temáticas transversais, mas abordar também as preocupações e ideias a nível local e regional
Pretende-se, refere a CE, estabelecer uma colaboração a longo prazo, assente num esforço colectivo para definir o futuro da agricultura e do sector agroalimentar da UE, garantindo uma fileira resiliente, inovadora e sustentável
E define como áreas prioritárias a Atractividade, visando tornar a agricultura uma carreira viável e capaz de captar mais e melhores pessoas, a Competitividade, reforçando a posição europeia do sector nos mercados globais, a Preparação para o Futuro, incorporando inovação e sustentabilidade para dotar o sector de resiliência a longo prazo, e promovendo a Conexão, através da valorização da alimentação e da promoção das condições de vida e de trabalho justas nas zonas rurais.
A nível mais operacional, espera-se construir um setor mais competitivo e resiliente, através de parcerias internacionais, da diversificação das relações comerciais, da criação de novas oportunidades de exportação, da redução de dependências críticas, do aumento da resiliência do sector através de uma gestão eficaz dos riscos e das crises e da simplificação das políticas.
Indica-se que serão apresentados pacotes de simplificação para a produção agrícola e para as empresas do sector alimentar, que se reforçará a diplomacia agroalimentar e se prosseguirá um alinhamento mais forte dos padrões de produção, que se estabelecerá uma Rede de Segurança para proteger o sector face aos desafios globais, que se desenvolverão trabalhos para a elaboração de uma estratégia europeia de longo prazo para a pecuária, se adoptará um plano europeu de adaptação climática e, finalmente, se desenvolverá um plano abrangente para enfrentar o desafio do fornecimento de proteínas
Pretende-se dinamizar o sector para o tornar mais atractivo, ajudando os agricultores a obter um melhor retorno do mercado, garantindo um funcionamento justo da cadeia alimentar, oferecendo apoio público mais justo e mais direcionado, apoiando os agricultores no acesso a novas fontes de rendimento, desenvolvendo ecossistemas adequadamente recompensadores, atraindo as gerações futuras para a profissão e ajudando o sector agroalimentar a alavancar o seu potencial empreendedor.
Para tal, antecipam-se propostas que tornem a Política Agrícola Comum (PAC) mais justa, mais simples e mais orientada, a revisão da directiva relativa às práticas comerciais desleais e do regulamento da organização comum de mercado, a apresentação de uma Estratégia para a Bioeconomia e de uma outra em matéria de Renovação Geracional, para a além da criação de um Observatório da UE sobre Terras Agrícolas.
Pretende-se dinamizar um sector onde a alimentação é valorizada e oferece condições de vida e de trabalho justas nas zonas rurais, promovendo essas condições em zonas rurais mais dinâmicas, reconectando a comida com o território, a sazonalidade e as tradições, atraindo mais mulheres para a profissão, garantindo a proteção dos direitos dos trabalhadores e o apoio às PME agroalimentares
Finalmente, o documento refere que a Europa pretende ajudar na construção de um sector mais preparado para o futuro, apoiando os objectivos climáticos da UE através de melhores incentivos, garantindo que a descarbonização e a competitividade andam de mãos dadas, integrando os desafios económicos e de implementação na transição ecológica, ajudando a preservar solos saudáveis, água e ar limpos e protegendo e restaurando a biodiversidade nos territórios da União Europeia.
Esta Visão para a Agricultura e a Alimentação corresponde, numa primeira análise. a uma ampla declaração de intenções, perdoem a redundância, bem intencionada, mas, em larga medida, construída em cima de ideias e objectivos que, mesmo um observador menos atento, conseguiria enunciar.
Nota-se uma clara intenção de tornar esta Visão razoavelmente coerente com as linhas de orientação definidas na recente Bússola para a Competitividade apresentada pela Comissão Europeia e, antes desta, em relação às preocupações incluídas nos Relatórios Draghi e Letta.
Obviamente, as linhas operacionais referidas são ainda muito simples, ao jeito dos primeiros traços do esquisso que o artista rabisca antes de partir para a elaboração da sua obra, referenciadas para dar uma resposta mais directa e imediata a reclamações feitas, de há muito, pelas entidades do sector. Muito mais focadas nas preocupações do sector agrícola do que no quadro alargado do mercado e da cadeia de aprovisionamento como um todo.
Mais numa linha de minimização de riscos e gestão de crises do que de construção da robustez económica que permita ir buscar ao mercado e não tanto aos esquemas de apoio público, a necessária remuneração que permita investir no futuro e dar condições dignas, e verdadeiramente atractivas a quem desenvolve a sua actividade nas áreas da produção mais a montante.
Não deixa de ser relevante ver referido no documento, por exemplo, que é fundamental tornar o sector mais inovador, reforçar a presença e a participação nos mercados globais, também através de melhor diplomacia económica, que é necessário minimizar as dependências críticas que perturbam a nossa autonomia e soberania alimentar, ou que é preciso que os agricultores a obtenham uma melhor remuneração do mercado, exigindo-se um funcionamento mais justo da cadeia alimentar, através, por exemplo, da revisão da directiva relativa às práticas comerciais desleais.
Mas, sejamos francos, isto é muito pouco e é manifestamente insuficiente para dar a volta à situação que hoje se vive.
Sem que isso, por si só, seja uma deficiência bloqueante, mas, porventura, uma limitação ultrapassável, esta é uma Visão essencialmente Agrícola e não tanto uma Visão integrada Agroalimentar.
Uma Visão que privilegia claramente o Prado em detrimento do Prato.