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Opinião
Tão bons como os melhores
Quando sabemos fazer e sabemos o que fazer, somos tão bons como os melhores.
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Os portugueses não são conhecidos pelo seu elevado grau de autoestima.

A autoestima é influenciada por factores culturais, sociais e económicos e estou certo de que se a maior parte dos nossos concidadãos reconhece a longa história do país e uma cultura rica, variada e secular, sente também o impacto das constantes dificuldades e desafios económicos e sociais, que vamos sucessivamente enfrentando. Mesmo a evidente modernização e integração europeia, sentida desde meados dos anos oitenta do século passado,  não conseguiu a apagar – pelo menos ao nível da percepção – a sensação de marasmo e de incapacidade em avançar que sufoca o país.

Os portugueses tendem a ser bastante autocríticos em relação a si mesmos, não obstante o manifesto orgulho que mostram por alguns marcos e figuras da cultura, da gastronomia, do desporto ou associados ao papel de Portugal no cenário global. E parece claro um menor desenvolvimento da autoestima, sendo poucas as iniciativas que promovem a nossa confiança individual e valorização cultural, ao contrário da repetição enjoativa de tudo aquilo que dá uma visão negativa de Portugal como país, como economia ou como socidade.

Caminhar pelas ruas das principais cidades portuguesas, hoje convertidas em autênticas Torres de Babel, ou viajar por esse mundo fora, permite reconhecer que há povos e países ‘cheios-de-si-mesmos’ e que há outros que sempre duvidam das suas capacidades e potencialidades. Aqui, somos, em geral, excessivamente modestos, pouco convictos das nossas capacidades, sempre duvidosos em relação ao que sabemos fazer e conseguimos alcançar. Temos dificuldades em incentivar uma individualidade positiva, em cultivar uma confiança e segurança emocional.

Esta forma de ser e de estar acaba também por impactar o relacionamento dos portugueses com as marcas nacionais e também a sua relação com os produtos provenientes do exterior.

Naqueles em que há uma tradição de produção e de consumo, existe um claro orgulho, valorização e preferência pelo que é nacional. Bons exemplos serão os nossos vinhos, as nossas cervejas, sumos e águas, azeites, queijos, algumas frutas, algumas franjas do têxtil e do calçado, produtos da área da decoração, mas também muitos produtos do artesanato nacional e esse grande grupo dos chamados produtos regionais.

Essa afinidade com os produtos nacionais é ainda mais reforçada em períodos em que as dificuldades económicas promovem o que poderíamos designar como ‘patriotismo do consumo’.

Mas isso não impede a forte penetração de muitos produtos estrangeiros, quase sempre suportados em marcas fortes e globais, conquistando a preferência dos consumidores devido à percepção de qualidade, inovação ou status e, aqui, os exemplos mais lineares estarão nas áreas do luxo ou da tecnologia.

Sendo sempre altamente discutível a conclusão, há uma aparente preferência pelas marcas nacionais por parte das gerações mais velhas, enquanto as mais jovens, estarão mais abertas a experimentar marcas internacionais, especialmente influenciadas por tendências globais e redes sociais. Ao mesmo tempo, a crescente preocupação com a sustentabilidade e o impacto ambiental, tende a favorecer as marcas locais, pois os seus produtos possuem uma menor pegada ambiental e reforçam os factores sociais e económicos de sustentabilidade.

Apesar desta percepção negativa, em muitas áreas – e cada vez mais – as pessoas, as empresas, as marcas e os produtos portugueses afirmam-se como tão bons como os melhores. De forma inequívoca. De forma que deve ser tudo menos envergonhada.

Vem todo este ‘racional’ a propósito do recente World Cheese Awards, que decorreu há dias em Portugal e que acolheu, em Viseu, a verdadeira Champions League dos queijos do mundo. Quase cinco mil queijos a concurso. Mais de 250 elementos do júri, provenientes de 40 países, estiveram connosco para o evento.

Quem me conhece bem, sabe da minha paixão de anos por este produto, que todos consumimos, mas que – ao contrário do vinho, por exemplo -  não tem ainda uma verdadeira plateia de conhecedores nem uma efectiva escola de inovadores, de empreendedores e de comunicadores.

Confesso que, qual Batman, há uns momentos em que dispo o fato do dia-a-dia e mudo de farda para entrar num mundo paralelo que me dá um especial gozo. Não nos trocamos na cabine telefónica, não usamos nem capa, nem mascarilha, mas com uns instrumentos apropriados e os cinco sentidos bem aguçados estamos preparados para provar, avaliar e classificar esse produto maravilhoso.

Dos tais quase cinco mil queijos presentes, menos de 200 eram portugueses. Uma amostra do que de melhor se faz em Portugal. E com essa ‘delegação, obtivemos 89 medalhas, sendo a mais importante a de Melhor Queijo do Mundo, um ovelha amanteigado da Quinta do Pomar (produzido na Soalheira, Serra da Gardunha, próximo do Fundão), mas ainda mais 3 denominados SuperGold, 11 medalhas de Ouro, 34 de Prata e 40 de Bronze.

Uma excelente ‘colheita’ apenas superada pelas três maiores potências ‘queijísticas’ do mundo – Espanha, Itália e França – que foram também, de muito longe, os países que mais queijos apresentaram no certame.

Donde se prova que quando nos chegamos à frente, somos tão bons como os melhores.

E a propósito deste World Cheese Awards, três notas adicionais…

A primeira para indicar que participo desde a sua primeira edição e há dezena e meia de anos, no Concurso que elege os melhores queijos portugueses. Embora obviamente numa escala menor, do ponto de vista de organização, avaliação, anonimato e prova cega, consolidação da opinião dos membros do júri e do apuramento de resultados, o Concurso nacional nada fica a dever, bem pelo contrário, a este World Cheese Awards.

A segunda para afirmar, sem ter o receio de estar a meter foice em seara alheia, que este deve ser um momento para afirmar, definitivamente, a qualidade e a diversidade dos queijos portugueses, internamente e no contexto internacional. Estes prémios, o reconhecimento inerente à atribuição da ‘coroa’ de melhor queijo do mundo, a mistura de denominações protegidas e queijos tradicionais excelentes, com a inovação e diversificação que pequenas e grandes empresas vêm colocando no mercado, permitem valorizar interna e externamente, os grandes queijos portugueses.

Para tal é preciso investir, ainda mais, em inovação, é preciso insistir na consistência, é preciso apostar nas áreas de maturação e afinação e é preciso conquistar o espaço da comunicação, com publicidade assertiva e criativa, com o desenvolvimento de um léxico que aguce a imaginação dos consumidores, com a construção de um storytelling que combine geografia, tradição e saber fazer e, acima de tudo, com a formação de uma galeria de comunicadores que ajudem a levar o queijo a novos públicos, novos mercados, novos espaços de informação.    

Finalmente, organizar um evento desta envergadura, vai muito para lá do que se passa no espaço onde, efectivamente, se realiza o concurso. A envolvente, a logística, a comunicação do evento, o diálogo com as autoridades, o apoio das ‘forças vivas’ do sector e o recurso aos ‘melhores’ em diferentes áreas, são aspectos essenciais na construção do respectivo sucesso.

Presumindo que Portugal pode ter a oportunidade de voltar a organizar este World Cheese Awards daqui a, relativamente, poucos anos, há muitas coisas que podem ser trabalhadas, antecipadas e melhoradas, de forma a que seja possível fazer, antes, do evento um êxito na promoção do país e na promoção dos queijos portugueses, e não esperar pela vitória de um queijo português para dar a conhecer, apenas aí, a dimensão e a importância de um evento que já ocorreu.

Em conclusão, quando sabemos fazer e sabemos o que fazer, somos tão bons como os melhores. Mas, em muitas áreas temos ainda que subir a nossa fasquia, para conseguir ombrear com os melhores.