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Opinião
Seniores: de desafio demográfico a motor de consumo
A economia da longevidade não é um exercício meramente teórico: é já hoje um terreno fértil para o crescimento do país e para a afirmação de Portugal como referência numa Europa que envelhece, mas que não esmorece.
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Portugal vive hoje uma transformação demográfica profunda, que coloca a população sénior no centro de muitas dinâmicas sociais e económicas. O envelhecimento da sociedade portuguesa, longe de ser apenas um desafio em termos de sustentabilidade social, deve ser encarado como uma oportunidade estratégica para a criação de valor, inovação e crescimento em múltiplos sectores, em particular – do nosso ângulo - no grande consumo e no agroalimentar.

A geração sénior, muitas vezes vista de forma redutora como “população dependente”, é cada vez mais um segmento activo, exigente e com um peso decisivo no mercado, quer pela sua capacidade de consumo, quer pelo papel de prescritor multigeracional que desempenha.

O poder de compra dos seniores tem vindo a crescer, impulsionado por reformas mais estáveis, por níveis de poupança superiores aos das gerações mais jovens e por uma maior consciência sobre a importância de investir na qualidade de vida. Esta realidade, conjugada com o aumento da esperança média de vida e com o prolongamento de trajetórias de saúde mais positivas, resulta numa propensão para o consumo que não pode ser ignorada. Sectores como a alimentação, o retalho, os cuidados de saúde, os serviços de proximidade e até o turismo encontram neste segmento um público disposto a investir em qualidade, em bem-estar e em experiências com valor acrescentado.

No sector agroalimentar, por exemplo, a importância desta transformação é evidente. Os consumidores seniores são exigentes na procura por produtos mais saudáveis, funcionais e adaptados às suas necessidades nutricionais, sem abdicar do sabor e da tradição que valorizam culturalmente. A procura de alimentos com menor teor de sal, açúcar ou gordura, a valorização de rótulos transparentes, a atenção às origens e à sustentabilidade dos processos produtivos são tendências que se alinham com as preferências desta faixa etária. Ao mesmo tempo, esta exigência abre espaço para a inovação: desde linhas de produtos enriquecidos com nutrientes específicos até formatos de embalagem mais práticos e acessíveis.

No universo da higiene, da beleza e do personal care, o segmento sénior assume também uma relevância crescente. Se durante décadas a comunicação e a inovação destes sectores se centraram quase exclusivamente na juventude, hoje as marcas reconhecem que os consumidores mais velhos são decisivos, tanto pelo seu poder de compra como pela sua procura activa por produtos que respondam às suas necessidades específicas.

A procura por soluções antienvelhecimento mais realistas e inclusivas, produtos dermatologicamente adaptados, embalagens ergonómicas, a escolha de embaixadores adequados e representativos e narrativas de comunicação que celebrem a experiência e a autenticidade reflectem esta mudança. Para além de constituírem um mercado sólido, os seniores influenciam ainda as escolhas de outras gerações, tornando-se catalisadores de novas tendências de consumo e obrigando as marcas a repensar a forma como constroem confiança, relevância e diferenciação.

No grande consumo, a sua influência não se limita às suas próprias decisões de compra, mas estende-se à esfera familiar. Muitos seniores continuam a desempenhar papéis centrais na gestão de múltiplos lares, seja como apoio directo a filhos e netos, seja como referência cultural e emocional na escolha de marcas, produtos e serviços. A sua função como prescritores multigeracionais faz deles peças-chave na consolidação da reputação das marcas e na definição de tendências de longo prazo.

É neste contexto que ganha relevância o conceito de longevity driven economy, uma economia impulsionada pela longevidade, que reconhece o potencial do envelhecimento da população não apenas como desafio, mas como motor de crescimento. Trata-se de um paradigma que vai muito além da saúde e da assistência: inclui a forma como as empresas redesenham os seus portefólios de produtos, como adaptam a comunicação, como inovam na distribuição e como reforçam a aposta em serviços integrados que respondam a consumidores mais longevos, activos e exigentes.

Portugal, sendo um dos países europeus mais envelhecidos, encontra-se numa posição paradoxalmente privilegiada. Se por um lado enfrenta os riscos de uma população activa em declínio, por outro tem condições para se tornar um laboratório vivo da economia da longevidade. A adaptação do grande consumo e do agroalimentar às necessidades do segmento sénior pode não só gerar novas oportunidades de negócio, como também servirde exemplo para outros mercados em envelhecimento acelerado.

Os desafios são claros. É necessário investir em inovação de produto, em packaging inclusivo, em comunicação mais segmentada e em canais de distribuição que assegurem proximidade. Mas, mais do que isso, é fundamental que empresas, decisores políticos e sociedade em geral reconheçam o segmento sénior como parceiro activo no desenho do futuro, e não como destinatário passivo de muitas soluções de base assistencial que se multiplicam no presente.

O papel do sénior como consumidor é indissociável da sua posição como cidadão. A valorização da sua experiência, a integração das suas expectativas e a resposta às suas exigências são elementos que contribuem para uma economia mais inclusiva, sustentável e inovadora. A economia da longevidade é, em última análise, uma economia de futuro, porque todos estamos ou caminhamos para a condição de sénior e porque os padrões que hoje forem definidos moldarão o consumo  e a qualidade de vida de amanhã.

É neste espírito que se inscreve a realização do NEXii Longevity Congresso, que terá lugar na Alfândega do Porto, nos dias 8 e 9 de outubro. Este encontro reunirá especialistas, cientistas, decisores, empresas e sociedade civil em torno de um debate essencial: como transformar a longevidade num vector de inovação, crescimento e prosperidade partilhada. Ao colocar o tema no centro da agenda, o congresso reforça a urgência de pensar a longevidade não como uma questão de gestão das limitações que se colocam no presente, mas como uma oportunidade estruturante para o futuro.

O segmento sénior é, cada vez mais, um protagonista silencioso do mercado português e de um número crescente de importantes mercados. Reconhecê-lo, valorizá-lo e integrá-lo nas estratégias de consumo e produção é não apenas uma resposta inteligente às dinâmicas demográficas, mas sobretudo um investimento na coesão social, na sustentabilidade do universo do grande consumo e na capacidade competitiva das nossas marcas.

A economia da longevidade não é um exercício meramente teórico: é já hoje um terreno fértil para o crescimento do país e para a afirmação de Portugal como referência numa Europa que envelhece, mas que não esmorece.