O sector de grande consumo em Portugal aproxima-se do último quadrimestre de 2025 com um enquadramento paradoxal: de um lado, consumidores mais confiantes, selectivos e dispostos a gastar; do outro, riscos associados a um contexto económico e geopolítico ainda marcado por elevada volatilidade. A pergunta que se coloca é a de saber se estaremos preparados para transformar este optimismo em crescimento sustentado ou se nos limitaremos a capitalizar esta conjuntura eventualmente passageira.
Os dados do Painel de Lares da Worldpanel by Numerator, em parceria com a Centromarca, confirmam uma tendência robusta. Em 60% das categorias analisadas, os lares portugueses aumentaram os gastos em marcas de fabricante, com maior expressão em Higiene e Beleza, Bebidas, Lácteos, Saúde e Mercearia Doce.
É um sinal claro de valorização da qualidade e da diferenciação. Paralelamente, 56% dos consumidores revelam apetência por experimentar novos produtos e quase 26% procuram-nos activamente em diferentes canais quando não os encontram nos seus locais habituais. Este comportamento, amplificado pelas redes sociais, reconfigura a lógica de fidelização e abre espaço para fenómenos virais que podem redefinir categorias inteiras.
O consumo fora do lar, que já representa quase 40% do total de despesas em alimentos e bebidas, é outro dado revelador. Não se trata apenas de um ajustamento de hábitos, mas de um reposicionamento estrutural do “share of wallet” dos consumidores portugueses.
Aqui, as marcas de fabricante têm uma oportunidade adicional: 32% dos consumidores assumem que a presença de determinadas marcas influencia a escolha do local onde consomem. A fronteira entre retalho, restauração e serviços tornou-se mais permeável, exigindo novas formas de colaboração e de criação de valor.
Do ponto de vista macroeconómico, o cenário, apesar do contexto internacional, é ainda favorável. O Produto Interno Bruto cresceu 1,9% no segundo trimestre em termos homólogos, sustentado pelo contributo positivo do consumo privado. Paralelamente, os grandes grupos nacionais apresentam resultados históricos: a Sonae registou um aumento de 41% nos lucros no primeiro semestre e a Jerónimo Martins, menos exuberante, reportou uma subida de 6% no mesmo período, ambos com volumes de negócios recorde. Estes indicadores confirmam que as bases para o crescimento estão presentes.
Mas seria um erro confundir conjuntura com estrutura. O optimismo dos consumidores, embora relevante, é volátil. A incerteza global persiste, os custos operacionais mantêm-se elevados e a expansão acelerada da rede de lojas e investimentos em novas geografias cria obrigações financeiras que exigem disciplina e resiliência aos retalhistas.
O sector de grande consumo não pode assumir que o dinamismo observado no primeiro semestre se replicará automaticamente no segundo. A experiência demonstra que os ciclos de confiança podem inverter-se com a mesma rapidez com que surgem.
É neste quadro que se torna urgente agir. Restam quatro meses até ao final do ano. Quatro meses para consolidar resultados, acelerar a inovação e reforçar a ligação com um consumidor mais exigente, informado e selectivo.
O desafio não é apenas cumprir metas comerciais, mas garantir que 2025 não ficará na memória como uma oportunidade desperdiçada para reposicionar estruturalmente o sector.
As prioridades são claras.
Em primeiro lugar, reforçar a capacidade de inovação ágil e relevante. O sector tem de lançar os seus novos produtos com um desfasamento temporal cada vez mais curto, para que os mesmos não percam oportunidades nem se tornem irrelevantes. A velocidade com que as tendências, muito moldadas pelo digital e pelas redes sociais, impactam a procura exige mecanismos de desenvolvimento e teste muito mais céleres.
Em segundo lugar, investir na digitalização com foco estratégico. Não basta ter presença online. É fundamental utilizar a inteligência analítica para antecipar movimentos de procura e identificar padrões emergentes.
Em terceiro lugar, explorar de forma consistente a interligação entre consumo dentro e fora do lar, transformando a experiência de restauração e takeaway numa plataforma de reforço das marcas de fabricante.
Simultaneamente, é necessário enfrentar riscos que permanecem latentes: a erosão das margens também empurrada pela dependência excessiva das promoções, a ameaça resultante da expansão das redes de retalho, especialmente focada na abertura de lojas com sortido cada vez mais curto e a fragilidade da fidelidade do consumidor, cada vez mais frugal e mais disposto a experimentar alternativas, com o mais baixo preço sempre em mente.
O sector de grande consumo desempenha um papel determinante na economia nacional, não apenas pelo peso directo no PIB, mas pela sua capacidade de dinamizar cadeias de abastecimento, estimular inovação e sustentar emprego. A responsabilidade é, por isso, acrescida. A hesitação ou o imobilismo não são opções.
Faltam apenas quatro meses. Será o tempo suficiente para provar se o sector está preparado para corresponder às expectativas dos consumidores e às exigências do contexto económico? Será o tempo suficiente para transformar confiança acrescida