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Opinião
LOBBY: TRANSPARÊNCIA, RESPONSABILIDADE E DEMOCRACIA
Que a regulamentação do lobby em Portugal seja uma oportunidade para dar bom nome a uma atividade que, quando bem exercida, é parte da solução e não do problema.
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A discussão em curso na Assembleia da República sobre a regulamentação da atividade de representação de interesses — vulgarmente conhecida como “lobby” ou “advocacy” — representa um passo necessário e desejável para o amadurecimento da nossa democracia. Pela primeira vez em Portugal, está em cima da mesa um conjunto de propostas legislativas, apresentadas por diferentes forças partidárias, mas que têm um traço comum: pretendem criar um quadro claro, transparente e responsável para o exercício de uma atividade que, embora legítima e essencial, continua a ser frequentemente mal compreendida e, nalguns casos, mal praticada.

É com este pano de fundo que me permito partilhar uma reflexão pessoal, sustentada por três décadas de experiência profissional na área da representação institucional e da defesa de interesses económicos e sociais. Faço-o com a convicção de que a transparência, a regulação e a exigência ética são os pilares que devem sustentar o reconhecimento público desta atividade, essencial para o bom funcionamento das instituições e para a qualidade das decisões políticas.

Nunca tive qualquer hesitação em assumir que sou, profissionalmente, um lobista. O termo continua a suscitar algum desconforto e resistência, muitas vezes por desconhecimento, outras por confusão deliberada com práticas opacas ou abusivas. Importa, por isso, começar por clarificar: lobby não é tráfico de influências, não é opacidade, não é manipulação. Lobby é participação informada no processo de decisão pública, é defesa legítima de interesses organizados, é contribuição técnica e estratégica para políticas públicas mais equilibradas e eficazes.

O termo lobby tem origem no espaço físico onde tradicionalmente se travavam estas conversas: o átrio (ou lobby) de edifícios públicos, centros de congressos e hotéis, onde decisores e representantes de interesses se encontravam. Hoje, o que se exige é que esses encontros ocorram com regras claras, num ambiente de escrutínio e responsabilidade. A transparência não deve ser apenas exigida apenas a quem representa interesses, deve começar pelo próprio Estado, com a publicitação de agendas, o registo das audiências, a identificação das partes ouvidas nos processos legislativos e a divulgação dos contributos recebidos.

A actividade de representação de interesses faz-se, essencialmente, com base em informação, argumentação e credibilidade. Quem exerce esta função de forma séria e profissional sabe que cada posição que defende deve ser sustentada por dados, estudos, contexto, e uma compreensão profunda do enquadramento político, económico e social. O objetivo nunca é substituir-se à decisão política, mas sim contribuir para que essa decisão tenha em conta todas as implicações - positivas e negativas – dos diferentes caminhos possíveis.

Ao longo destes anos, representei interesses diversos, sempre com clareza sobre quem representava e por que motivos o fazia. Durante dezoito anos, trabalhei em nome do setor lácteo. Nos últimos doze, na defesa das empresas de produtos de marca. Em todos os casos, com sentido ético, com rigor profissional e com atenção permanente à prevenção de conflitos de interesses. Essa é a diferença entre quem atua com responsabilidade e quem procura esconder-se atrás da ambiguidade, seja como facilitador, como consultor informal, ou como comentador com agenda própria.

A regulamentação que agora se discute é, por isso, bem-vinda. Um registo obrigatório de lobistas e representantes de interesses, tal como já existe na União Europeia e noutras democracias consolidadas, pode contribuir para aumentar a confiança pública, separar práticas legítimas de abusos de posição e, sobretudo, ajudar a institucionalizar um diálogo estruturado entre o setor público e a sociedade civil organizada.

Mas não será suficiente se não vier acompanhada por uma cultura de exigência também do lado das entidades públicas: os gabinetes ministeriais, os organismos da administração e os decisores políticos têm de ser os primeiros a adoptar práticas de transparência, abertura e prestação de contas.

A representação de interesses é indissociável de uma democracia plural e participada. É através dela que os diferentes sectores da sociedade, sejam económicos, sindicais, sociais, ambientais ou culturais, fazem chegar a sua voz aos decisores. Eliminar ou ignorar esta dimensão seria condenar a decisão política à parcialidade e à tecnocracia. O desafio é, por isso, enquadrar esta actividade com regras claras, com ética, com escrutínio, e com um entendimento partilhado de que, numa democracia madura, a diversidade de interesses não é um problema. É acima de tudo representação, conhecimento e informação.

Que a regulamentação do lobby em Portugal seja uma oportunidade para dar bom nome a uma atividade que, quando bem exercida, é parte da solução e não do problema. É dar sentido, contexto e propósito a um trabalho que faço, sem segredos nem hesitações, há mais de três décadas.