A fidelização do consumidor é essencial para as marcas e para os retalhistas por múltiplas razões estratégicas e económicas e tem, inequivocamente, um muito elevado impacto no sucesso dos seus negócios.
Contudo, num mundo de oferta crescente, de multiplicação de touchpoints com o consumidor, de prescrição múltipla, de aumento do ‘ruído’ e dos factores de distracção, do incremento de uma ‘poligamia’ relacional, a fidelização continua a ser possível ou está a converter-se numa utopia, numa espécie de Santo Graal para retalhistas e, mais ainda, para as marcas?
Apesar de tudo, o consumidor vai mantendo uma relação cúmplice tanto com marcas como com retalhistas, mas as motivações e as formas e dinâmicas dessas relações podem variar amplamente.
A relação ou, se quisermos, a lealdade a uma marca refere-se à preferência consistente de um consumidor pelos produtos ou serviços de uma empresa específica, independentemente de onde eles são adquiridos, enquanto a relação do consumidor com um retalhista se estabelece a partir da experiência de compra, da relação de confiança e da conveniência de obter vários produtos num único local ou de forma prática numa loja, seja física ou online.
Essa relação de proximidade do consumidor a uma marca, passa por uma percepção de qualidade e consistência, que vai de encontro às suas expectativas, passa por uma forte identificação emocional, muitas vezes apoiada em valores, histórias ou propósito, tornando-a parte da sua própria identidade. Passa por uma boa experiência de produto, que quando proporciona valor, conforto ou conveniência superior aos dos concorrentes, incrementa a probabilidade de fidelização à marca e passa, claro, pela correspondente confiança e reputação, construídas ao longo do tempo e funcionando como um verdadeiro ‘seguro-de-vida’, mesmo nos momentos mais difíceis.
A lealdade ao retalhista estabelece-se em cima de pressupostos e factores algo diferentes, a começar pela experiência de compra, com, por exemplo, um bom atendimento, conveniência e facilidade de acesso. Passa também pelas estratégias de preços e promoções, sendo que retalhistas que mantêm preços competitivos e promoções exclusivas tendem a conquistar a atenção de clientes que buscam valor. Passa pela variedade de produtos que oferece e pela sua disponibilidade continuada, passa por uma política positiva de enfrentar as questões colocadas pelos consumidores, com trocas, devoluções ou reclamações e passa, sem dúvida, pelos programas de fidelidade que disponibiliza.
Apesar de diferentes, estas duas formas de lealdade podem efectivamente coexistir. Por exemplo, um consumidor pode ser fiel a uma marca específica, mas também ser leal a um retalhista que oferece essa marca com vantagens, como descontos ou um serviço de atendimento ao cliente de alta qualidade.
Para uma boa marca, a fidelização conquistada traz consigo um amplo conjunto de vantagens, a começar pela efectiva redução de custos, inerente à constatação de que é, normalmente, mais barato manter clientes existentes do que conquistar novos consumidores, permitindo diminuir os custos com marketing e publicidade. Permite aumentar o que poderemos designar como valor do ciclo de vida do cliente, já que consumidores fidelizados tendem a gastar mais ao longo do tempo, seja em frequência, seja em ticket médio. São também uma fonte consistente de feedback construtivo, ajudando a melhorar produtos e serviços.
Acrescente-se que consumidores fiéis se tornam, muito mais frequentemente, embaixadores da marca, recomendando-a a amigos e familiares e noutros contextos sociais e profissionais, gerando uma publicidade orgânica muitas vezes mais poderosa do que a comunicação comercial tradicional, pois as pessoas confiam mais em recomendações de conhecidos do que em anúncios convencionais.
Em simultâneo, essa relação de cumplicidade torna-os menos propensos a uma migração das suas compras para marcas concorrentes, não obstante diferenciais de preços ou a agressividade promocional. Essa característica é especialmente relevante em momentos de crise, gerando uma muito maior resiliência do consumo.
Do lado do retalho é importância da fidelização tem até um impacto mais significativo e imediato. De forma simples, quando o grau de lealdade do consumidor aumenta, verifica-se um incremento das vendas repetidas, gerando um fluxo de caixa muito mais constante e previsível, facilitando a logística e gestão de stocks e aumentando a eficiência do planeamento operacional. Clientes fidelizados tendem a apresentar um maior ticket médio, tendo uma propensão acrescida para comprar novos produtos, aproveitar promoções e adquirir bens de maior valor. Oferecem, para além disso, boas oportunidades para acções de cross-selling e de up-selling,
Também do lado do retalho se verifica a redução de custos com a aquisição de novos clientes, sendo uma parcela importante dos investimentos centrada na implementação de estratégias de retenção e consumidores satisfeitos e leais são uma excelente base de publicidade boca a boca e uma fonte de aconselhamento incontornável no ajustamento da experiência de compra, na definição do sortido ou na ultrapassagem de dificuldades operacionais
A este propósito fica a sugestão de leitura do artigo ’The Future of Retailer Loyalty Programs: Navigating a New Era of Customer Engagement’, recentemente publicado na Global Supermarket News, que refere que numa paisagem de retalho cada vez mais competitiva e digitalizada, os programas de fidelização se tornaram uma ferramenta crítica para impulsionar o envolvimento e a retenção dos clientes.
Se é certo que os programas de fidelização de retalhistas percorreram um longo caminho desde o seu início, hoje, eles estão longe de ser apenas descontos ou pontos, tendo-se tornado uma parte integrante da experiência do cliente, oferecendo recompensas personalizadas, acesso exclusivo e, em muitos casos, ajudando a criar um sentido de comunidade, dando resposta aos anseios dos consumidores que desejam mais do que meras relações transaccionais com marcas e retalhistas.
Os melhores destes programas têm vindo a fazer uma progressiva transferência do foco de lealdade transacional para o da lealdade emocional. A lealdade transacional embora possa ser eficaz no curto prazo, não constrói necessariamente uma ligação emocional duradoura com a marca, uma ligação impulsionada por factores como os valores da marca, a experiência do cliente e o envolvimento personalizado.
Esta mudança é crucial para o futuro dos programas de fidelização de retalhistas. À medida que os consumidores se tornam mais exigentes e selectivos, é mais provável que se mantenham leais às marcas que partilham os seus valores e lhes oferecem experiências únicas e personalizadas.
O artigo, de forma consistente, identifica tendências emergentes que tenderão a moldar o futuro dos programas de fidelização e que passam, por exemplo, pelo que designam como ‘personalização-em-escala’ ou pela construção de ferramentas verdadeiramente omnicanal, na venda, mas também no pós-venda, ou a simplificação dos processos de pagamento e a multiplicação dos meios de pagamento aceites.
Passam também pela associação dos programas de fidelização a acções substanciais a nível de ambiente, sustentabilidade ou ética. Ou pela aposta na gamificação e na criação de esquemas de recompensa que sejam mais do que pontos e descontos, criando a ambição de aceder a experiências diferentes e únicas.
Tudo isto confere importância acrescida aos dados e à gestão dos dados nestes programas de fidelização, com recurso crescente à inteligência artificial e ao machine learning, permitindo identificar padrões e prever comportamentos futuros, possibilitando a realização de propostas mais personalizadas, atempadas e optimizadas, sem nunca descurar as questões da cibersegurança.
Em conclusão, pode afirmar-se que há ainda muito terreno a desbravar ao nível dos programas de fidelização, mas que o respectivo futuro requer uma abordagem proativa para a inovação, personalização e envolvimento do consumidor, possibilitando a construção de relações fortes e duradouras, impulsionando a lealdade a longo prazo e, consequentemente, dinamizando a sua rentabilidade.
A chave para o sucesso residirá sempre na melhor compreensão da evolução de expectativas dos consumidores, na adopção de tecnologias emergentes e adequadas e na adaptação contínua às mudanças de contexto e de comportamento, satisfazendo não apenas as necessidades dos clientes actuais, mas antecipando também as exigências do ambiente de retalho e de consumo do futuro.