O consumidor português mudou profundamente nos últimos anos. É hoje mais informado, mais exigente e mais vocal, utilizando o carrinho de compras como instrumento político, social e ambiental. Questiona, comenta, partilha e pressiona as marcas. Mas esta faceta “activista” convive com outra realidade: no momento da compra, continuam a prevalecer critérios como o preço, a promoção, a conveniência e a disponibilidade. O consumidor é, afinal, mais do que consumidor: é uma pessoa, com múltiplas dimensões, que comunica intenções nobres mas decide com pragmatismo.
As marcas têm enfrentado esta dualidade com um equilíbrio complexo. Por um lado, há uma procura clara por propósito, responsabilidade social e compromisso ambiental. Por outro, a crise inflacionista, a instabilidade geopolítica e o peso das despesas do quotidiano mantêm o preço como critério decisivo. Responder a esta tensão implica inovar sem perder competitividade, traduzir exigência em soluções acessíveis e reforçar confiança num mercado altamente sensível ao custo.
A sustentabilidade é um dos domínios onde mais se sente o cepticismo do consumidor. Se, em teoria, este exige produtos mais amigos do ambiente e mais justos socialmente, na prática desconfia de muitas alegações e receia práticas de greenwashing. As marcas sabem que a credibilidade só se conquista com transparência: dados verificáveis, certificações robustas, consistência entre discurso e prática. É neste ponto que se reforça a ideia de responsabilidade tripartida: empresas a inovar e a provar, Estado a regular e fiscalizar, consumidores a reconhecerem os esforços reais e a fazerem escolhas consequentes.
O comportamento do consumidor português varia também numa perspectiva geracional. A Geração Z e os Millennials são mais vocais e ativistas, mobilizando-se em torno de causas ambientais ou de diversidade. Já as gerações mais velhas mantêm maior foco em conveniência, preço e confiança. No entanto, todas pressionam as marcas, de formas distintas: uns pela exigência de propósito, outros pela exigência de acessibilidade. A complexidade para as empresas está em responder a ambos os vectores, construindo marcas relevantes para públicos muito diversos.
E se a pressão activista se traduz algumas vezes em campanhas de boicote ou buycote, o seu impacto real em Portugal tem sido limitado em termos de escala comercial. O que não significa irrelevância: estes movimentos são sinais reputacionais poderosos, que testam a agilidade e a consistência da resposta das marcas. A capacidade de comunicar com clareza, de corrigir falhas e de demonstrar compromisso é tão ou mais importante do que o impacto imediato nas vendas.
O digital amplificou exponencialmente esta relação. Redes sociais, programas de fidelização e análise de dados permitem às marcas ouvir o consumidor em tempo real. Mas transformar essa informação em inovação concreta continua a ser um desafio. A verdadeira cocriação ainda não é uma prática tão generalizada como desejável em Portugal, mas começam a surgir experiências positivas. O grande obstáculo permanece o mesmo: conciliar a intenção declarada do consumidor, muitas vezes ativista, com o comportamento real de compra, mais pragmático e centrado no preço.
A ascensão da marca própria é outro fator decisivo no mercado português. Ao crescer de forma constante, coloca pressão adicional nas marcas de fabricante, obrigando-as a reforçar diferenciação, inovação e propósito. A resposta passa por construir valor de marca, confiança e autenticidade, mostrando ao consumidor que a sua escolha vai além da equação custo-benefício imediata. Esta concorrência é saudável, mas exige redobrada capacidade de inovação e de afirmação de identidade.
Comparando com padrões europeus, o consumidor português acompanha as tendências de maior exigência e activismo, mas apresenta traços próprios: elevada sensibilidade ao preço, forte valorização de promoções e grande peso da conveniência. Esta especificidade condiciona a relação com as marcas e torna a transição para padrões de consumo mais sustentáveis mais lenta. Ainda assim, há sinais claros de convergência, sobretudo entre os mais jovens, que trazem consigo maior pressão por autenticidade e responsabilidade.
Nos próximos três a cinco anos, as marcas enfrentarão desafios complexos: equilibrar exigência e preço, responder ao cepticismo face à sustentabilidade, lidar com a pressão da marca própria e adaptar-se às novas dinâmicas demográficas: envelhecimento, longevidade, imigração e urbanização. Mas também terão oportunidades únicas: diferenciar-se através da inovação, consolidar confiança com transparência e transformar propósito em factor de competitividade.
O futuro do grande consumo em Portugal dependerá, assim, da capacidade de reconhecer a dualidade do novo consumidor: activista nas intenções, pragmático nas escolhas. Só entendendo esta tensão será possível construir marcas fortes, relevantes e competitivas, capazes de transformar o activismo declarado e o pragmatismo da compra numa equação positiva para empresas, Estado e sociedade. O consumidor é mais do que consumidor: é cidadão, é pessoa, e é nesse equilíbrio que se joga o futuro das marcas.