Para quem está menos envolvido no mundo do grande consumo, nem sempre é fácil perceber a que é que os especialistas se referem quando falam de On Trade e Off Trade. De forma simples, estamos a falar de dois canais distintos de venda, diferenciados pelos locais onde os produtos são comprados e consumidos.
O On Trade refere-se a locais onde os produtos são consumidos no próprio local de venda. São, geralmente, estabelecimentos de consumo imediato, como bares, restaurantes, hotéis, casas nocturnas e outros pontos onde os clientes consomem os produtos, especialmente bebidas e alimentos, no momento da compra. No On Trade, o local influencia directamente a experiência de consumo, com destaque para o atendimento, o ambiente ou a localização.
Já no Off Trade, falamos de estabelecimentos onde os produtos são comprados para consumo noutro local, como supermercados, lojas de conveniência, distribuidores e grossistas. No Off Trade, o produto é comprado e levado para ser consumido em casa ou noutro lugar e as estratégias de marketing e promoção são focada em conveniência, preço ou packaging.
Estes dois canais, para produtos idênticos, exigem estratégias de marketing específicas e bem distintas, com o Off Trade a ser abordado de forma mais programática e muito suportada em informação e numa relação colaborativa com o cliente, na busca de atenção e opção do consumidor, enquanto no On Trade se foca mais na experiência de consumo e num relacionamento mais empático e personalizado, seja com o cliente, seja com o consumidor.
Como se refere no título deste texto, um canal obriga a mais ‘ciência’, o outro exige mais ‘arte’.
No mundo do Off Trade, mais conhecido e trabalhado, empresas e profissionais estão especialmente focados em aspectos comerciais, logísticos e de marketing. Há, desde logo, que possuir uma forte capacidade negocial em matérias como preços, volumes, prazos e espaços nos lineares, tentando obter as melhores condições de comercialização e conquistar visibilidade.
São incontornáveis uma adequada análise de dados e um amplo entendimento de mercado e, em especial, das preferências e tendências do consumidor, da identificação de padrões de compra e da antecipação da procura, optimizando existências e identificando oportunidades para dinamizar as vendas, nunca esquecendo a diferenciação entre consumidores e clientes.
Neste canal é essencial cultivar o relacionamento com os grandes retalhistas e outros parceiros comerciais, oleando permanentemente os canais de comunicação, resolvendo, de forma célere, os problemas que surjam na relação comercial e criando parcerias ganhadoras que ajudem a conquistar prioridade no espaço e nas ações promocionais.
É preciso apostar numa rigorosa Gestão de Categorias, trabalhando o ponto de venda, maximizando a exposição dos produtos e dando a melhor resposta às preferências dos shoppers, o que reforça a necessidade de uma acção de Trade Marketing ágil e eficaz, que aumente a visibilidade e conversão, sendo que uma boa presença na prateleira exige a perfeição na Logística e ao longo de toda a Cadeia de Aprovisionamento, pois não é possível esperar sucesso sem a garantia de que os produtos estejam disponíveis e bem posicionados.
O Off Trade é, sem dúvida, um canal altamente competitivo, e o foco em resultados ajuda as empresas e as marcas a estarem sempre em busca de metas de vendas, de conquista de quota de mercado e, obviamente, de rentabilidade, nunca descurando a concorrência e as mudanças de comportamento do consumidor e de alteração do seu padrão de compra.
E essa fortíssima competitividade é uma rosa que tem também os seus espinhos. Os nossos produtos e os dos nossos concorrentes (que, cada vez mais, são simultaneamente os nossos clientes) estão lado a lado nas prateleiras, competindo directamente e exigindo-nos, a todo o tempo, diferenciação e estratégias que potenciem a visibilidade, estratégias que podem significar custos avultados e negociações intensas.
Enfrentamos uma elevada dependência de um número curto de grandes retalhistas, que, também por isso, possuem um agressivo e excessivo poder de negociação, que lhes permite impor condições que, normalmente, não estaríamos disponíveis a aceitar, e pressionar por descontos, promoções frequentes, investimentos com baixas contrapartidas e condições de pagamento pouco ajustadas.
Os desafios logísticos e de distribuição, por seu lado, levantam problemas de stockagem, incrementam custos de distribuição e colocam uma muito forte pressão sobre a rede logística. Stocks excessivos podem gerar custos adicionais e desperdício, enquanto a escassez de produtos em condições de seguir para o mercado gerará perdas de vendas, obrigando a um equilíbrio complexo, especialmente quando a procura é influenciada, por exemplo, por uma significativa sazonalidade ou por tensões que afectam o consumo no curto prazo.
E há que contar que no Off Trade, o preço é um fator decisivo para os consumidores, que comparam facilmente valores entre marcas, obrigando permanentemente a um difícil equilíbrio entre a competitividade dos preços e a rentabilidade da operação comercial. Estimular vendas e conquistar a atenção dos consumidores, implicam ações promocionais e campanhas de trade marketing sucessivas, o que significa um alto investimento e necessita uma constante medição de eficácia e avaliação do retorno dessas acções.
Enfrentar estes ‘espinhos’ e ultrapassá-los requer uma boa planificação e a adopção de uma estratégia adequada e consistente, com foco em inovação, eficiência operacional e uma boa dose de flexibilidade para responder rapidamente às mudanças do mercado e às dinâmicas que impactam o comportamento dos consumidores.
Enfrentar estes ‘espinhos’ faz supor que a vida de empresas e profissionais será mais simples no Canal On Trade. Mas será mesmo assim?
Neste canal, a probabilidade de sucesso tenderá a aumentar se for conseguida uma combinação adequada de factores em áreas como o marketing, as operações ou a capacidade relacional, todas viradas para a experiência de consumo direto e de espaços (e gestão) com características muito heterogéneas.
Desde logo, é essencial uma forte capacidade de relacionamento com os clientes, que facilita negociações, visibilidade e apoio para campanhas no ponto-de-venda, mas também a capacidade de criar experiências de consumo diferenciadas, convidando à experimentação e ao envolvimento com as marcas, apenas possível com um conhecimento profundo do produto, ao nível de sabor, qualidade, factores diferenciadores, método de produção, formatos de conservação, alternativas de utilização e, claro, o storytelling associado à marca e ao produto, tentando convencer os colaboradores do estabelecimento a converterem-se em embaixadores da marca.
Depois, claro, há que ter uma boa capacidade negocial que permita ampliar espaço e visibilidade em locais de relativamente reduzida dimensão, conquistando posições de maior destaque, abrindo as portas a parcerias promocionais e lutando por outras condições vantajosas. Como contrapartida, há que existir disponibilidade para apoiar a formação daqueles colaboradores e gerar a sua boa vontade e recomendação.
Neste canal, os estímulos e a alteração de padrões de consumo são muito rápidos e respondem, muitas vezes, a factores dificilmente antecipáveis, o que exige adaptabilidade e agilidade, ajudando a manter o dinamismo e a relevância de marca e produto.
Mas, ao mesmo tempo, há que planear e executar eficazmente acções de trade marketing específicas para cada localização e ambiente de consumo, apostando numa forte criatividade para diferenciação da marca e nalguma exclusividade que confira singularidade ao trinómio marca/produto/local, utilizando sempre empatia e o qb de inteligência emocional, qualidades que ajudam a fortalecer a presença da marca em ambientes de consumo imediato e a criar experiências tão memoráveis quanto possível, gerando afinidade e envolvimento e promovendo a consistência do consumo.
Essa multiplicidade, heterogeneidade, sazonalidade, geografia e gestão caso-a-caso, introduz, simultaneamente, dificuldades evidentes num canal altamente competitivo e dinâmico, a começar pela elevada dependência do relacionamento com parceiros, especialmente os proprietários, gerentes e responsáveis de compras desses espaços, relacionamento que precisa de ser constantemente alimentado e ‘mimado’, sendo que qualquer atrito pode penalizar o posicionamento do produto ou mesmo a sua presença no local.
Espaços pequenos e fornecedores que, em muitos produtos, possuem uma oferta bastante ampla, gera uma acesa concorrência por visibilidade e pela ocupação de um espaço necessariamente limitado e exige, por vezes, negociações intensas, demoradas e apoiadas por investimentos que, à escala desses espaços, podem ser razoavelmente vultuosos e nem sempre garantem um retorno directo e rápido, sendo bastante difícil medir a respectiva eficácia.
As dificuldades de contratação e a dinâmica destes espaços faz com que, em muitos deles, exista uma forte rotatividade das equipas de colaboradores, com entradas de pessoas com pouca ou nenhuma experiência, e com problemas em garantir uma formação adequada para os mesmos e, mais ainda, um conhecimento razoável do produto e um alinhamento com a estratégia da marca.
Se, por um lado, se observam mudanças rápidas nas preferências dos consumidores, com novas modas e tendências a cada temporada, o que exige capacidade de inovação e redefinição das estratégias de marketing, há, do lado dos responsáveis dos estabelecimentos, uma pressão forte para a obtenção de descontos e a tentativa de obter a exclusividade da presença de certos produtos e determinadas marcas, obrigando, em várias situações, à escolha criteriosa dos pontos de venda em que a marca estará presente.
A forte dinâmica de aberturas (e também de encerramentos) de estabelecimentos, a sua localização (tantas vezes em zonas de acessos difíceis, saturados e complexos), a reduzida capacidade de armazenagem e as limitações introduzidas pelos horários de funcionamento e pelos horários onde é permitido o respectivo aprovisionamento, coloca desafios logísticos e limitações aos volumes muito relevantes, mais ainda nos períodos em que a procura é mais alta como os feriados e fins-de-semana ou nos picos de sazonalidade.
Muitos destes locais de venda têm, para além disso, uma preferência, pelo menos em parte da sua oferta, por produtos locais, por produtos de pequena produção ou por marcas menos massificadas. Por isso, para muitas empresas estes pontos-de-venda levantam dificuldades e obrigam a estratégias de diferenciação que podem passar pelas próprias marcas, mas também pelo desenvolvimento de gamas distintas ou pela criação de formas diferentes de apresentação do produto, o que exige um esforço adicional de inovação e comunicação e, por vezes, conflitua com o investimento em marketing feito para as marcas principais e mais focado na lógica do canal Off Trade.
Finalmente o On Trade tem, até por comparação com o Off Trade, um claro problema de visibilidade, com informação escassa, dispersa e, demasiadas vezes, de qualidade questionável. Esta dificuldade ao nível da informação de mercado tem consequências evidentes em relação à medição de resultados e de avaliação do impacto das acções de marketing sobre as vendas.
Por isso, para vencer esses desafios no On Trade, é fundamental combinar uma abordagem de marketing orientada para a experiência do consumidor, com a necessária flexibilidade para uma adequada adaptação às alterações do mercado e uma boa gestão de custos, logística e relacionamento.
É relevante, para além disso, não esquecer que tudo o que referi antes em relação ao On Trade é muito focado na realidade de produtos, marcas e empresas que têm um relacionamento directo com este canal: bebidas alcoólicas (cervejas, vinhos, espirituosas) e não alcoólicas (águas, sumos, refrigerantes,…), alguns produtos alimentares muito específicos, snacks e uma meia dúzia mais de produtos de referência.
Para muitos outros produtos alimentares, assim como para as grandes famílias de produtos de higiene, as compras são muitas vezes realizadas, pelos seus responsáveis, nos espaços da moderna distribuição ou em espaços grossistas, mas existe também a importante figura dos distribuidores, uns mais generalistas, outros mais especializados (congelados, bebidas, produtos ‘étnicos’,…).
Especialmente com grossistas e distribuidores, o trabalho dos responsáveis por este canal nas marcas e empresas é igualmente muito personalizado, no sentido de criar condições – comerciais, mas também relacionais – para haver uma prescrição das nossas referências num universo em que a oferta disponível é muito alargada e em que, obviamente, os meus concorrentes estarão a fazer um trabalho e uma estratégia de envolvimento não muito diferente da minha.
Em boa verdade, o sucesso no Canal On Trade exige muita ‘arte’ aos que dentro das empresas estão responsáveis pela sua gestão, mas essa arte, a bem da eficácia, exige também uma boa dose de ‘ciência’.
Um pouco ao jeito da velha frase que diz que a Sorte dá muito Trabalho.