Portugal atravessa hoje uma fase económica que, por muito que custe admitir a alguns profissionais da melancolia nacional, é francamente positiva. Crescemos mais do que esperávamos, consumimos com maior confiança, investimos com mais determinação e começamos — finalmente — a ver sinais claros de que a estabilidade se instalou no quotidiano económico.
Não é um fogacho estatístico nem uma ilusão momentânea: parece ser uma mudança de ciclo. E, talvez mais importante do que tudo, é um daqueles raros momentos em que Portugal parece disposto a acreditar em si próprio.
O crescimento do PIB no terceiro trimestre, sólido e acima do trimestre anterior, não é apenas um número: é um indício de que a economia está a respirar fundo e a avançar com passo firme. A procura interna, o motor mais decisivo para qualquer país que queira criar valor de forma contínua, mostra um vigor que não se via há anos. Consumidores mais confiantes consomem melhor, e empresas que sentem uma envolvente mais previsível investem mais. Parece simples, mas durante muito tempo não foi assim.
A combinação de estabilidade inflacionista e aumento do rendimento disponível, mesmo que lento, cria um ambiente onde o consumo deixa de ser um acto de sobrevivência e passa a ser uma decisão ponderada e sustentada.
Nos últimos dias, um conjunto significativo de economistas, com instituições como CIP/ISEG, gabinetes do setor privado ou a agência de notação internacional Moody's, veio dar “conforto” às previsões oficiais do Governo: esperam-se para 2025 taxas de crescimento entre 1,8 % e 1,9 %, muito próximas dos 2 % projetados pelo executivo. As perspetivas para 2026 também se mantêm moderadamente optimistas, com crescimento estimado por diversos analistas entre 2 % e 2,2 %.
Uns dirão que o crescimento, apesar de superior aos dos nossos parceiros, é, apesar disso, demasiado anémico para recuperar o atraso económico de gerações. Outros dirão que o contributo da procura externa líquida continua aquém do desejável. É verdade, mas é igualmente verdade que o dinamismo da economia interna, aliado à necessidade de importar maquinaria, tecnologia e bens intermédios, explica grande parte desse desequilíbrio aparente. Não estamos a importar porque consumimos irresponsavelmente; estamos a importar porque investimos para produzir mais e melhor. É o tipo de desequilíbrio apesar de tudo saudável que denuncia modernização e não fragilidade.
A inflação, essa sombra que marcou os últimos anos, parece estar finalmente a ser domada. Estimativas recentes, como as da Comissão Europeia e de outros organismos, apontam para uma inflação em torno dos 2,2 % em 2025 e ligeiramente abaixo nos anos seguintes. Essa convergência para níveis “normais” devolve às famílias e às empresas uma sensação de previsibilidade que parecia perdida.
Portugal volta a viver num ambiente em que a formação de preços é mais estável, em que planear não é um acto de fé e em que o rendimento disponível tem espaço para respirar. Esta estabilidade é um activo económico e político, e não deve ser subestimada, pois é ela que permite às famílias olhar para o futuro com menos receio e às empresas investir com menor hesitação.
O turismo, por seu lado, continua a comportar-se como um dos sectores mais resilientes e estratégicos da nossa economia. Outubro trouxe mais hóspedes, mais dormidas, mais proveitos e talvez o mais relevante, mais diversidade de mercados. Os residentes viajaram mais, os não-residentes regressaram com força, e o país provou que, apesar da concorrência crescente, continua a oferecer experiência, segurança e competitividade. A hotelaria, que tantas vezes foi vista como vulnerável, responde hoje com crescente profissionalismo, capacidade de adaptação e uma clara percepção do valor que aporta ao território.
Este cenário, com crescimento, inflação controlada, turismo vibrante, consumo interno firme, deveria permitir-nos abandonar a velha obsessão pelo pessimismo. Não porque vivamos num país perfeito, longe disso, as porque vivemos, neste momento, num país melhor do que o discurso público admite. Há problemas estruturais, naturalmente: produtividade, qualificações, escala empresarial, burocracia, envelhecimento. Há riscos no horizonte, evidentemente: incerteza internacional, tensões comerciais, volatilidade energética. Mas está, obviamente, ainda longe o dia em que uma economia madura deixará de ter desafios. O que importa é perceber se estamos a avançar… e estamos.
Para sectores como o grande consumo e para as marcas que fazem parte da vida diária das famílias, este ambiente pode ser particularmente fértil. O consumidor português está mais confiante, mais informado, mais exigente. E, quando assim é, tende a valorizar a qualidade, a inovação, a reputação, precisamente os factores que sustentam as marcas. É nos ciclos positivos que se investe mais em desenvolvimento, que se reforçam cadeias de abastecimento, que se aposta na diferenciação e que se cria valor acrescentado. As empresas percebem-no e respondem-lhe.
Persistir no discurso do “país adiado” é não apenas injusto, é, mais do que tudo, contraproducente. A economia portuguesa ultrapassou os 300 mil milhões de euros pela primeira vez, a inflação estabilizou, o turismo cresce, o consumo acelera e o investimento acompanha. Contudo, parte do debate público parece preso a uma matriz mental incapaz de reconhecer progresso, como se admitir que o país melhora fosse, por si só, uma ameaça ideológica. Não é. É apenas um exercício de realismo.
Portugal tem hoje uma oportunidade rara: transformar este momento positivo numa década de convergência e de criação de valor. Mas isso exige uma mudança cultural: menos fatalismo, mais ambição. Menos reacção, mais estratégia. Menos medo do futuro, mais vontade de o construir. Menos aproveitar as fragilidades externas, mais robustecer o potencial interno
A questão que falta responder não é se temos condições para avançar. É se teremos coragem para assumir que o país está melhor… e para agir em conformidade.