O contrabando e a contrafacção não são apenas fenómenos marginais ou delitos menores. São, na verdade, desafios estruturais que afectam a competitividade da economia, os cofres do Estado, a saúde pública, a confiança dos cidadãos e o futuro da inovação e das marcas. Combatê-los exige muito mais do que repressão policial. Exige uma resposta coordenada, estratégica e integrada entre Estado, empresas e sociedade.
O contrabando e a contrafacção são um problema fiscal e económico com várias camadas. Em primeiro lugar, o impacto na arrecadação fiscal é directo e massivo. A perda de receitas em impostos especiais sobre o consumo (IEC), em IVA e noutros encargos aduaneiros enfraquece a capacidade do Estado para investir em serviços públicos. Ao mesmo tempo, os custos de fiscalização aumentam, assim como a complexidade do ecossistema fiscal, prejudicando os operadores legítimos e alimentando um sentimento de injustiça entre os contribuintes.
Este círculo vicioso compromete a confiança no sistema fiscal e incentiva comportamentos de evasão e informalidade. Cria-se, assim, um ambiente hostil ao investimento produtivo, particularmente penalizador para as empresas que cumprem as regras e que se veem forçadas a suportar custos acrescidos com sistemas de rastreabilidade, com a autenticação de produtos e com o controlo da cadeia de abastecimento.
O contrabando e a contrafacção equivalem também a concorrência desleal e destruição de valor. Um e outra alimentam uma economia paralela que actua com impunidade, muitas vezes “às claras”, prejudicando a concorrência leal e desviando quota de mercado das empresas legítimas. Esta situação é particularmente crítica nos sectores mais expostos, como o têxtil, cosméticos e brinquedos, sectores onde em Portugal e apenas em 2024, se estimaram perdas combinadas superiores a 440 milhões de euros e mais de 10 mil empregos.
O impacto não se limita às vendas. Está em causa a reputação e a credibilidade das marcas, bens intangíveis de valor inestimável. As cópias parasitárias e o uso indevido de marcas em contexto digital criam corrosão adicional na relação com os consumidores e tornam mais difícil distinguir entre o genuíno e o falsificado. Pior: quando se limita o acesso das marcas à comunicação comercial, retira-se também ao consumidor o direito à informação.
Contrabando e contrafacção significam igualmente um problema de saúde pública e de confiança social. O consumo de produtos contrafeitos não é um acto inócuo. Em muitas categorias – como bebidas, tabaco, medicamentos, cosméticos ou brinquedos – está em causa a saúde pública e a segurança do consumidor. Mas esta realidade esbarra frequentemente numa condescendência social que banaliza a contrafacção, legitima o contrabando e normaliza a evasão fiscal. Este laxismo cultural reflecte uma fraca cultura de marca e um défice de cidadania económica.
As políticas públicas para o combate do contrabando e contrafacção encontram-se a meio-caminho entre o paradoxo e a urgência. Do lado das políticas públicas, o paradoxo é gritante: para compensar perdas fiscais, recorre-se frequentemente à sobretaxação dos sectores mais penalizados pelo contrabando e pela contrafacção. Mas essa resposta agrava o problema: empurra operadores para a informalidade, encarece os produtos legais e torna ainda mais difícil competir com o ilegal.
É urgente inverter esta lógica. A construção de um mercado justo e competitivo passa pela harmonização fiscal, pela estabilização legislativa e por uma política robusta de defesa da propriedade intelectual. Isso implica reforçar os meios de fiscalização, investir em tecnologia, e sobretudo, promover a cooperação internacional e interinstitucional, com foco estratégico nas áreas de maior risco, onde, por exemplo, as entregas expresso e o sistema postal representam 86% das acções para apenas 11% das detecções.
Por isso, proteger as marcas é proteger a economia. A protecção das marcas deve ser vista como uma política económica central. Sem marca, não há diferenciação. Sem diferenciação, não há valor acrescentado. E sem valor, não há mercado. A oposição ao “plain packaging” e às restrições ao uso da marca comercial não é uma questão corporativa, mas uma questão de liberdade económica e de transparência para o consumidor.
Proteger os direitos das marcas é proteger empregos, inovação, investimento e informação. Essa protecção deve assentar numa combinação de legislação e soft law, e deve ser imposta, também, aos grandes marketplaces que funcionam como canais de entrada para muitos produtos ilegais.
Em conclusão: contrabando e contrafacção não são meros desvios laterais do sistema, são ameaças centrais à sua integridade. A resposta não pode ser apenas reactiva ou sectorial. É preciso uma actuação concertada que junte políticas públicas, autoridades, empresas e consumidores em torno de uma ideia simples: sem marca, sem fiscalização, sem confiança, não há mercado que sobreviva.