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Opinião
Boa Energia para alcançar Bons Resultados
Há, finalmente, que conseguir demonstrar a muitos retalhistas que a excessiva aposta nas marcas próprias penaliza o consumidor, penaliza o mercado, penaliza a sua própria rentabilidade.
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Sobre o tradicional período de férias é usual referir que é o momento para descansar e recarregar baterias. No fundo, parar, aproveitar o momento para conviver com os que nos são mais próximos e acumular energia para enfrentar uma segunda parte do ano, sempre desafiante, e o início de 2025, que promete alguma tensão e ansiedade.

A rentrée coloca sempre um desafio: conseguir, em apenas quatro meses, concretizar ou alterar o rumo que as performances que a primeira metade do ano deixou apontadas.

Este ano, muitas das empresas, com que diariamente contactamos, referem-nos um primeiro semestre em linha com as suas expectativas, mas em decrescendo, especialmente durante o segundo trimestre. Mais positivo nos primeiros três meses de 2024, mais difícil e complexo a partir de Abril.

Sim, o calendário teve as suas nuances (por exemplo, uma Páscoa ‘cedo’) e os comparativos com os períodos homólogos trazem também alguma volatilidade à informação. Por exemplo, os fortes crescimentos induzidos por uma inflação super-acelerada nos primeiros meses de 2023 ou o impacto do chamado IVA Zero, a partir de meados de Abril do ano passado.

Há quem veja alguns dos dados de mercado associados a uma climatologia desfavorável, em especial na Primavera passada e quem sinta alguns efeitos de uma suposta desaceleração do turismo.

Julgo, contudo, que se sente especialmente alguma contenção do consumo, com impacto no retalho e numa parcela importante do Canal Horeca, uma contenção que todos desejávamos ver mais rapidamente ultrapassada, mas que não deixa de ser um efeito que conhecemos de períodos de crise anteriores. No universo FMCG, as crises tendem a ser sentidas um pouco mais tarde, mas a retoma do consumo surge também um pouco mais à frente do que a que é visível noutros sectores da ‘economia real’.

Depois de um longo período marcado pela elevada inflação e pela quebra do poder de compra de uma larga percentagem das famílias portuguesas, o sempre positivo crescimento do valor de vendas teve como reverso da medalha a quebra dos volumes vendidos, a degradação da qualidade dos produtos vendidos (o chamado downtrading) e a transferência de uma parcela muito relevante do consumo para as marcas próprias.

Os consumidores perderam qualidade, reduziram a sua cesta, abdicaram de marcas e de algumas categorias de produto.

Os fabricantes e as marcas perderam vendas, reduziram a sua massa crítica, viram comprimido o seu espaço de prateleira, quebraram margens e diminuíram relevância.

Os retalhistas comprimiram sortido, diminuíram a experiência de compra, competiram nas categorias de menor valor, focaram-se na marca própria e reduziram rentabilidade.

Foi, pois, um período muito mais complexo e difícil que a simples leitura dos crescimentos das vendas em valor deixaria antever. Um período de que – por força da consolidação de novos hábitos de consumo – será difícil recuperar de forma tão rápida quanto muitos desejariam. Um período em que o afunilamento do mercado deixa menos alternativas ao consumidor, deixa menos espaço à inovação, à experimentação e à construção de valor. 

Tradicionalmente, o mês de Setembro é difícil para o mercado FMCG. Os gastos adicionais do período de férias associados à mudança de estação e ao regresso às aulas têm, geralmente, um impacto pouco positivo a nível das vendas.

Contudo, há também sinais positivos no horizonte.

Desde logo uma inflação que parece cada vez mais controlada (apesar de continuarem a existir famílias de produtos a sofrer fortes pressões inflacionistas). Mas não se deve confundir a árvore com a floresta e o ano em curso deve fechar com uma taxa próxima dos 2%, que compara com os 7,8% de 2022 e os 4,3% de 2023.

A redução da inflação associada aos incrementos salariais colocados em prática pelo Estado e por uma elevada parcela das empresas, conduz a uma recuperação efectiva dos salários reais e do poder de compra. Provavelmente não se conseguirá recuperar – ainda – o poder de compra de 2021, mas a situação é bastante mais favorável do que a vivida nos dois últimos anos.

Mas, para muitos, o poder de compra poderá ter ainda um empurrão positivo, pois o seu rendimento disponível pode ser melhorado por outras duas vias: o impacto favorável das alterações das tabelas do IRS e a redução das prestações associadas ao crédito e, muito em especial, ao crédito à habitação.

Como referi antes, o facto de termos uma carteira um pouco mais folgada não tem, obrigatoriamente, um impacto imediato no consumo…

Se quando sentimos uma compressão do rendimento, há sempre um conjunto de despesas que cortamos ou abdicamos e que sentimos como menos prioritárias do que, por exemplo, a alimentação, bebidas ou higiene incluídas no cabaz FMCG, também no momento em que recuperamos algum poder de compra e porque, entretanto, estabilizamos o nosso consumo mais básico, é natural que uma parte do adicional seja investido na recuperação daquelas áreas que entendemos antes como menos fundamentais.

Em conclusão: o derradeiro terço de 2024 será para muitas empresas uma dura batalha para atingir os seus objectivos. Se o contexto económico parece trazer alguns ventos de bonança, há que conseguir vencer o conservadorismo de muitos consumidores. Há que recuperar pelo menos uma parcela dos volumes de vendas perdidos nos dois últimos anos e lutar por reconquistar parte do espaço cedido às marcas próprias.

Há, finalmente, que conseguir demonstrar a muitos retalhistas  que a excessiva aposta nas marcas próprias penaliza o consumidor, penaliza o mercado, penaliza a sua própria rentabilidade.