Por uma vez, permitam-me ocupar este espaço com uma leitura, essencialmente política, dos resultados das eleições de 18 de maio, ficando desde já prometida – para quando as soluções de governabilidade estiverem consolidadas – uma outra análise: a dos impactos do novo cenário no mercado, no consumo, nas nossas empresas e nas nossas marcas.
Assim, a noite eleitoral foi marcada por fortes emoções, sim, mas também por profundas irritações. Entre vitórias inequívocas e quedas dramáticas, o eleitorado redesenhou o xadrez político nacional, deixando sinais claros – uns encorajadores, outros preocupantes.
Um dos vencedores da noite foi Luís Montenegro. A Aliança Democrática não só cresceu em votos e deputados, como aumentou de forma substancial a distância em relação aos partidos que a seguem. Montenegro alcança agora uma margem próxima dos 10% e cimenta a sua posição de liderança, contrariando os céticos e demonstrando uma resiliência que muitos não antecipavam.
O outro vencedor inequívoco, talvez mais surpreendente para alguns, foi André Ventura. O Chega resistiu à previsível erosão provocada pelos escândalos sucessivos entre os seus quadros e, contra muitos prognósticos (incluindo os meus), não só sobreviveu como reforçou a sua presença. Ganhou votos e deputados, tornando-se o partido mais votado em distritos como Faro (pela segunda vez consecutiva), Beja, Portalegre e, surpreendentemente, Setúbal. A sua base de apoio continua a consolidar-se, à margem da crítica mediática e dos sobressaltos internos.
Num plano mais modesto, mas ainda assim relevante, está o Livre de Rui Tavares. Um partido quase tão unipessoal quanto o Chega, conseguiu eleger mais dois deputados e somar cerca de 50 mil votos. A sua ascensão continua discreta, mas firme.
Do lado das derrotas, há dois nomes cujo descalabro é inegável: Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua. O PS perde mais de 360 mil votos e 19 deputados. O Bloco vê reduzida a sua representação parlamentar à sua líder, perdendo 4 deputados e cerca de 150 mil votos — tem hoje menos de metade dos que tinha há apenas um ano. A liderança de ambos fica profundamente fragilizada e, na minha perspetiva, é insustentável. Um e outro deixaram de reunir condições políticas ou de legitimidade para continuar à frente dos respetivos partidos. E se já assistimos à apresentação da demissão de Pedro Nuno Santos, a ainda líder do Bloco parece não ter percebido o beco-sem-saída em que está metida.
O PCP continua a sua lenta travessia do deserto. Perde um deputado e 20 mil votos, mas resiste melhor do que se previa. Tal como o PAN e o JPP, que beneficiaram da concentração geográfica dos seus votos, uma vantagem proporcionada pela matemática da Lei de Hondt. Inês Sousa Real regressa ao Parlamento, apesar de ter perdido 40 mil votos desde 2024. Já o ADN (desta vez sem o empurrão AD) e Joana Amaral Dias, que teve uma votação idêntica à do PAN, ficou de fora por causa da dispersão geográfica do seu eleitorado.
No que diz respeito à Iniciativa Liberal, o resultado foi agridoce. Ganhou um deputado e cerca de 18 mil votos, mas ficou aquém das expectativas. A sua base permanece demasiado concentrada em Lisboa e Porto, e Rui Rocha, sendo um líder competente, não consegue entusiasmar nem projetar a ambição de um partido com vocação nacional. Estou convencido de que, com outra liderança, os resultados teriam sido significativamente melhores. Se a IL não corrigir o rumo, corre o risco de se transformar numa versão portuguesa do espanhol Ciudadanos: um partido que progressivamente se tornou irrelevante e que acabou por quase desaparecer, sem deixar marca.
Olhando para o quadro geral, retiro oito conclusões principais:
- Portugal ficou ligeiramente mais governável. A AD, com ou sem o apoio da IL, poderá aprovar propostas com a simples abstenção do PS ou do Chega — uma melhoria face ao cenário anterior. No caso do Partido Socialista, a redução do peso parlamentar e, esperamos, uma mais assertiva percepção dos riscos colocados pelo Chega, poderão motivar a obtenção de um leque mais alargado de consensos.
- Tal como no futebol, uma parte do país acabou a torcer por um mal menor. A meio da contagem, vi muitos a ansiarem que o PS ultrapassasse o Chega, numa espécie de wishful thinking ao nível da contenção de danos.
- A saída de Pedro Nuno Santos pode ser uma oportunidade. O PS precisa urgentemente de reencontrar a sua matriz moderada, europeísta e reformista. Esta deriva ‘pedronuniana’ fragilizou o partido, mesmo frente a um PSD pouco carismático e cheio de esqueletos no armário. A derrota remete para memórias da derrocada de Almeida Santos, que abriu caminho ao cavaquismo.
- O Chega fica a meio-caminho entre a cerca sanitária e a normalização. O crescimento do Chega parece imparável, mas continua assente numa lógica de protesto e de uma não necessária razoabilidade nas suas propostas em matéria económica ou social. Esta dinâmica dificilmente será alterada enquanto as restantes forças políticas – a começar pela AD – o remeterem para uma espécie de cerca sanitária. Enquanto não for chamado, mesmo que apenas na esfera parlamentar, a negociar, a estabelecer compromissos e a assumir responsabilidades, continuará a dar-se rédea solta ao Chega para crescer.
- A Iniciativa Liberal continua num limbo estratégico. Nem decisiva nem demasiado relevante, continua a sofrer das dores de crescimento. Hoje, nem o argumento do voto útil pode ser acenado para justificar o seu resultado envergonhado.
- O Bloco implodiu. Nem a recuperação de velhas figuras serviu de salvação. O reinado de Mariana Mortágua terminou, e veremos se o partido conseguirá reconstituir-se a partir das suas cinzas.
- O PCP é um sobrevivente improvável. Vai de derrota em derrota, mas resiste. Alguma coerência interna mantém-lhe o fio de vida, ao contrário do Bloco, preso a devaneios e radicalismos que hoje já pouco mobilizam.
- Portugal precisa urgentemente de regressar à normalidade. O mundo vive tempos conturbados. A Europa está sob pressão. E nós continuamos enredados em jogos internos, crises cíclicas e discussões menores. Precisamos de estabilidade, de um governo funcional, e de oposição credível. O tempo das experiências deve dar lugar à responsabilidade.
É tempo de fechar este ciclo de incerteza e regressar à política com P maiúsculo. O país não pode ficar à espera de que os partidos se organizem e que continuem entrincheirados nos seus dogmas, ao invés de um esforço na construção de pontes e na obtenção de denominadores que os façam avançar — porque o mundo, esse, não pára.