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Opinião
UMA QUESTÃO DE ADN
O que aconteceu no acto eleitoral de domingo fará mais pela percepção do problema levantado pelos look-a-likes do que dezenas de textos ou de apresentações que se possam fazer sobre o assunto.
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A narrativa não está ainda completa e quando escrevo, estão por apurar os votos dos dois círculos do estrangeiro - Europa e Fora da Europa - e decidir a distribuição dos respectivos quatro mandatos (dois mais dois).

Este não é, obviamente, um espaço de comentário político, mas não deixa de ser verdade que o cenário político interfere com a economia, o mercado e o consumo e, nesse sentido, é relevante perceber o que é que os resultados de ontem podem gerar ao nível do contexto político, governativo e legislativo.

Por isso…

Saímos de uma agitada noite de enganos, de desenganos e de muitas, muitas contas.

Há, seguramente, uma boa notícia relacionada com a significativa redução dos níveis de abstenção e com mais quase 800 mil votos do que em 2022. 

As restantes, dependendo do ângulo de observação de cada um, colocarão muito mais pontos de interrogação do que respostas, num país que precisa, muito rapidamente, de uma linha de orientação e de um governo em funções e em acção.

Temos um país dividido pelo Rio Mondego, com os distritos a Norte, mais Leiria, liderados pela AD e os mais a Sul, com votações ganhas pelo Partido Socialista. E depois, como nos velhos tempos do Reino de Portugal e dos Algarves, o distrito mais a sul do país foi ganho pelo Chega. 

O partido de André Ventura foi, para além disso, em distritos como Setúbal, Beja e Portalegre, o segundo mais votado, à frente da AD e remetendo em todos eles o PCP para uma inédita quarta posição, enquanto os comunistas, pela primeira vez em cinquenta anos de democracia, não elegem um único deputado nos distritos do Alentejo.

Dos resultados conhecidos - e que não serão significativamente alterados pela distribuição daqueles quatro mandatos – podemos concluir por:

(1) uma vitória curtinha, curtinha, curtinha da AD, em votos e em deputados (em princípio, mais cerca de 50.000 votos e mais 2 deputados do que o PS), com apenas mais 100.000 votos e mais 5 deputados do que em 2022, no consulado de Rui Rio e, na altura, concorrendo o PSD isoladamente

(2) uma larga derrota do PS, mas ainda assim um resultado de Pedro Nuno Santos melhor do que as sondagens pareciam mostrar e melhor do que uma aparentemente menos boa campanha eleitoral faziam prever 

(3) um resultado muito robusto do Chega, em linha com o que as sondagens vinham referindo e que acabou por não ser penalizado pela estratégia de isolamento e o apelo ao voto útil à direita por parte da Aliança Democrática.

(4) um crescimento pouco expressivo da Iniciativa Liberal, com a manutenção do seu grupo parlamentar, um pouco aquém das expectativas criadas por algumas sondagens, mas que não sendo surpreendente com a troca de liderança de há alguns meses, acaba por não conseguir sequer beneficiar do resultado curto da AD

(5) um bom resultado do Livre, o segundo ganhador da noite, que passa de 1 para 4 deputados, capitalizando as perdas de PS e PCP e que reforça o estatuto do seu líder Rui Tavares, enquanto voz um pouco mais moderada no espectro dos partidos à esquerda do Partido Socialista. 

(6) a continuidade da erosão eleitoral do PCP, que reduz o seu grupo parlamentar a dois terços, mas ainda assim supera as baixíssimas expectativas e a tendência dada pelas sondagens de fortíssima quebra nos últimos dois anos, com o conflito na Ucrânia e, mais recentemente, com a ascensão à liderança do praticamente desconhecido Paulo Raimundo

(7) o resultado anémico do Bloco de Esquerda, que crescendo ligeiramente em votação e mantendo o número de deputados não consegue capitalizar o descontentamento com o PS, até porque Pedro Nuno Santos cobre bem o flanco nessa área, e não afirma Mariana Mortágua como a enfant terrible e dinamizadora da extrema-esquerda,

(8) o inconsequente resultado do PAN que, tal como a IL e o Bloco, cresce em número de votos, mas mantém a sua representação parlamentar.

(9) a inacreditável votação no ADN, que obtém mais de 100 mil votos quando em 2022 tinha obtido uns estonteantes 11 mil votos e que beneficiando, reconhecidamente, da confusão de muitos eleitores, terá ‘roubado’, por força da Lei de Hondt, 4 a 5 deputados à AD. O erro, por definição, tem uma forte dispersão, porque aquele número de votos, se apenas concentrados em dois ou três distritos mais populosos ou se houvesse um Círculo Nacional de Compensação, como existe por exemplo nos Açores, teria conduzido à eleição de deputados.  

Em conclusão:

- Numa noite com poucos vencedores, há um grande perdedor – o Partido Socialista – que perde a maioria absoluta, perde a vitória na eleição, perde um terço do seu grupo parlamentar e, numa eleição com mais 800 mil votantes, perde 500 mil votos em relação às Legislativas de 2022

- A AD tem o que o se poderá considerar uma Vitória de Pirro, com mais 50 mil votos (num universo de mais 6,1 milhões de eleitores que foram às urnas) e mais dois deputados, o que lhe deixa uma margem de manobra quase nula 

- Nenhum dos potenciais blocos de governação, AD+IL e PS+BE/Livre/PCP/PAN está sequer perto da maioria absoluta, sendo que o conglomerado da esquerda tem mais votos e deputados que os partidos à direita (exceptuando, obviamente, o Chega)

- As franjas à esquerda do PS, mantêm praticamente a sua representação parlamentar (13 deputados em 2024 versus 12 em 2022) e a IL e o PAN têm exactamente os mesmos deputados de 2022.

- Mais de 1,1 milhões de portugueses votaram no Chega, o que permitiu a este partido multiplicar por 4 (de 12 para 48) a sua representação parlamentar, sendo, contudo, mais um obstáculo à constituição de uma maioria parlamentar, ou, se quisermos, uma ‘força de bloqueio’, de que um factor de construção de uma nova configuração política, face à ‘cerca sanitária’ a que este partido está votado

Desta forma, a confusão está aparentemente instalada e o futuro político da Nação parece ficar nas mãos da existência de entendimentos, ou não, com André Ventura. Há, contudo, três outras hipóteses possíveis de evolução:

(a) a de Luís Montenegro, enquanto líder da força mais votada, formar governo, podendo o mesmo ser viabilizado pelo PS, para evitar um apoio parlamentar ou a presença no Governo do Chega, o que parece muito pouco provável

(b) a de Pedro Nuno Santos conseguir agrupar os deputados das várias forças políticas de esquerda, e reclamando para si um somatório maior do que o de AD+IL, ser indicado para primeiro-ministro, esperando que o PSD não obstaculize o novo governo, o que parece ainda menos provável

(c) finalmente, podemos chegar à tão temida ingovernabilidade o que pode levar o Presidente da República a convocar novas legislativas no Outono, com as actuais lideranças ou com lideranças partidárias renovadas e, em boa verdade, sem qualquer garantia de que a votação dos Portugueses conduza a resultados substancialmente diferentes dos obtidos no último domingo.

Como alguém me dizia na noite das eleições, estamos enfiados num valente molho de brócolos, mas apesar de todas as confusões que a política vem sucessivamente introduzindo, Portugal não pode parar.

Para o fim, deixo o tópico que dá título a este texto.

Há poucas semanas, escrevi para este mesmo espaço um texto que intitulei de “Look-a-Likes: manipulando o subconsciente do consumidor”, no qual referia que “há múltiplas evidências que permitem concluir que embalagens semelhantes levam os consumidores a fazer compras erradas e geram a percepção de que a cópia vem da mesma empresa ou tem a mesma qualidade e reputação que o produto original”.

E acrescentava que “estes produtos (…) tentam obter uma vantagem desleal face aos seus competidores mais fortes, cavalgando os seus aspectos distintivos e, dessa forma, levando o consumidor a comprar o mesmo por confusão ou associação com o produto ou a marca de referência”, sendo que “os designs de embalagens que imitam os de marcas conhecidas retiram, na verdade, uma vantagem injusta em relação ao produto original, prejudicando-lhes a sua distinção e as respectivas vendas, tornando-se, portanto, aquilo que designamos como look-a-likes ou cópias parasitárias” e que a “apresentação lado-a-lado ajuda a ilustrar as semelhanças indevidas entre produtos”. 

Provavelmente, o que aconteceu no acto eleitoral de domingo fará mais pela percepção do problema levantado pelos look-a-likes do que dezenas de textos ou de apresentações que se possam fazer sobre o assunto.

Em boa verdade, é discutível quem é que efectivamente copiou quem… a ADN já concorreu ao último acto eleitoral com essa designação e acrónimo, enquanto PSD e CDS resolveram, há dois meses, repescar uma designação ‘inventada’ em 1979 (há 45 anos!!!) e, por causa disso, ser obrigados a repescar uma força partidária – o PPM – que terá acrescentado zero ao seu esforço eleitoral.

Em boa verdade também, deveria ter sido a máquina da Aliança Democrática a ter a percepção e a iniciativa de verificar que aquela confusão se iria criar e a tomar medidas para evitar que os seus votantes colocassem a sua cruz no boletim de voto, por confusão, num outro partido.

É ainda verdade, que por iniciativa de opositores, certamente, circularam muitas imagens nas redes sociais em que colocavam o acrónimo ADN por trás dos candidatos da AD, o que terá ajudado a fomentar a confusão.

Terão sido noventa mil os portugueses que, foram ‘levados’ a votar num partido que não aquele em que pretendiam votar. Terão sido muitos mais aqueles que não o fizeram, porque apesar de levados a tal, ainda assim foram verificar se estavam a votar no partido certo.

No cenário actual, aqueles quatro ou cinco deputados, não alterariam demasiado a configuração parlamentar, mas permitiriam, por exemplo, que AD + IL somassem mais deputados que PS e os restantes partidos à esquerda,

Os teóricos destes temas diriam que quanto mais forte for uma marca e quanto mais notoriedade detiver, maior será a ‘tentação’ de a copiar e de obter vantagens desleais à custa dela, ou de uma forma mais simplista, ninguém copia o que é mau,

Por isso, como acontece no mercado, cabe aos respectivos detentores a protecção adequada das suas marcas, mas cabe também ao Estado a existência de instrumentos de reclamação que permitam que essa protecção seja eficiente e efectiva, a bem duma cultura de valorização das marcas (e das forças partidárias) e a bem de uma adequada protecção do consumidor (aqui nas vestes de votante).