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Opinião
UM PASSO IMPORTANTE PARA UMA EFECTIVA DESCENTRALIZAÇÃO?
Na reunião do Conselho de Ministros do passado dia 17 de Novembro, foi aprovada a resolução que determina o início do processo de transferência e partilha de atribuições dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado
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Na reunião do Conselho de Ministros do passado dia 17 de Novembro, foi aprovada a resolução que determina o início do processo de transferência e partilha de atribuições dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado, para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), nas áreas da economia, cultura, educação, formação profissional, saúde, conservação da natureza e das florestas, infraestruturas, ordenamento do território, e agricultura.

Refere o comunicado da reunião que este processo de transferência e partilha de atribuições não prejudica a descentralização de competências para as comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas.

É discutível se a concentração das competências regionais dos diferentes ministérios nas CCDR’s é ou não uma boa opção? Se ela corresponde ao desmantelamento das competências das diferentes áreas governativas ou se conforma uma aproximação dessas competências aos seus destinatários? Ou, pelo menos em tese, perceber se esta concentração dos serviços periféricos da administração do estado transforma as Comissões de Coordenação em verdadeiros governos regionais, embora não passando previamente pelo crivo eleitoral?

No fundo, importa saber se esta decisão do Conselho de Ministros é um passo adequado e decisivo para uma efectiva descentralização, nessa discussão velha e nunca terminada entre Centralismo, Regionalização e Descentralização.

A este propósito permitam-me, numa linha um pouco diferente do habitual, transmitir uma visão mais pessoal sobre este assunto, sempre com a consciência de que estas decisões têm um forte impacto sobre o tecido económico, sobre o funcionamento e regulação dos mercados e, consequentemente, sobre a vida das nossas empresas, das nossas marcas e das nossas pessoas.

Recorde-se que em Maio passado, no Congresso do PSD em que Luís Montenegro assumiu a liderança do partido, aquele dirigente mostrou oposição a um referendo sobre a regionalização em 2024, que, na sua opinião e no actual contexto, seria "uma irresponsabilidade, uma precipitação e um erro" e realçou que o governo está a ser mal-sucedido nos seus projectos de descentralização. De imediato o Primeiro-Ministro reagiu em favor do referendo afirmando que “não se pode deixar de fazer porque se tem medo de ouvir os portugueses" e que “por uma questão de oportunidade temporal” não se deve deixar de “fazer aquilo que deve ser feito”.

Para além desta habitual ‘confusão’, que passa por meter no mesmo saco regionalização e descentralização, a discussão mais óbvia deveria ser em relação aos méritos ou não de um processo de regionalização ou de um processo de descentralização e, especialmente se eles forem óbvios, valeria a pena perguntar porque deve avançar-se então para aquele referendo, quando essa poderia e deveria ser uma decisão essencialmente política e assumida pelo Estado no quadro do seu normal funcionamento e do cumprimento integral da Constituição.

Qualquer português percebe que o nosso país está, de há muito, mergulhado e apropriado por um centralismo obtuso, asfixiante e castrador, que não cessa de crescer. E esta constatação, presumo, é percebida mesmo por aqueles que habitam junto, convivem com e beneficiam amplamente dessa centralização do poder.

Isto não significa que a única alternativa possível seja a da regionalização e da alimentação dos regionalismos.

Desde logo, porque o centralismo se combate com descentralização e não com a regionalização, que, em verdade, quer criar novos centralismos, mas à escala regional, ou, se quisermos, um processo que pretende fazer de cada sede de Região uma mini-Lisboa, com os mesmos vícios e defeitos de que, quem está na ‘província’, tanto se queixa em relação à ‘capital’.

O processo de regionalização pode também colocar em causa uma das mais interessantes (e desaproveitadas) vantagens competitivas de Portugal.

Somos a nível europeu - mas também a nível mundial - um dos derradeiros países-nação: um território, uma história, uma cultura, uma língua, uma sociedade com uma relativa homogeneidade, com regras jurídicas, económicas e fiscais comuns (mesmo que medíocres), com relativa paz social, com criminalidade não excessiva.

Somos um território compacto e sem obstáculos naturais fracturantes com não mais de 600 por 200 quilómetros. As distâncias medem-se em quilómetros e não em horas de viagem e, menos ainda, em horas de voo. Temos para além disso, vias rodoviárias e digitais que unem de forma eficiente todo o país (embora ao nível da ferrovia muito haja a fazer). A viagem de Bragança a Vila Real de Santo António faz-se hoje em menos de sete horas. Temos hoje todas as capitais de distrito ligadas por autoestrada, com excepção de Beja e Portalegre (e que jeito daria agora a existência da ligação de e para Beja e como essa via poderia proporcionar um aproveitamento eficaz desse elefante branco que é o aeroporto daquela cidade).

Valerá a pena colocar tudo isto em causa, para resolver um problema de centralismo excessivo? Valerá a pena multiplicar por éne o número de entidades que serão responsáveis pela gestão de um tão pequeno território? Serão dadas condições e, especialmente, meios que permitam às regiões recuperar os seus gaps internos de desenvolvimento (já nem falo dos gaps para o resto da Europa Comunitária)? Ou no final, como é fácil de prever, a montanha parirá um rato e, em meia dúzia de anos, teremos uma miríade de entidades a deslocarem-se em peregrinação, de mão estendida, rumo ao Terreiro do Paço, para mendigar umas ajudas que permitam a sua não falência?

A descentralização visa aproximar o poder das pessoas e não multiplicar os focos de poder, visa aproximar os responsáveis dos problemas e os cidadãos das soluções e não multiplicar os focos de tensão, de reclamação e de indecisão.

A descentralização não visa criar o Ministério da Ciência e Tecnologia do Minho e o Ministério da Agricultura do Alentejo, mas levar o Ministério da Ciência e Tecnologia para o Minho e o Ministério da Agricultura para o Alentejo. E, já agora, os serviços por si directamente tutelados

Em boa verdade, alguém consegue explicar porque é que vários Ministérios e os serviços por si directamente tutelados não podem estar sediados (e fisicamente instalados) fora de Lisboa? Numa altura em que o trabalho remoto e a utilização dos meios digitais nos permitem trabalhar, de forma eficiente, a partir de praticamente qualquer local, há alguma justificação ligada à eficácia que impeça esta deslocalização?

Há quem olhe permanentemente com reserva para o modelo de governação das Regiões Autónomas, mas tomemos, por exemplo, o formato adoptado nos Açores. Ali temos o Governo Regional dividido entre as três principais cidades do Arquipélago – Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta – e com Secretarias Regionais efectivamente instaladas em cada uma delas. Para além disso, o Governo Regional está obrigado a realizar Visitas Estatutárias e reuniões de Conselho do Governo em cada uma das ilhas.

Também naquela Região há quem ache este modelo uma perda de tempo, de recursos e de eficiência e que a centralização traria vantagens. Obviamente vantagens para São Miguel e Ponta Delgada… e desvantagens para todas as restantes ilhas.

Aqui, na parcela continental do país, a conversa é a mesma, a argumentação é a mesma e os arautos da mensagem são os mesmos: quem vive na capital, quem não quer sair da capital, quem entende que o país só faz sentido se visto, lido, interpretado e gerido da capital.

Mas na política e no poder, como na vida, ‘longe da vista, longe do coração’.

E é por isso que muitos dos que vemos hoje a ‘cavalgar’ a onda da regionalização, não têm nem a vista, nem o coração nas regiões que supostamente pretendem criar e mais não pretendem fazer do que aquilo que fazem continuamente: distribuir pequenos poderes e criar mais uns milhares de cargos políticos, a ocupar – obviamente – por políticos de confiança. E não têm outro objectivo que não seja o de agir como sempre agiram: dividindo para reinar, retirando – por rarefacção – o poder das regiões, para o reordenar, federativamente e dependentemente, a partir do poder central.

Por isso, o importante seria que o poder central se aproximasse do país e não descurando a obrigação de o fazer de uma forma estruturada e ao serviço de todos, o fizesse tendo efectiva consciência do que o país precisa e não apenas da realidade que conhece ou do poder de reclamação ou de bajulação de quem com ele mais de próximo contacta.

Mas dificilmente o país mudará, enquanto o Estado não mudar. E nem mesmo a sociedade civil (empresarial, social, cultural, associativa, …) terá o incentivo para mudar enquanto, como muito tipicamente acontece na capital, parte substancial dessa sociedade civil viver e se alimentar quase exclusivamente das relações com o Estado e beber muitos dos seus benefícios do Orçamento de Estado, dos fundos estatais ou das verbas geridas pelo Estado. De um Estado totalmente centralizado

É por isso que acredito que a descentralização de funções e dos níveis adequados de decisão, muito mais do que a regionalização, aproxima o poder das pessoas e aproxima os responsáveis das realidades, nunca esquecendo que essa descentralização deve também ser acompanhada da correspondente transferência proporcional de meios financeiros. Tem o condão de reorganizar e reconfigurar o país, contribuindo para uma fixação das pessoas que não apenas em Lisboa e Porto. Permite um desenvolvimento mais equilibrado e harmonioso do país. Permite o desabrochar de novos centros que competem com o Centro, sendo que também aqui a concorrência é saudável e virtuosa.

Claro que esta descentralização implica custos muito elevados, com a negociação, realocação ou a indeminização de todos aqueles que não aceitem acompanhar a deslocação dos serviços a que estão ligados. Ou custos para compensar as despesas de relocalização dos que perceberem que também aqui podem surgir novas oportunidades e novos compromissos. Mas isso não deve ser encarado como uma despesa, mas como um investimento no desenvolvimento das regiões, um investimento certamente mais reprodutivo e multiplicador do que aquelas ‘cócegas’ que o poder central oferece quando quer dizer ao mundo que está muito preocupado com a desertificação, com o envelhecimento das populações, com o défice de oportunidades ou com o diferencial brutal de poder económico que existe entre Lisboa e praticamente todo o resto do país.

Em boa verdade, um país descentralizado será sempre um país mais economicamente mais homogéneo. Um país descentralizado corresponderá a um mercado ‘maior’, geograficamente mais amplo, com maior poder de compra, com maior capacidade de consumo. Um país descentralizado dará novas e melhores oportunidades de instalação às empresas portuguesas e as que queiram investir no nosso país, que queiram criar novas e mais fortes marcas portuguesas. Um país descentralizado tornará atractivas novas localizações para todas as sucessivas gerações de profissionais bem preparados que as nossas universidades vão colocando no mercado ano-após-ano. Um país descentralizado contribuirá, seguramente, para uma mitigação de fenómenos como a desertificação ou a escassa natalidade. Um país descentralizado dará oportunidades de desenvolvimento de políticas adequadas de imigração e de integração de todos os quiserem vir trabalhar para Portugal, tão necessários para inverter o inverno demográfico em que caímos.

E para isto não é preciso qualquer Referendo. É preciso, isso sim, (muita) Vontade e Coragem política. É preciso assumir que os interesses do país não se podem sobrepor aos interesses dos indivíduos, mas que um país é o somatório de todos os seus indivíduos e que não há portugueses de primeira e de segunda, sendo que todos merecem ter uma oportunidade para se desenvolverem e contribuir para um Portugal Melhor.

A decisão agora tomada passa, como já referido, pela concentração dos serviços periféricos das áreas da economia, cultura, educação, formação profissional, saúde, conservação da natureza e das florestas, infraestruturas, ordenamento do território, e agricultura, nas Comissões Regionais.

Se ela terá benefícios em termos de eficiência operacional ou de maior adequação aos interesses dos destinatários e utilizadores desses serviços ou se será uma etapa importante no processo de descentralização, é algo que apenas o tempo se encarregará de confirmar.

Mas, na verdade, é impossível fazer o caminho de outra forma que não seja caminhando…