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Opinião
UM ÂNGULO ESSENCIAL PARA PERCEBER O INVERNO DEMOGRÁFICO: A NATALIDADE
Antecipar a evolução do mercado nacional e, por maioria de razão, do mercado dito do grande consumo é uma tarefa condenada ao insucesso se não se fizer uma projecção séria de como será a dinâmica demográfica nos próximos anos.
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Antecipar a evolução do mercado nacional e, por maioria de razão, do mercado dito do grande consumo é uma tarefa condenada ao insucesso se não se fizer uma projecção séria de como será a dinâmica demográfica nos próximos anos. Natalidade e mortalidade. Longevidade e envelhecimento. Imigração e emigração. Distribuição etária e socio-económica da população… tudo indicadores essenciais para perceber o país e o mercado que seremos no curto, médio e longo prazo.

Ainda há poucas semanas, neste mesmo espaço, analisávamos quais principais desafios e oportunidades que a mutação demográfica colocaria e ofereceria às marcas. Hoje a propósito da muito recente Nota de Análise a propósito de "como o mercado de trabalho e a igualdade de género influenciam a fecundidade em Portugal", elaborada pelo Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública (o PlanAPP), outras reflexões associadas a um daqueles indicadores essenciais – a Natalidade - merecem igualmente referência.

De acordo com o PlanAPP, o objetivo deste documento foi o de “explorar alguns drivers da fecundidade associados às políticas de bem-estar e de igualdade de género” e os respectivos resultados apontam para um “papel relevante da dimensão do trabalho e emprego nas decisões sobre parentalidade em Portugal”, indicando-se que. ao contrário do que uma análise mais empírica apontaria “o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho nas últimas décadas, aliado a uma baixa taxa de desemprego, possui uma relação positiva com a fecundidade” e que, de forma razoavelmente expectável “o agravamento da intensidade da pobreza, a diminuição involuntária da jornada laboral com perda salarial, o desemprego ou o aumento do peso das despesas com habitação”, têm uma correlação directa com uma menor natalidade.

Isto mostra que, no nosso país, as questões socio-económicas e, muito especialmente, as preocupações financeiras são um dos factores que mais afectam a decisão de ter filhos, mais ainda do que os relacionados com a qualidade de vida ou com a conciliação entre trabalho e família. Já a maior flexibilidade laboral ou os modelos híbridos entre trabalho presencial e trabalho à distância, muito empurrados pelo período da pandemia “parecem ser ainda pouco implementados e, por conseguinte, a sua influência nas decisões de parentalidade é ainda reduzida”.

A empregabilidade continua a ser um dos indicadores mais relevantes enquanto driver da natalidade, mas – no nosso país – parecem existir dois obstáculos importantes que farão diminuir o impulso positivo que, expectavelmente, seria dado por uma situação próxima do pleno-emprego: a existência de barreiras de entrada no mercado de trabalho para a população activa jovem (mais impactada por contratos precários, horários atípicos e baixos salários) e uma ainda notória desigualdade salarial e ocupacional entre homens e mulheres, aspectos que contribua para um forte aumento da a idade média de saída de homens e mulheres da casa dos pais, o que “adia a formação de novos agregados familiares e, por conseguinte, os projetos parentais”.

Sabe-se, entretanto, que há uma forte correlação entre os que são obrigados a longas jornadas de trabalho (49 horas semanais ou mais) e a diminuição na fecundidade. Já “nas atividades domésticas e nos tempos de trabalho não pago, percebe-se que, embora exista maior participação dos homens em algumas atividades, sobretudo relacionadas com a administração da casa e o cuidado das crianças, noutras atividades domésticas, como cozinhar, limpar e lavar, ainda há sobrecarga das mulheres”.

Em síntese, o documento aponta para:

§  A não confirmação da ideia tradicional de que o crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho produz efeitos negativos sobre a natalidade.

§  Serão os indicadores de condições materiais aqueles que estão mais relacionados com a fecundidade e não tanto os que retratam a qualidade de vida.

§  A participação da mulher no mercado de trabalho via contratos a tempo inteiro, embora seja apontada uma preferência, para a maioria dos homens e mulheres, de que as mães trabalhem a tempo parcial e os pais a tempo integral.

§  Precariedade, baixos salários, jornadas de trabalho em horários atípicos e dificuldades de acesso à habitação, elevam a idade média da saída da casa dos pais a idade média da mãe ao primeiro filho e diminuindo a natalidade.

§  O crescimento do salário mínimo na última década aproximou o salário médio entre homens e mulheres em Portugal, mas continuam a existir diferenças salariais sensíveis e, em consequência, um menor acesso das mulheres aos recursos financeiros necessários aos projetos de parentalidade.

§  No campo da conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, longas jornadas de trabalho, sejam para pais ou para mães, estão associadas aos contextos menos favoráveis para a parentalidade.

§  Os entraves ao progresso na igualdade entre homens e mulheres nos domínios do trabalho, recursos financeiros, poder de decisão e saúde são também barreiras na realização da natalidade desejada pelas famílias portuguesas.

Aparentemente, este tema poderá parecer mais distante do mundo do grande consumo e do mundo das marcas, mas ele toca-o fortemente.

Não apenas porque a sustentabilidade do país e a dinâmica do mercado dependerá sempre do combate ao inverno demográfico e, nesse sentido, natalidade (e imigração) são as únicas formas de obstar ao seu envelhecimento e definhamento progressivo.

Mas também porque é também no tecido empresarial que algumas destas alterações de paradigma têm de começar a ser desenvolvidas. E aqui, as nossas empresas, pela sua dimensão, pelo efeito influenciador que têm na sociedade e pelo seu passado e presente ao nível da sustentabilidade e responsabilidade social e corporativa, saberão constituir-se como um exemplo em relação à implementação das melhores práticas que contribuam para a concretização de um desígnio que é de todos.