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TODAS AS GUERRAS SÃO MÁS?
As últimas semanas têm sido caóticas.
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TODAS AS GUERRAS SÃO MÁS?

As últimas semanas têm sido caóticas. As notícias, sejam as que chegam do teatro da guerra, na Ucrânia, seja as que são geradas pelas ondas de choque do conflito na esfera económica e social, estão a provocar um estado de enorme preocupação e, diria, quase de depressão colectiva.

No entanto, por muito fortes que sejam os impactos que estamos já a sentir, o nosso primeiro pensamento, a nossa primeira palavra terá que ir sempre para quem está a sentir, directamente na pele, na sua segurança e na dos seus, na sua liberdade e na dos que o rodeiam, os efeitos terríveis, trágicos e mortíferos do conflito.

As vidas humanas e todas as vítimas desta guerra serão sempre mais importantes que os incómodos, por maiores que sejam, que a mesma possa causar no nosso dia-a-dia.

Queiramos ou não, quando estamos num combate entre o bem e o mal, entre a liberdade e a democracia e a arrogância e a tirania, há sempre um preço a pagar.

Por vezes, queixamo-nos dos custos da democracia, mas, se calhar em poucos momentos como agora, essa factura tem que ser paga pelas sociedades, porque ela mais do que um custo, representa um investimento num bem maior: a de sermos nós a decidir o nosso destino.

No entanto, enquanto mantivermos a aparente convicção de que não está em causa o regime em que vivemos ou a vida em sociedade que partilhamos, para muitos de nós a liberdade e a democracia manter-se-ão como valores intangíveis e garantidos, enquanto os impactos económicos da guerra se fazem sentir já de forma bem tangível e pesada, afectando o poder de compra e a qualidade de vida dos consumidores, a rentabilidade e a sobrevivência das empresas.

Consumidores a enfrentarem uma inflação galopante, empresas a terem que fazer face, em simultâneo, ao disparar dos seus custos, à escassez de diversos produtos e, em muitos casos, à perda de mercados de importância relevante para os seus produtos.

Mesmo antes do conflito e, francamente, não antecipando que o mesmo pudesse ocorrer de imediato e menos ainda com esta dimensão, violência e extremar de posições, já se perspectivava uma inflação elevada e bem fora das balizas em que ela oscilou ao longo das últimas três décadas.

Mas a evolução dos últimos dias, está a colocar a pressão inflacionista em níveis inimagináveis no início do passado mês de fevereiro.

A sucessão de informações que vamos, constantemente, recebendo, sejam dos ecos do campo de batalha, seja das limitações que a guerra está a gerar a nível da mobilidade de pessoas e bens, seja dos impactos directos e consequentes ondas de choque que o conflito está a gerar nos mercados, tornam muito complexa a simples gestão de informação, mais difícil a sua incorporação nas decisões empresariais de cariz mais imediato, muitíssimo mais complicada a antecipação de impactos e a definição de estratégias que vão para lá do muito curto prazo.

Como escrevia André Veríssimo, há poucos dias no ECO, "o enorme aumento do preço dos combustíveis [a que estamos a assistir] ilustra bem o choque energético provocado pela guerra na Ucrânia, de dimensões só comparáveis com a da década de 70.

A pressão sobre os custos da energia já era muito elevada, antes mesmo da guerra voltar à Europa. Um aumento rápido do consumo, devido à forte retoma das economias desenvolvidas, em cima de níveis de produção diminuídos, já vinha a fazer subir os preços do petróleo ou do gás natural. E a expectativa já era de que os preços iriam manter-se estruturalmente elevados, perante o baixo investimento em nova capacidade produtiva nos últimos anos".

Mas, com a invasão russa da Ucrânia, os aumentos exponenciaram-se (...) E comparando com os valores de há um ano, a mudança é tremenda e abrupta. O gás natural está quase 10 vezes mais caro (mais do que duplicou em apenas um mês). O Brent subiu 83%, mais de metade desde o início do ano.

Mas as más notícias não se ficam por aqui… longe disso!

Nos transportes, para além do impacto a nível de combustíveis, há a juntar as inibições à utilização do espaço aéreo russo – uma viagem europa-japão, por exemplo, demora agora mais quatro horas –, a suspensão, pelos grandes armadores, de todas as remessas por via marítima, de e para a Rússia por via marítima, aérea e ferroviária ou o fecho dos portos marítimos em redor do Mar Negro, com impedimento de circulação de dezenas de navios de carga.

Noutro patamar, convém recordar que a Rússia é o quinto maior produtor mundial de cereais e a Ucrânia é o oitavo, sendo ainda o principal exportador mundial de óleo de girassol e o quarto maior exportador de milho e trigo. Ora, com a Rússia debaixo de fortíssimas sanções económicas e com os circuitos logísticos do território ucraniano devastados pela guerra, coloca-se agora um problema que não existia há menos de um mês: como é que o mundo vai suprir 30% das suas necessidades de cereais [que é o que representa o conjunto das produções dos dois países em guerra]?

E que impacto vai ter no acesso a vários bens em áreas como os óleos alimentares, as massas ou a panificação, para além, claro, do impacto na alimentação animal e em toda a pecuária?

Sem excessivos alarmismos, o cenário é de profunda preocupação e vai exigir uma ainda maior atenção à gestão do rendimento disponível por parte das famílias, uma actuação muito cautelosa por parte das empresas, atacadas por agravamento de custos provenientes dos mais diversos quadrantes e um cuidado acrescido ao Estado no esforço de evitar o sufocamento da economia.

Como é óbvio, todas as guerras são más!

Entretanto, na conferência de imprensa para apresentação dos seus resultados de 2021, ouvimos o líder do grupo Jerónimo Martins, Pedro Soares dos Santos, afirmar que perante um cenário de aumento generalizado dos custos, o seu grupo está “preparado para mitigar e poder equilibrar o que pode passar ao consumidor e o que vai ter de absorver, mesmo que isso implique alguma revisão de lucratividade”.

E acrescentou que “não poderia absorver tudo" e que "vai haver uma loucura em termos de tentativa de subida de preços o que motivará uma grande luta para a travar”, insistindo que “nem tudo pode passar para o consumidor” e que “não vão ser negociações fáceis, mas que teremos de saber lidar com isso”.

O CEO da Jerónimo Martins indicou também que a maior reforma que o novo governo deveria adoptar seria um alívio fiscal forte para apoiar as famílias portuguesas neste [momento] de incerteza de aumento de custos e de inflação”, com a redução do IRS para todas as famílias, do IVA no consumo ou dos impostos sobre a energia.

Pedro Soares dos Santos tem absoluta razão e, obviamente, os seus fornecedores estão a fazer igual esforço. A mitigar o que podem dos agravamentos de custos com que estão a ser confrontados. A absorver – à custa da sua rentabilidade – esses agravamentos, menorizando o que passam para os seus clientes e o que estes, depois, passarão para os seus consumidores.

E, sem dúvida, um alívio fiscal relevante, poderia ajudar as famílias a manter ou a serem menos afectadas por toda esta crise ao nível do seu poder de compra, poderia ajudar as pessoas de menores recursos a enfrentar um pouco melhor a vaga inflacionista de que não iremos escapar e ajudaria os operadores económicos, que precisam de compradores para os seus produtos, contendo o mercado interno e ajudando à manutenção de empresas e de postos de trabalho.

Usando as palavras de Pedro Soares dos Santos, teremos – presumimos que todos – de saber lidar com isso e num momento em que provavelmente não fará sentido falar em relações win-win, é fundamental que haja uma forte interacção para que a mitigação e a absorção, na medida do possível, destes fortes agravamentos de custos seja feita de uma forma equilibrada, justa e solidária ao longo de toda a cadeia de valor.

Na verdade, um consumidor com um poder de compra encurtado, será sempre um consumidor que conseguirá satisfazer pior as suas necessidades, um consumidor ainda mais sensível aos preços, um consumidor que assumirá, naturalmente, a necessidade de ser mais cauteloso ou mesmo de reduzir as suas compras.... Em valor ou mesmo em volume. É a sua qualidade de vida que é posta em causa e isso traz sempre consigo maus resultados.

Do nosso lado, do lado dos fornecedores e das marcas, nunca pode deixar de ser avaliada a sustentabilidade das operações em paralelo com a avaliação da capacidade de satisfazer as necessidades do consumidor. É importante o a quanto vendemos, como é fundamental o quanto vendemos. A elasticidade de uma importante parcela de produtos é muito elevada e aumentos de preços correspondem a menos vendas, correspondem a transferências de vendas para os nossos concorrentes (em especial para as marcas próprias dos retalhistas), convidam ao consumo de produtos de categorias distintas, mas mais atractivos em termos de preço.

E esse é um cenário que nenhum fornecedor, nenhuma marca, de bom grado pretenderá alimentar.