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Opinião
TEMPO DE SOLIDARIEDADE. TEMPO DE ACÇÃO
As notícias que nos chegam do leste europeu não cessam e vão aumentando o nosso nível de preocupação e ansiedade
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As notícias que nos chegam do leste europeu não cessam e vão aumentando o nosso nível de preocupação e ansiedade. E mesmo com as tentativas de se entrar num processo negocial e de estabelecer as regras para um cessar-fogo, nada indica – pelo menos no momento em que escrevo estas linhas – que a situação se resolva a breve trecho.

Como era do conhecimento público, o conflito entre Rússia e Ucrânia estava em fervura lenta há vários anos, mas desde 2019 e, especialmente, nos últimos meses, o governo de Moscovo vinha dando sinais de estar a aumentar progressivamente a temperatura desta crise, até pelo afastamento progressivo do regime de Kiev da esfera russa e pela crescente proximidade de Volodymyr Zelensky ao ocidente, à União Europeia e, mesmo, à própria NATO.

Referia no nosso ‘A Semana em 180 Segundos’ da semana passada que um conflito a quatro mil quilómetros de distância das nossas fronteiras, tende a não ser sentido por muitos dos nossos concidadãos como uma ameaça directa à sua segurança pessoal ou à segurança dos seus bens.

Mas, na verdade, em Portugal e em praticamente toda a comunidade internacional, foram visíveis a simpatia pelas posições do governo de Kiev e a multiplicação de declarações, de manifestações e de acções de apoio e solidariedade para com o povo ucraniano.

Se há, por um lado, um desejo claro de que seja evitado o escalar do conflito, pelas facilmente antecipáveis consequências muito gravosas em vidas humanas, em destruição e para a economia - com o impacto no abastecimento e na cotação de diversas matérias-primas de elevada importância para a economia global -, há, por outro, a consciência que não basta mostrar solidariedade e que, na dimensão de cada um, é preciso partir para a acção.

A nível económico e num mundo que, mesmo sem este conflito, enfrentava já uma fortíssima pressão inflacionista e em que os estrangulamentos logísticos e de circulação de pessoas e bens, gerados em parte importante pela pandemia, estão ainda longe de estar resolvidos, o conflito russo-ucraniano é uma acha mais e de peso atirada para uma fogueira que estava já demasiado quente.

Obviamente, o impacto está longe de se ficar por aqui, mas energia, combustíveis, gás natural e cereais, com influência directa em tantos produtos do nosso dia-a-dia, estão a aumentar preços de forma acelerada e a inflação, que na zona euro se aproximou já dos 6% no final de janeiro (e em Portugal acelerou para 4,2% em fevereiro), continuará a aumentar para níveis a que não assistíamos há mais de 30 anos e não dá, pelo menos para os próximos meses, sinais de abrandamento.

Apesar disso e como antecipava também há uma semana, multiplicaram-se, em anéis com diâmetros cada vez mais amplos, as sanções económicas que, por exemplo, a União Europeia, o Reino Unido ou os Estados Unidos decidiram já contra Moscovo e contra os interesses económicos da oligarquia russa. E mesmo com algumas inaceitáveis e penosas excepções, foi fácil perceber que muitas personalidades e interesses que mostravam grande proximidade com o regime de Putin se tentam agora afastar e desmarcar, convertendo, pela primeira vez, um líder de uma superpotência num ‘pária internacional’ e a Rússia num “pária económico e financeiro global”.

Apesar dos prejuízos que, logicamente, essa decisão acarreta, foram muitas as empresas e entidades que resolveram cortar as ligações ao mercado russo e com as empresas e interesses ligados a Moscovo, numa demonstração que não compactuam com regimes tirânicos, obscuros e corruptos e que as relações económicas com os seus principais rostos e interesses, são tóxicas e altamente prejudiciais às suas reputações.

Muitas empresas internacionais a operar em Portugal foram rápidas na sua decisão e acção, abandonando ou limitando a sua presença no mercado russo e a comunicação social dava nota, por exemplo, que a Biedronka, a insígnia polaca detida pelo Grupo Jerónimo Martins, anunciou deixar de ter nos seus lineares produtos de origem russa e bielorrusa, valendo a pena lembrar que a Polónia tem uma extensa fronteira com a Ucrânia, mas também com a Bielorrússia e a Região de Kalinegrado, administrada pela Rússia.

Ainda, na área do retalho, foram conhecidas as sanções adoptadas contra Mikhail Friedman, o multimilionário russo, nascido na Ucrânia, e que detém, entre outras, a maior entidade financeira privada russa, Alfa Bank, a gigante da distribuição X5 e o grupo DIA, que, como é sabido, detém, em Portugal, as lojas Minipreço. E também as sanções decididas contra vários dos principais accionistas da Magnit, o retalhista russo que integra a aliança internacional EPIC, em conjunto com a Jerónimo Martins, a alemã Edeka, a suíça Migros, a sueca ICA e a neerlandesa Picnic.

Quase 30% do capital da Magnit é detido pelo Marathon Group (fundo de investimento propriedade de Alexander Vinokurov, genro de Sergey Lavrov, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros de Moscovo) e mais de 17% pertence ao VTB Bank, o segundo banco público russo, também sujeito a sanções, tal como a sua subsidiária VTB Capital, excluída dos mercados bolsistas de Londres e EUA.  Para além disso, vários dos seus administradores fazem também parte dos boards de outras empresas, como a Volga-Dnepr, cujo presidente se encontra igualmente listado na lista dos oligarcas russos sob sanções.

Por tudo isto, este é um tempo de solidariedade, mas é também um tempo de acção.

E todos - cidadãos, consumidores, empresas, marcas – podemos dar o nosso contributo a favor de um mundo melhor.

A fechar, recordo, como escrevia há meses num texto que intitulei de “o consumo como sinónimo de liberdade”, que quando “observamos os pontos do globo onde a democracia dá ainda uns titubeantes passos e continua longe de estar consolidada, percebemos que o desenvolvimento social e a aproximação a uma economia de mercado, geram uma forte atracção por produtos e marcas anteriormente não acessíveis. Há quem, de nariz torcido, indique que se trata da ocidentalização do consumo, mas, na verdade, as populações locais associam o acesso a esses produtos e o respectivo consumo a um ideal de liberdade e de sociedade”.

É por isso que quando, como agora, tanto se discute a liberdade e a democracia “é fundamental nunca esquecer aquela que é, porventura, a mais importante das liberdades: a liberdade de escolha”. Ela é fundamental para que possamos viver no sistema político e económico que desejamos, “para permitir a eleição dos melhores políticos e das melhores políticas, ela é fundamental para salvaguardar a nossa liberdade religiosa, política ou de orientação sexual. E é essencial para que, a cada momento, consigamos escolher os melhores produtos, os melhores serviços, as melhores marcas”.

Assim, enquanto empresas e enquanto marcas, nunca nos devemos esquecer que somos uma expressão viva e prática dessa liberdade de escolha e que, como tal, somos sinónimo de liberdade e pilar da democracia. E devemos agir em conformidade…