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Opinião
SOZINHOS CHEGAMOS MAIS RÁPIDO, JUNTOS CHEGAMOS MAIS LONGE
O Estado e mesmo muitos operadores económicos tendem, demasiadas vezes, a desvalorizar o trabalho que diariamente é feito pelas boas Associações Empresariais...
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O Estado e mesmo muitos operadores económicos tendem, demasiadas vezes, a desvalorizar o trabalho que diariamente é feito pelas boas Associações Empresariais, seja porque, por vezes, elas são, por vezes, uma incómoda pedra no sapato, seja porque há inúmeros operadores que, todos os dias, beneficiam do seu esforço e dos resultados da sua acção, mas não gastam um cêntimo a apoiá-las.

Participei há dias na Conferência “Pensar a Governança Pública”, organizada pelo Plan_APP, o novo Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospectiva da Administração Pública, criado na esfera da Presidência do Conselho de Ministros, que tem o objectivo de funcionar como um ThinkTank ou uma consultora dentro do Estado para ajudar o governo e a administração pública.

Integrei um painel sobre "Transformar a Governança Pública: informação e conhecimento no diálogo entre governo, administração e sociedade" e o convite surgiu, presumo, por força dos quase 30 anos que levo de vida associativa e de relação entre entidades a que estive ligado e os mais diferentes organismos do Estado. Uma relação que, diga-se, não tem que ser de ‘intimidade’ ou de ‘antagonismo’, mas que implica uma perceção clara do respectivo espaço e o respeito mútuo pela responsabilidade de cada parte.

As associações empresariais são representações de interesses e devem ser sempre entendidas como tal: estão identificadas, possuem estatutos, deveriam ser obrigadas, em minha opinião, a possuir listas públicas de associados e devem ser tão claras quanto possível nas suas obrigações estatutárias.

É por isso que de há muito defendo que a Representação de Interesses deve ser clara, inequívoca e devidamente balizada, que o registo de quem a realiza deve ser efectuado e deve ser público. Só, dessa forma, ficará transparente quem representa quem, quem deve ser ouvido e consultado na discussão de determinado assunto. E só assim se garantirá que a melhor informação e a avaliação das várias posições é efectiva e justa.

Em boa verdade, existem muitas entidades no universo associativo, mas não são assim tantas que fazem um bom trabalho, que fazem um trabalho que deixe rasto, que deixe marca. As entidades, sejam do Estado, sejam da Sociedade Civil são formadas por pessoas e melhores pessoas fazem sempre melhores entidades.

Hoje, tende-se, demasiadas vezes, a confundir ruído com voz, activismo com representatividade, opinião publicada com opinião pública e a as administrações (e mesmo as empresas) reagem, de forma muito mais rápida e ansiosa, ao ruído das redes sociais, a uma capa de jornal mais acutilante ou ao comentário de um dos vários oráculos que povoam as nossas televisões, do que às fundadas preocupações ou reclamações de quem a usa a sua voz sem gritar ou, pior, de quem não tem voz.

Nos tais quase 30 anos  que levo nesta actividade, as entidades de que vesti a camisola sempre tentaram usar, de forma inequívoca, os melhores e os mais convincentes argumentos para fazer valer os seus pontos de vista, mas sempre o fizeram com lealdade, sempre o fizeram em cima de documentos seriamente preparados, sempre o fizeram considerando que a defesa dos seus interesses não pode corresponder à penalização dos interesses que outros, legitimamente, tenham e sempre o fizeram em cima de informação fidedigna (que muitas vezes o Estado não tem ou, pelo menos, não tem de forma atempada) e não em cima dessa praga nacional que é o ‘achismo’.

É, pois, importante existir, entre administração e representantes da sociedade civil, a interiorização do princípio de que todos trabalham para um bem comum e que, no caso das associações empresariais, uma Economia mais forte é sempre um alicerce sólido para um Estado mais forte, um Estado com meios adequados para desempenhar as funções que lhe estão realmente acometidas, nunca esquecendo a velha máxima de que uma boa decisão é uma decisão relativamente à qual todos se sintam igualmente desconfortáveis, mesmo que essa seja, por vezes, a decisão que não desejaríamos.

Nas associações empresariais julgo que não haverá qualquer dúvida sobre os interesses que representam e sempre que entrei em qualquer reunião, nunca tive qualquer dúvida que os meus interlocutores sabiam quem estava à sua frente, quem representava e ao que ia. Mas é, igualmente, verdade que em muitas entidades, mesmo quando aparentemente há uma mensagem e um foco, nem sempre é clara a agenda, as motivações, a sua efectiva representatividade ou os objectivos que se pretendem atingir. E é ainda mais difícil é verificar que interesses são os que são realmente entendidos por quem representa múltiplos clientes, múltiplos objectivos, por vezes contraditórios, muitas vezes não publicamente comunicados. E daí o óbvio interesse daquele registo.

Era importante que Governo e Administração aproveitassem mais eficazmente o trabalho realizado e o know how existente nas associações sectoriais para melhor conhecer as respectivas áreas de actuação e não fazer apenas a sua audição nos momentos mais críticos, para escutar as suas preocupações ou reivindicações do momento. Era importante promover uma cultura de prevenção e de proacção e não apenas de reacção.

Sempre defendi que nos cabe, enquanto associações, a obrigação de antecipar problemas e tentar resolver essas questões antes que elas se tornem em dificuldades efectivas para as entidades que representamos, de sermos muito mais a brigada de prevenção florestal e não tanto o batalhão dos sapadores bombeiros, embora tenha também a plena consciência que o nosso trabalho é sempre muito apreciado quando apagamos este ou aquele incêndio e menos valorizado quando resolvemos o problema antes de ele eclodir.

Há medidas relativamente simples que a Administração poderia tomar e que, por si só, fomentariam fortemente a transparência nas relações entre uns e outros. Desde logo, tornar públicas e acessíveis as agendas de qualquer membro do governo. Depois, tornar consequente a referência “ouvidas as partes interessadas”, presente em diferentes diplomas: quem foi ouvido e porque foi ouvido (se não for óbvio), que posições foram transmitidas, que aspectos não foram considerados na decisão política…

Poder-se-ia ser bem mais consequente na legislação publicada (quantos diplomas ficam ‘adiados’ porque não estão devidamente regulamentados?) e mais consequente na implementação dos diplomas: não se pode transferir consecutivamente novas responsabilidades para as entidades responsáveis e não se lhes dar os meios necessários para uma correcta monitorização e fiscalização.

E é muito importante que todos – Estado e Sociedade Civil - adoptem uma avaliação e comunicação em que se realce o resultado, a mudança de práticas ou comportamentos, e não apenas a visão numérica do exercício legislativo: quantos processos, quantas multas.

Focando a análise no quadro legal e com a experiência de um não jurista que contacta diariamente com dezenas e dezenas de diplomas, não há como não constatar a redução progressiva da qualidade da produção legislativa e o facto da redacção de muitos diplomas gerar mais problemas de interpretação, de inconformidades, de incoerências, do que propriamente estabelecer soluções legais, que pretende, supostamente, criar. Muitas vezes, mais difícil do que enfrentar uma má lei, é ter que enfrentar, simultaneamente, sete ou oito más leis, tantas quantas as interpretações dos diversos juristas com capacidade para fazer impor os seus pontos de vista.

A tensão, em relações já de si habitualmente tensas, aumenta exponencialmente quando um novo diploma é publicado e a sua redação não é clara, ou permite múltiplas leituras. Isto gera desconforto, gera litigância, gera a redução da autoridade e da legitimidade por parte das entidades que têm que monitorizar e fiscalizar o respectivo cumprimento, gera decisões judiciais que contrariam as actuações dessas autoridades e que provoca, obviamente, forte insegurança nas decisões que organizações, empresas e, mesmo, cidadãos têm que diariamente tomar.

Uma outra área de interacção é a da Informação e julgo que não é muito difícil perceber que o Estado toma demasiadas vezes decisões menos adequadas por que as baseia em informação desajustada ou em informação desactualizada. A máquina estatística é bastante pesada e, em muitos aspectos, a informação está desfasada em meses ou anos da realidade e isso é fatal quando as mudanças na sociedade, nos comportamentos, na realidade económica, são muito rápidas.

Hoje a legislação de concorrência e as obrigações de compliance limitam muitas vezes o nosso trabalho de captação e agregação de informação, mas pelo menos no caso da Centromarca, temos os meios financeiros que nos permitem trabalhar com as melhores empresas de estudos de mercado, que fazem diariamente esse trabalho. Hoje, sinto, possuímos – pelo menos na nossa área - informação muito mais rápida, evolutiva e fidedigna que o próprio Estado.  E há uma frase que nunca deve ser esquecida - o que não é possível medir, não é possível gerir - pelo que também a este nível há uma função da sociedade civil, das associações e de outras instituições que o Estado por vezes não aproveita nem valoriza.

A máxima que diz que “sozinhos chegamos mais rápido e juntos chegamos mais longe” aplica-se na perfeição ao relacionamento e ao diálogo entre Estado e Sociedade Civil, entre Administração e Associações Empresariais, de mais a mais quando Portugal não é conhecido por ser um país de velocistas. E o nosso país muito ganharia se a sinergia florescesse, se o respeito mútuo crescesse e se o diálogo fosse contínuo e profícuo.

Naquela Conferência ficou claro que se pretende o reforço da confiança da Sociedade Civil na Administração Pública. Mas seria igualmente importante que a Administração Pública reforçasse a sua confiança na Sociedade Civil.