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Opinião
SOBRE SABER SER, SABER ESTAR E SABER SAIR
CR7 soube querer (muito), soube e fez muito por ser. À sua maneira soube sempre estar, mas - como qualquer figura com o seu elevadíssimo estatuto - está a ter uma enorme dificuldade em saber sair.
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Foi com alguma desilusão que o país assistiu à eliminação da sua selecção nacional nos quartos-de-final do Mundial do Qatar, às mãos da equipa marroquina. Se a equipa do Norte de África não era, a priori, uma das mais reputadas, fez uma prova quase imaculada e mesmo quando caiu nas meias-finais, perante a selecção francesa, campeã mundial em título, demonstrou qualidade e garra bem acima da média.

Apesar desse sentimento de desconsolo, em boa verdade Portugal atingiu o patamar das oito melhores selecções do mundo, caiu na mesma fase de Brasil, Inglaterra ou Holanda e fez bem melhor que outras grandes potências do futebol mundial como a Espanha, a Alemanha ou a Itália, sendo que esta última, seis vezes finalista e quatro vezes campeã mundial. nem sequer conquistou o acesso a esta fase final.

Por muito que isto custe a muita gente, por muita clubite doentia que infelizmente exista, por muito que se insista na tecla de que no futebol se concentram os supostos males do mundo, ninguém objectivamente consegue negar que o futebol está muitos furos acima do país em qualquer comparação à escala internacional que façamos!

Temos vários dos melhores e mais bem cotados jogadores do mundo. Os nossos principais clubes, mesmo com as limitações orçamentais geradas pela escala, pelo fisco, pelas receitas via sponsors ou via direitos televisivos, ombreiam com os melhores da Europa. A nossa seleção está entre as oito melhores do mundo.

E isso tem paralelo com quantos sectores da nossa economia? Quantas marcas temos com o mesmo poder e força dos nossos melhores jogadores e mesmo dos nossos melhores clubes? Quais são os primeiros ‘sinais’ que os estrangeiros reconhecem quando se fala de Portugal em qualquer parte do mundo?

E a diferença vem muito mais da capacidade individual e da forte vontade de uns tantos do que propriamente de uma capacidade organizativa ou de gestão especialmente brilhante, aí sim mais parecida com as restantes áreas da economia.

Eusébio, Jordão, Oliveira, Gomes, Chalana, Futre, Figo, Rui Costa, Deco e, na actualidade, Pepe, Bruno Fernandes, Bernardo Silva e vários outros, para além, obviamente de Cristiano Ronaldo foram e são exemplos extraordinários do que Portugal ofereceu ao mundo do futebol, como José Mourinho enquanto treinador ou Pinto da Costa enquanto dirigente. Todos souberam ser dos melhores entre os melhores à escala planetária. Mas, em boa verdade, nenhum outro chegou sequer perto (talvez Figo tenha sido o que mais se aproximou) do estatuto que CR7 alcançou e que, julgo ninguém negará, nasceu do futebol, alimenta-se do futebol mas ultrapassa largamente o futebol.

CR7 soube querer (muito), soube e fez muito por ser. À sua maneira soube sempre estar, mas - como qualquer figura com o seu elevadíssimo estatuto - está a ter uma enorme dificuldade em saber sair.

Sem ter a veleidade de achar que haja qualquer tipo de comparação, por pequena que seja, confesso que esta questão do querer e ser, do saber estar e, especialmente, do saber sair são temas em que penso muitas vezes, com que me preocupo muitas vezes. E que muito raramente vejo ser verbalizadas e, menos ainda, discutidas. E são temas muitíssimo relevantes nas nossas empresas e organizações

Colocando-me por um momento no centro desta narrativa… estou já bem entrado na segunda metade dos cinquenta, tenho filhos adultos, um casamento feliz, uma família que não me deu o peixe mas me ajudou a perceber como se maneja a cana e uma carreira profissional de que, sem falsa modéstia, me orgulho e percebo que me restam (se tudo correr bem) umas três dezenas de anos para viver e que tenho ainda enorme dificuldade em perceber se me adaptarei ao final da minha vida profissional.

Costumo brincar dizendo que só trabalha quem não sabe fazer mais nada… e é basicamente isso. Gosto muito de trabalhar e do trabalho que faço e imagino a vida muito vazia no momento em que o desafio mental, o stress e a adrenalina do meu dia-a-dia acalmarem ou pararem.

Há quem conte ansiosamente os dias que faltam para as férias ou para a reforma. Para mim essa contagem é já, apesar de ainda distante, bastante penosa.

E levam à segunda parte do desafio: o saber estar e o saber sair…

Julgo não ser o único que perceberá que a maturidade nos pode retirar alguma energia e nos obriga a saber dosear e canalizar a energia que temos. E que, em compensação, se ganha muito em experiência e em discernimento, na capacidade de ler os outros e de nos colocarmos nos respectivos ‘chinelos’. Que a ‘vida’ e o ‘mundo‘ nos ajudam a avaliar, a relativizar e a actuar com muito mais convicção e assertivadade e nos permite ter uma muitíssimo melhor noção dos tempos: o tempo da reflexão, o tempo do silêncio, o tempo da acção, o tempo da reacção . Mas também se adquirem ao longo dos anos boas doses de egoísmo, de autoconvencimento, de hipocrisia, de algum comodismo e de cinismo, muito cinismo.

Julgo, também, que não serei o único que terei o receio de não perceber o momento em que me converterei em ‘mobília’. De não perceber o momento em que deixarei de ser solução para passar a ser problema, o momento em que os obrigados e as palmadas nas costas deixam de ser reconhecimento e consideração e passam a ser condescendência e falta de coragem em dizer que é preciso dar passagem a outros.

Como não serei o único que percebe esse drama em pessoas que conhecemos bem. E, como diz o povo, nas costas dos outros vemos as nossas.

Por isso, julgo perceber bem o drama que vive Cristiano Ronaldo e a sua dificuldade, nesta fase, em saber estar e, pior ainda, a falta de vontade e a incapacidade de saber sair. CR7 é hipercompetitivo e um verdadeiro super-homem e está a não saber como viver sem ter novos desafios para vencer, novos recordes para bater e despir a capa do super-herói, porque no dia que deixar os relvados passará novamente a ser apenas humano.

Apesar de as coisas não lhe estarem a sair particularmente bem, CR7 continua a ser um dos melhores do mundo, mas sabe que tem que fazer escolhas, dosear a energia e preparar o momento em que tome a decisão de parar para que não seja o seu presente a beliscar o seu legado.

Relativamente a CR7, há e haverá sempre uma dívida eterna de gratidão, mas a equipa em que jogar ou a seleção nacional são instituições e as instituições, são a força e o resultado das suas pessoas (pessoas melhores fazem sempre instituições melhores) mas estão acima dessas pessoas. E as pessoas, por mais extraordinárias que tenham sido, não podem converter-se nos eucaliptos que por egoísmo, por não perceberem como preencherão os seus dias ou por não quererem perder o seu estatuto, secam as respectivas instituições.

Por comparação, faz todo o sentido salientar o exemplo extraordinário de Pepe, um jogador super-elogiado quando actua pela selecção nacional, mas que daqui a dias se reconverterá num mal-amado quando voltar a alinhar com as cores do seu clube. Tendo tido uma carreira futebolística fantástica, arrecadando inúmeros títulos a nível dos clubes por onde passou e sendo um dos baluartes maiores das maiores vitórias da equipa portuguesa, o jogador, nascido no Brasil, mas mais português, que muitos nados e criados neste cantinho do ocidente europeu, deu um exemplo mais de um enorme profissionalismo.

Aos 39 anos, reconhecidamente uma idade ‘provecta’ para um jogador de futebol, fez um enorme esforço para recuperar de uma lesão que muitos consideravam que o impediria de estar presente, jogou meia-dúzia de minutos antes da prova e – apesar disso - converteu-se, uma vez mais, numa das referências maiores da nossa selecção, com muita qualidade e transpiração, mas também uma forte capacidade de liderança, um comprometimento total e uma total ausência de vedetismo.   

CR7, muito mais do que Pepe, tem ainda muitíssimo a dar ao futebol. Mas a sua grandiosidade tem de lhe dar a generosidade e a humildade para aceitar que não está a passar um bom momento e que mesmo fora do campo pode ser uma força de motivação, de mentoria e de liderança, e que quando estiver dentro de campo deve colocar a equipa e os objectivos colectivos acima do resgate da sua carreira individual, que - obviamente - está a passar um momento complexo.

Muitas das nossas organizações atingiram os seus patamares actuais porque tiveram em um ou mais momentos da sua história os seus próprios CR7 (figurativamente falando, claro) e, em muitas delas, foi altamente traumático o momento em que essas mesmas personalidades saíram ou prolongaram excessivamente a sua actuação.

Mas em todas as organizações também será sempre um enorme valor acrescentado possuir um Pepe, alguém que, mesmo em final de carreira, ajuda ao crescimento, funciona como exemplo, transporta a cultura e mantém a ambição, fazendo perceber que a velha afirmação de que ‘a velhice é um posto’ pode ser muito mais do que uma ácida ironia.