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Opinião
REVERSÃO DO IVA ZERO: O FIM OU UM NOVO PRINCÍPIO
A harmonização do IVA no universo FMCG é uma forma directa de beneficiar o rendimento disponível e a qualidade de vida de TODAS as famílias portuguesas
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Como se recordarão, foram necessários longos meses para convencer o Governo que a implementação do IVA Zero poderia fazer sentido e ser uma ferramenta, ainda que pontual, de controlo temporal da inflação, que – como todos se lembrarão - teve uma fortíssima aceleração entre o quarto trimestre do ano transacto e os primeiros meses de 2023.

Como se recordarão também, muitos foram os que antecipadamente concluíram que a medida não produziria efeitos, que o seu impacto na bolsa dos consumidores seria nulo e que, temiam, a redução fiscal fosse de imediato ‘comida’ por aumentos de preços que absorveriam a isenção do IVA,

Apesar de toda a desvalorização e desconfiança, provavelmente poucas medidas em Portugal terão sido tão escrutinadas por tantas entidades. Ao dia, à semana e ao mês. Tentando, demasiadas vezes, gerar-se a ideia que a isenção de IVA nos produtos beneficiados, corresponderia a um congelamento dos preços, como se a inflação tivesse ficado em stand by durante estes quase nove meses.

Mais, umas vezes por desconhecimento e confusão, outras como forma de pressão, pretendeu-se transmitir a ideia de que todos os aumentos de preços, mesmo nos produtos que não foram abrangidos por aquela isenção, corresponderiam ao incumprimento da medida decretada pelo Governo.

Contudo, é incontornável e indesmentível que, apesar dos pesares, a medida produziu efeitos. Ajudou a abrandar a aceleração da inflação. Ajudou a reduzir a taxa de inflação. Ajudou a conter a evolução de preços, mesmo nos produtos não beneficiados pela medida. Ajudou os consumidores a melhorar a sua dieta e o seu cabaz de compras, transferindo as poupanças nos produtos beneficiados para a aquisição de produtos de que, em face do rendimento disponível, estavam mais afastados. Ajudou, mesmo que em escala contida, a melhorar o poder de compra e a qualidade de vida dos cidadãos.

E a prova de que assim é, passa por ver as reacções que se vão ouvindo e sentindo em relação à reversão, a 1 de Janeiro, desta medida.

Como afirmamos logo que foi conhecida essa intenção do Governo, aquando da apresentação da Proposta de Lei de Orçamento de Estado para 2024, a reversão da medida irá provocar o encarecimento dos produtos beneficiados em 6% (no caso dos óleos alimentares esse incremento será de 13%). Irá provocar um aumento instantâneo da taxa de inflação de entre 1% e 1,5%. Irá eliminar o efeito-tampão sobre as evoluções de preços dos produtos não beneficiados.

Refere o Estado que a medida IVA Zero terá custado aos seus cofres um valor superior a 600 milhões de euros em menos de nove meses. Mas, apesar disso, as últimas estimativas referem que a receita de IVA em Portugal irá aumentar, face a 2022, na ordem dos 500 milhões de euros.

Por isso e considerando que, ao contrário do que um líder partidário referia há dias, uma menor taxa de inflação não significa que os preços estão a baixar, mas apenas que estão a aumentar menos rapidamente, todos sabemos que a receita em sede de IVA em 2024, face aos valores de 2022, terá um incremento muito substancial e, deveria permitir, o reequacionamento da respectiva estruturação.

Como referi atrás, muitas das críticas ouvidas à aplicação da medida do IVA Zero, referiam-se à incompreensão, por parte de inúmeros consumidores, sobre quais os produtos beneficiados pela medida. Na verdade, quando pagamos as nossas compras, estamos atentos ao valor do produto e não à sua decomposição entre valor-base e imposto.

Provavelmente, se estivéssemos mais atentos a essa repartição, chegaríamos facilmente à conclusão de que há taxas que não fazem qualquer sentido. Que produtos com objectivos idênticos, mas apresentações, formatos ou designações de venda distintos, podem ter diferenças no seu preço de venda – apenas por efeito fiscal – de 7% ou 17%.

Em produtos alimentares e de consumo diário e básico, isso não faz nenhum sentido, tem uma escassíssima coerência, é o resultado de dezenas e dezenas de alterações pontuais sem outro nexo que não o de responder a pressões ou satisfazer esta ou aquela clientela, esta ou aquela moda do momento e não tem nenhum outro objectivo que não o de gerar a maior receita possível para o Estado.

Propostas responsáveis não podem fugir da questão do financiamento do Estado e do forte endividamento do mesmo. E devem, por isso, ser pensadas nos momentos em que exista uma maior disponibilidade financeira e sempre com a noção de que medidas de fundo não podem significar mais e mais dívida futura.

Por isso, as propostas que vimos fazendo no sentido da harmonização da alimentação à taxa mínima do IVA têm que considerar, não apenas os impactos óbvios de não arrecadação (com muitos produtos a descerem da suas actuais taxas normal e intermédia, para a taxa reduzida), mas também os impactos positivos para os cofres do estado que surgirão das maiores vendas dos produtos que verão os seus preços de venda reduzidos, do impacto muito positivo que poderá gerar-se a nível das transacções transfronteiriças com a vizinha Espanha, do incentivo a uma inovação que seja diferenciada e construa efectivamente valor e, provavelmente, também em resultado da afinação da própria taxa reduzida de IVA.

Os impostos indirectos são uma das maiores fontes de receita do Estado mas essa receita resulta do maior ou menor consumo ou utilização de serviços de cada um de nós. Não cabe aos impostos indirectos uma função redistributiva e não há melhoria de qualidade de vida ou o robustecimento da chamada classe média se a respectiva carga fiscal não for aliviada e, como todos sabemos, é por via dos impostos indirectos e da multiplicação de taxas que essa carga fiscal mais tem aumentado.

Como é fácil perceber, a nossa qualidade de vida depende, em larga medida, do nosso rendimento disponível e esse resulta das receitas (salários e outras) que auferimos, mas também das múltiplas despesas que realizamos

A harmonização do IVA no sector alimentar (e no mais amplo conjunto das categorias de produto que compõem o universo FMCG) não é, seguramente a única, mas é uma forma directa de beneficiar o rendimento disponível e a qualidade de vida de TODAS as famílias portuguesas.