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Economia
REAGIR AO IMPACTO DO CORONAVÍRUS. AGIR PARA ENFRENTAR O MEDO, A ANGÚSTIA E A PARALISAÇÃO
No final de fevereiro, empresas importantes da família Centromarca diziam-me que estavam a seguir orientações das casas-mãe e a estabelecer planos de contingência e a perguntar umas às outras onde arranjariam uns litros de gel de limpeza ou álcool-ge
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E sim, era preciso pensar num local de confinamento para o caso de aparecer alguém com suspeita de contaminação na empresa.

A 4 de Março decidimos na Centromarca, depois de alguma hesitação, deixar cair uma iniciativa presencial, destinada a centenas de pessoas, que tínhamos agendada para a primeira semana de Abril, porque dois dos palestrantes que viriam do estrangeiro nos referiram que as suas empresas não os autorizavam a viajar e porque começávamos a temer que pudéssemos ter uma menor adesão do que a que projectávamos.

Aos 54 anos de idade e na primeira pessoa, confesso que se no final de 2019 ou mesmo no final de fevereiro me tivessem dito que teríamos de enfrentar uma crise como esta, responderia que sim que o Covid-19 iria causar alguns problemas no turismo ou na circulação das pessoas, mas era algo mais ou menos longínquo e de duração e impacto limitado. Uma espécie de mistura de vulcão islandês com a gripe das aves.

Esta crise foi, pois. inesperada, inédita e, até há muito pouco tempo, praticamente impensável. É a primeira verdadeira crise da era da globalização, com efeitos e impactos à escala global. E pela forma como, de modo fulminante, nos atingiu, obriga-nos a questionar fundamentos, a repensar valores, a reorganizar estilos de vida, a alterar comportamentos e mesmo a colocar em causa verdades que tínhamos até aqui como consolidadas e irrenunciáveis.

Nesta altura, apesar das estratégias de desconfinamento e das diferentes teses sobre o formato e a velocidade da retoma, estamos ainda em plena crise. Uma crise de que temos a percepção exacta do quando começou, mas que – nesta altura – ninguém se aventura a prever exactamente quando terminará.

Apesar disso há, diria, duas verdades inquestionáveis: foi a saúde que nos ‘enterrou’ nesta crise e será a saúde a ditar a forma e a velocidade do regresso a uma progressiva normalidade e quanto maior o período da crise, mais profundos e nefastos serão os seus impactos, mais difícil e demorada será a recuperação que necessariamente se lhe seguirá.

Vamos ter, para além disso, uma situação económica – a nível pessoal e global - mais débil, mais imprevisível e mais complexa.  O nosso país vai atravessar, seguramente, uma nova crise económica de dimensão ainda incalculável… e não será o único

A problemas que estavam já presentes, como os da dívida do Estado e dos particulares, dos déficits públicos ou do envelhecimento populacional, somam-se agora os provocados por esta paralisia pandémica, como são os casos do golpe profundo no turismo, da paralisação e potencial destruição de uma parte importante do canal Horeca, da dificuldade acrescida de colocação dos nossos produtos em mercados igualmente em crise, com menor poder aquisitivo e onde se multiplicam esquemas proteccionistas ou do definhamento do mercado interno.

Não são, pois, difíceis de antecipar, consequências muito negativas a nível do emprego e de rendimento disponível das famílias e a multiplicação dos fenómenos de pobreza, mais envergonhada ou mais visível aos nossos olhos.

Tem havido, entretanto, uma grande pressa em definir a aquilo que normalmente se convenciona chamar de ‘Novo Normal’, desenhando-o a partir do seu comportamento neste período de crise e confinamento e realçando as diferenças em relação ao ‘Normal’ anterior.  Parece-me apressado e, acima de tudo, prematuro.  Afinal estamos perante uma situação atípica e excepcional e os nossos comportamentos, hoje, são, diria, típicos duma situação atípica, expectáveis numa situação de excepção.

Ponto forte deste denominado ‘Novo Normal’ é a maior apetência e a explosão da compra via e-commerce. No universo do grande consumo, recorde-se, a base de partida era muito baixa: não mais do que 1% do total das vendas. Ainda assim, os dados mostram-nos que as taxas de crescimento das compras electrónicas não diferiram substancialmente das taxas equivalentes relativamente às das compras físicas. Para além disso, como sabemos, o e-commerce não aumenta a compra, apenas promove a alteração do canal de compra e, para além disso, nesta altura apenas 3 dos 10 maiores retalhistas da distribuição alimentar em Portugal possuem canal digital activo. Por isso, devemos esperar pelo pós-crise para aferir a dimensão efectiva desta alteração de comportamento.

Não me espantaria, no entanto, que este fosse o 'gatilho' que há anos se esperava para dinamizar, em Portugal, o comércio online ao nível do retalho alimentar. Seja porque muitos consumidores se iniciaram agora neste canal, seja porque outros perceberão que este é o momento para o fazerem muito mais frequentemente, seja porque abrindo-se esta oportunidade novos (e importantes) operadores serão mais facilmente tentados a desenvolver as suas próprias estratégias online, aumentando a abrangência e penetração, fomentando a concorrência e elevando o grau de exigência no serviço prestado.

Depois de assentada a poeira, esta crise trará também consequências mais perenes para a nossa vida diária e, obviamente, para a forma como cada um de nós sente e se comporta ou como, por exemplo, se relaciona com as marcas ou com o consumo. Aventuro-me mesmo a prever que vamos ser todos mais assépticos e cautelosos. Vamos ser mais estáticos e confinados. Vamos ser mais racionais e programáticos. Vamos ser mais digitais, mas, em simultâneo, mais atentos ao toque humano. Vamos privilegiar quem, a produto e preço, adicione serviço e, infelizmente, vamos ser menos sociais, mais isolados, mais angustiados.

Mais especificamente no universo do grande consumo, o consumidor nacional terá ‘sus más y sus menos’. Mais compras online, mais consumo em casa, mais recurso a delivery services, mais produtos convenientes, mais preocupação com higiene e limpeza. Ao invés fará, seguramente, menos visitas às lojas, menos compras de impulso, menos consumo out-of-home, menos compra de produtos indulgentes, menos aquisição de produtos relacionados com a nossa vida no exterior.

Há um ano, com a entrada de novos operadores num mercado com baixas perspectivas de crescimento, falávamos recorrentemente de um bolo que não iria crescer e em que, com a maior competição, as fatias seriam necessariamente mais finas. Agora, vamos estar perante um bolo realmente mais pequeno.

Perante isto e não obstante isto, as marcas têm de se mostrar, uma vez mais, verdadeiros companheiros de viagem dos nossos concidadãos. E esse 'casamento' - tal como os outros - tem de ser para os bons, mas também para os maus momentos.

As marcas deverão mostrar humildade e relevância, partilhando as dificuldades dos nossos consumidores e dando-lhes a possibilidade de manterem essa viagem connosco. Deverão gerar alternativas - novos produtos, inovações - que permitam a cada um de nós manter uma qualidade de vida tão próxima quanto possível dos padrões desejáveis. Deverão comunicar de uma forma positiva, para começar a acender a luz no fundo do túnel.

Sendo que isso terá de ser feito num período em que as empresas irão enfrentar uma situação económica mais complicada e um mercado em profunda depressão.

Um mercado em que a competição será ainda mais acesa e muito assente em investimento no ponto de venda e no linear. Um mercado em que a redução de valor motivará um aquecer de tensões e o reacender a tentação de utilizar atalhos, ética e legalmente reprováveis, para reconstruir resultados.

Em conclusão, o que estará realmente em causa será a capacidade de construir devidamente este equilíbrio entre preço, prateleira e promoção, de um lado, e inovação, responsabilidade social e comunicação, do outro. E essa capacidade será o que colocará as marcas no topo das prioridades da cabeça, do coração e da carteira dos consumidores e que distinguirá quais as que, no final desta crise, melhor terão ultrapassado as enormes dificuldades que se estão e irão gerar.

Originalmente publicado na revista Alimentação Animal, edição de Junho.2020