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Opinião
QUAL A FUNÇÃO DE UM OBSERVATÓRIO DE PREÇOS NO SECTOR AGROALIMENTAR?
Em Maio passado, a Ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, anunciou a criação do Observatório de Preços “Nacional é Sustentável”
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Em Maio passado, a Ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, anunciou a criação do Observatório de Preços “Nacional é Sustentável”, que teria por missão a avaliação dos impactos da conjuntura de mercado nos preços ao nível do consumidor.

De acordo com o comunicado então divulgado por aquele Ministério, seria igualmente missão do Observatório de Preços garantir uma monitorização eficaz dos custos e preços ao longo da cadeia de valor agroalimentar.

A decisão de criação do Observatório de Preços, feita por via de um despacho interno da Sr.ª Ministra, surge – referia-se nesse comunicado - como resposta à atual conjuntura de aumento de custos e de fatores de produção que se traduzem numa tendência inflacionista dos bens alimentares e pretender-se-ia assegurar que os respectivos preços ao consumidor cumpririam os racionais e fundamentos de mercado  e garantir a  não existência de movimentos especulativos ou desagregados da respetiva transmissão de custos ao longo da cadeia agroalimentar.

Seria, pois, na opinião do Ministério da Agricultura, essencial garantir o pleno funcionamento da cadeia de valor agroalimentar, de forma a assegurar um abastecimento adequado aos consumidores e garantir que a remuneração dos factores de produção permite aos agricultores a obtenção de níveis de rendimento justos, de forma a manter a sua actividade, sem comprometer a capacidade de abastecimento de alimentos às populações.

Assim, acrescentava o comunicado, o Observatório de Preços, que ficaria sob a alçada do GPP, iria, na fase de arranque, criar um projeto piloto com produtos representativos do cabaz alimentar, permitindo o conhecimento dos preços destes produtos em todas as fases da formação de valor.

Entretanto, foi há poucos dias apresentado em sede de PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar) um esqueleto bastante mais desenvolvido deste mesmo Observatório.

Destaque, desde logo, para a transferência da esfera de acção do Observatório do Ministério da Agricultura para um espectro mais alargado e pluriministerial da PARCA. Um Observatório de Preços que cobre uma cadeia de abastecimento, da produção primária ao consumidor, não é uma responsabilidade única, nem, diria, uma competência exclusiva do Ministério da Agricultura. E sendo importante “garantir que a remuneração dos factores de produção permite aos agricultores a obtenção de níveis de rendimento justos de forma a manter a sua actividade”, é igualmente relevante perceber a justa repartição de valor ao longo de TODA a cadeia de aprovisionamento e de cada um dos seus elos.

Quem acompanha estas matérias desde há muitos anos, sabe que a ideia de criar um Observatório de Preços é recorrente e é colocada em cima da mesa a cada crise sectorial que surge e como forma dar resposta às habituais discussões sobre quem ganha e quem perde na divisão do valor ao longo da cadeia de abastecimento. E quem segue estes assuntos, sabe que as trocas de argumentos culminam quase sempre em discussões mais ou menos estéreis e das quais poucas ou nenhumas consequências são efectivamente retiradas.

Nos tempos anteriores à criação da Autoridade da Concorrência, a sua antecessora Direcção Geral de Concorrência e Preços, fazia essa observação e acompanhamento de uma forma bastante circunstanciada, mas há que recordar que, à época, havia um grande número de produtos que tinham os seus preços ou as suas margens de comercialização administrativamente fixadas.

A progressiva liberalização da economia e, obviamente, dos preços, conduziu à redução desse acompanhamento e, hoje, são basicamente as empresas de estudos de mercado que fazem essa leitura, para os seus clientes e sempre em termos de preços de venda ao público ou de preços efectivamente pagos pelos consumidores, considerados os múltiplos formatos de promoção presentes no mercado. 

Por outro lado, muitos saberão também que há modelos de Observatório, seja de preços, seja de preços e margens, em funcionamento noutros países há vários anos, que podem servir de exemplo e guia, para o que queremos e não queremos implementar, que podem servir de benchmarking e que podem servir de referencial de boa prática. Pela experiência, proximidade e similaridades com a realidade nacional, os casos de França e de Espanha serão, presumo, os exemplos a seguir com maior atenção.

Na Centromarca levamos realmente a sério a presunção de que o que não se consegue medir, não se consegue gerir e julgo haver um amplo consenso de que informação fidedigna e actual, elaborada por fontes idóneas, dota o mercado de maior fluidez e transparência.

Mais do que os preços nas pontas mais a montante (nos factores de produção e na compra ao produtor primário) ou mais a jusante (na venda ao consumidor), relevante será sempre perceber a estratificação dos preços ao longo da cadeia de valor, nunca esquecendo que um Observatório de Preços ajuda a identificar problemas, a fornecer informação útil aos decisores… mas não tem a capacidade, apenas pela sua actuação, de resolver os problemas de uma eventualmente injusta repartição de valor ao longo de toda a cadeia de aprovisionamento.

Mas a maior dificuldade associada à criação de um Observatório deste tipo não se prende com a sua conceptualização ou definição de missão e objectivos. Prende-se, na verdade, com a respectiva implementação…

Não é difícil perceber que uma parte substancial da cadeia de preços é pública ou semi-pública e apurável desde que criados ou reforçados os necessários mecanismos de apuramento, seja dos preços de compra à produção primária, seja dos preços de venda ao consumidor. Ainda assim, é necessário ponderar discrepâncias a montante e apurar preços médios de venda (considerando, por exemplo, o fenómeno promocional) a jusante.

A montante, junto da produção primária, existem, de há muito, sistemas de informação montados que permitem, com razoável rigor, conhecer os preços de compra de um alargado conjunto de produtos agrícolas e agro-pecuários, seja com destino à sua posterior transformação industrial, seja quando colocados directamente junto dos retalhistas, para a consequente venda, em fresco, ao consumidor final.

A jusante, são muitos milhares de produtos os que, apenas na área alimentar, têm presença nas prateleiras do retalho. E há que considerar os vários formatos de retalho. É necessário, pois, ponderar o que cada produto vende para se poder falar num preço médio para cada categoria. E depois disso avaliar a sua evolução.  Mas estamos a falar de preços públicos e apesar da razoável complexidade desse tratamento de dados, o mesmo é hoje feito em muitas categorias de produtos em que há empresas que compram essa informação.

A grande dificuldade é e será sempre a do cálculo fidedigno do valor a que são transacionados os produtos entre o fornecedor e o retalhista. Não estamos a falar de preços públicos. Estamos a falar de fornecimentos feito ao abrigo de uma relação contratual longa, densa e complexa. Estamos a falar de valores que não se esgotam, longe disso, na factura que é emitida para cada transação. Estamos a falar de transações que têm efeitos financeiros diferidos no tempo e que estão sujeitas a diversas iterações.

A multiplicidade de descontos e outras contrapartidas aplicáveis aos bens transacionados ao abrigo dos contratos de fornecimento, colocam os valores efectivamente recebidos pelos fornecedores bem abaixo dos valores inicialmente facturados. E podendo todos essas contrapartidas estar claramente contratualizadas e serem completamente leais e legais, não deixam por isso de representar uma transferência de valor de um elo para o outro ao longo da cadeia de aprovisionamento.

A captação de valor faz-se, tanto ou mais, nessas transacções intermédias (privadas e ‘confidenciais’) do que na venda final ao consumidor, onde o objectivo é – da parte do retalhista - ser, sempre, tão competitivo (e mais barato) quanto possível.

É por isso que a relevância maior e capacidade de intervenção resultante da informação produzida pelo Observatório será sempre directamente proporcional à capacidade que o mesmo tenha de apurar, de forma fidedigna e verdadeira, os valores dessas transacções intermédias.

É por isso também que, não colocando minimamente em causa o labor e empenho de quem está hoje responsável pela sua criação, mas reconhecendo antecipadamente as dificuldades facilmente antecipáveis desse exercício, não devem ser excessivas as expectativas associadas à constituição deste Observatório de Preços, em especial quando se afirma que o mesmo “vai permitir o conhecimento dos preços destes produtos em todas as fases da formação de valor”.

Conhecendo a realidade, seria – porventura - bem mais útil que fosse construído em etapas sucessivas e que se focasse – pelo menos nos seus estádios iniciais – na monitorização eficaz dos preços ao consumidor e em contribuir para dar a garantia aos cidadãos de que serão monitorizados e penalizados os “movimentos especulativos ou desagregados da respetiva transmissão de custos ao longo da cadeia agroalimentar”. E, aproveitando, o trabalho que está a ser realizado para a sua constituição, seria importante que o Observatório fosse alargado a todo o universo FMCG e não se confinasse apenas aos produtos da esfera agroalimentar.