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PÓS-PANDEMIA E CRISE INFLACIONISTA ATACAM ONLINE NO UNIVERSO FMCG?
A jornalista Ana Marcela publicava, a semana passada no ECO, um interessante artigo em que perguntava se, depois do boom, estaríamos a entrar no bang, das entregas de supermercado em casa.
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A jornalista Ana Marcela publicava, a semana passada no ECO, um interessante artigo em que perguntava se, depois do boom, estaríamos a entrar no bang, das entregas de supermercado em casa.

Um estudo muito recente da Salesforce indicava que as compras online no universo FMCG estavam a diminuir em todo o mundo, agora que na generalidade dos países as lojas físicas estão novamente abertas, sem limitações de horário, nem restrições de número de pessoas e que a mobilidade dos consumidores está praticamente aos mesmos níveis do pré-pandemia.

De acordo com o mesmo estudo, no segundo trimestre deste ano, as lojas online receberam, em média, menos 2 % de visitantes, em todo o mundo, enquanto o número de encomendas diminuiu 6 % e as despesas totais foram 4 % inferiores. Mas em países como a Bélgica, a Alemanha e os Países Baixos, os decréscimos ascendem a quase 25%.

Uso muitas vezes a expressão de que SEMPRE e NUNCA são muito tempo. O português utilizado pode não parecer o mais feliz, mas o sentido entender-se-á facilmente.

No primeiro confinamento de Março de 2020 e nos momentos de maior insegurança ocorridos ao longo daquele ano, a compra online foi um refúgio para muitos consumidores. Para fugir aos riscos de contaminação, para evitar os aglomerados de pessoas, por comodidade, pela facilidade de receber as encomendas quando se passavam dias infindáveis em casa, pela própria facilidade acrescida na realização das entregas em tecidos urbanos sem trânsito, nem esperas desnecessárias para estacionar viaturas ou para os produtos serem recebidos.

E esse refúgio converteu-se num factor que ‘mexeu’ com o mercado, criando a convicção de que o salto quantitativo nas compras online, que de há muitos anos se pré-anunciava, finalmente iria ocorrer. Afinal, se já há muito se verificava nas viagens e alojamento, nos livros, nos bilhetes de espectáculos e até, de forma crescente, na electrónica de consumo ou na moda, porque é que não ocorreria também no universo dos supermercados?

Nos quase 10 anos que tenho de ligação à Centromarca, este sempre foi um tema recorrente, como recorrente era a previsão de que “para o ano é que vai ser”.

Os argumentos para o patamar baixo e o aparente retardar da aceleração das compras online no FMCG estavam de há muito identificados: a dificuldade de tornar a compra online de produtos frescos atractiva, a elevada densidade de lojas do retalho moderno, em especial na malha urbana, onde – normalmente – o potencial de compra online é mais elevado e o facto de quem se dirige a uma loja para comprar os frescos, aproveitar a deslocação para comprar os restantes produtos que precisa.

Como também se antecipavam os factores que poderiam conduzir à respectiva aceleração: a digitalização crescente da população, a aceleração da vida quotidiana tornando a compra em supermercado menos simpática e mais repetitiva, a melhoria das aplicações destinadas à compra online e, muito importante, a eventual entrada de novos operadores (puros digitais?) que obrigassem os restantes a acelerar a sua penetração e actuação.

Afinal, o factor de aceleração acabou por surgir de um imprevisto relacionado com a saúde pública e com as limitações de mobilidade que introduziu e a utilização do online tornou-se num novo normal adequado a um período anormal.

Por isso, não espantou que num primeiro momento, o recurso ao online, por ter surgido de forma muitíssimo acelerada e inesperada, acabasse por ter uma resposta menos positiva, com tempos de espera muito elevados e dificilmente compagináveis com a compra de produtos que, presumivelmente, se destinariam a um consumo quase imediato… entregas a três e quatro semanas de distância ou contadores/filas de espera para apenas entrar nos sites, não corresponderiam ao desejável ao nível de experiência de compra.

Contudo, a situação que vivíamos naquele período e a limitação ao nível de alternativas (mais mental que física) permitiu aos operadores beneficiar de um factor crucial para ultrapassar aquela primeira experiência menos positiva: a condescendência. O que levou, amplamente, à repetição da compra e, em muitos casos, à sua normalização e consolidação.

Nessa fase, não faltaram os webinars e as peças na comunicação social a perceber, ou mesmo a ‘decretar’, que a compra online do supermercado era uma das faces mais visíveis do novo normal, um normal que vinha para ficar, num momento em que não faltou quem afirmasse outras verdades ‘absolutas’ como as de que não mais se repetiriam os eventos de massas (festivais de música, jogos de futebol), de que o turismo massificado era algo do passado ou que os grandes escritórios se tornariam obsoletos.

No caso da compra online no universo FMCG, sempre existiram dois ângulos de abordagem. O primeiro que mostrava que a mesma mais do que duplicou no período 2020/21, face aos números da pré-pandemia e o segundo, mais pragmático, que referia que não obstante esse crescimento sensível, valia a pena lembrar que o ponto de partida era muito baixo (menos de 1,5% do total de compras em supermercado) e que mesmo nos momentos mais expansivos, esse valor nunca chegou a atingir os 4% das compras, apenas quatro euros em cada 100 comprados no retalho alimentar.

Ainda assim, havia dados interessantes a adicionar à análise: a população de compradores online ampliou-se de forma significativa, o grau de repetição da compra também cresceu, como cresceu o leque de categorias de produto presentes na cesta de compra. Para além disso o espectro etário dos compradoress cresceu amplamente, atingindo também as populações mais seniores, tal como se ampliou a mancha geográfica da compra.

Nestes dois últimos factores, é relevante recordar a aceleração digital que a pandemia introduziu mesmo nas faixas etárias de idade mais avançada, como vale a pena lembrar também que a deslocação de muitas pessoas para segundas casas, muitas vezes fora das malhas urbanas, ajudou a ‘espalhar’ a compra online no território nacional.  

Perspectivava-se, então, um crescimento continuado nos anos seguintes. Faziam-se apostas sobre quantos anos se levaria até que a compra online em FMCG atingiria o duplo dígito. Referia-se que o crescimento teria uma dupla via, com o aumento da procura – mais compradores, mais repetição, mais categorias, mais apetência para a compra online de frescos – mas também com o aumento da oferta, com a entrada em jogo dos players do retalho convencional que ainda não dispunham de supermercado online e com a chegada de novos puros players digitais. Confesso, que eu próprio, em dado momento, acreditei que iria ser mesmo assim… para SEMPRE…

Contudo, mesmo nos momentos subsequentes de maior pressão e limitação de mobilidade gerados pela pandemia, os consumidores já não sentiram a mesma motivação para recorrer, de forma tão alargada, à compra online dos produtos de supermercado. Afinal, o retalho alimentar esteve sempre aberto, não se verificou qualquer limitação de acesso aos produtos mais relevantes, o elevado número de lojas existentes permitia – salvo raras excepções - uma visita rápida e pouco ‘claustrofóbica’, em certas alturas e na impossibilidade de outras saídas, ir ao supermercado fazer compras era o ‘truque’ para sair de casa e o ‘momento social’ do dia.

Ao mesmo tempo, o boom inicial sentido nesta área motivou o surgimento de algumas iniciativas empresariais, um ou outra construída de forma sustentada, várias outras tentando ‘surfar’ a onda que parecia estar a formar-se. Muitas vezes, com aparente menor consciência que a venda online de produtos de supermercado é operacionalmente muito cara e que a componente digital do acto de venda é, porventura, o menor e o menos oneroso dos problemas.

A chamada ‘última milha’ é, para qualquer produto, muito cara. Em Portugal e, especialmente, na malha urbana, ela é muito cara por força das limitações de circulação e estacionamento que existem. Se pensarmos que no caso do universo do supermercado, uma compra de, por exemplo, cem euros, pode corresponder a umas dezenas de itens que têm de ser previamente preparados, e que a entrega implica, normalmente, a utilização de tripla temperatura - ambiente, frio positivo e frio negativo – mais fácil se compreenderá que apenas com uma escala de actuação ampla e com uma elevada eficiência operacional será, eventualmente, possível colocar as contas no verde.

Hoje, o para SEMPRE parece, se não afastado, pelo menos adiado, a não ser que novo ‘choque’ epidemiológico ocorra. O regresso de uma certa normalidade laboral (ainda que o nosso país seja dos que apresenta índices mais elevados de trabalho híbrido) e de uma mobilidade alargada, retira poder ao online. Estamos mais tempo em deslocação, o que nos aproxima das lojas físicas. Estamos menos tempo em casa, o que desaconselha e dificulta as entregas ao domicílio.

Para além disso, o contexto económico actual, com a explosão da inflação e a quebra acentuada do poder de compra, leva muitos shoppers, mesmo tentando diminuir o valor das suas compras, a aumentar o número de visitas às lojas, comprando menos produtos em cada deslocação e tentando aproveitar as melhores oportunidades. Cestas menores são também uma limitação para a compra online, geralmente adoptada para compras de maior dimensão, em volume e em valor.

O Jornal de Negócios referia há dias que os “Supermercados online [estão] com atividade acima do pré-pandemia”, o que é obviamente verdade – o planalto actual está bem acima dos valores de 2019 – como é também verdade que, desde o final do primeiro trimestre de 2021, é notória uma significativa desaceleração desses crescimentos, mesmo com o alargamento e a fidelização da base de compradores.

Assim, devemos, em princípio, esperar um crescimento contínuo, mas bastante ténue, motivado mais pela transição digital das gerações mais jovens, do que pelo imperativo ou a necessidade de recorrer ao online como alternativa.

Penso também que, muito provavelmente, iremos assistir à consolidação dos modelos do chamado ‘click and collect’, um híbrido entre digital e físico, uma compra digital sem a implicação da última milha, mas também uma compra digital que me permite, enquanto comprador, levantar as minhas compras quando me dá mais jeito e evitar (total ou parcialmente) os portes associados. Este modelo, como é fácil perceber, assenta no retalho convencional e beneficia do crescente alargamento da rede de lojas de proximidade que essas insígnias estão a realizar.

Finalmente, esta fase, de perspectivas menos expressivas e ambiciosas, levará – por certo – à separação entre o trigo e o jóio e, como normalmente acontece, levará à desaparição dos mais débeis, menos estruturados e menos preparados, e à consolidação dos que vêm o digital como um canal essencial para a construção de uma efectiva omnicanalidade na relação com os seus consumidores.