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Opinião
PODE A ECONOMIA NACIONAL VIVER SEM O TURISMO?
Qualquer que seja a perspectiva, é importantíssimo não comprometer esta fonte de riqueza para o país e não adoptar, muitas vezes por mera visão ideológica, medidas que apenas geram dificuldades a quem já tem tantas outras – inflação,...
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Algures em 2017, para a coluna mensal de opinião ‘Marcas Vivas’ que a Centromarca na altura tinha no semanário Vida Económica, escrevi um texto intitulado ‘O Turismo, o Consumo e as Cidades’, que aqui, parcialmente, recupero. Naquela altura, tal como mais ainda agora, o turismo assumia-se como um dos motores essenciais da nossa economia. E, tal como ainda hoje se verifica, muitos são os que apenas veem ou querem ver, os incómodos e supostos malefícios que o turismo gera na nossa sociedade

Escrevia então que as ‘curvas’ da minha vida profissional me provocavam um saltitar constante entre Porto, Lisboa e meia dúzia de outros locais onde compromissos familiares me levavam regularmente, e que acabando por não ser um habitante fixo de lado nenhum, me convertiam num ‘quase’ turista de todos esses locais, dando por mim a descobrir (ou redescobrir) recantos e mudanças que todos os dias ocorrem e que nos passam despercebidas se não lhes dedicarmos, de quando em vez, um olhar mais atento.

A explosão do turismo, recorde-se, ocorreu no momento em que Portugal atravessava o seu momento de crise económica mais profunda, em que todos os dias víamos – no Porto, em Lisboa e em tantas outras localidades  – espaços comerciais a fechar, empresas a encerrar, muitas pessoas a enfrentar o fantasma do desemprego, o tecido urbano a ruir… e as perspectivas de recuperação, no início da década passada, a mostrarem-se longínquas e sombrias.

Mas vale também a pena recordar, como nesse mesmo período, as zonas mais emblemáticas de Lisboa e, de forma ainda mais substancial, do Porto, e de diversas outras cidades, se foram progressivamente enchendo de turistas. De origens cada vez mais diversificadas, de dentro e fora da Europa…

Apesar do contratempo do período da pandemia e das várias ‘verdades absolutas’ que então se proclamaram – uma delas a de que o ‘turismo-de-massas’ nunca mais existiria – apenas dois anos volvidos, parece voltar a  não existir época baixa e as cidades estão sempre apinhadas de gente, sempre a fervilhar. E este movimento, que o Algarve e a Madeira, por razões um pouco diferentes, conheciam de há décadas, alargou-se, claro, a Porto e Lisboa, mas também a Coimbra e Évora, a Ponta Delgada e Braga, a Aveiro e Guimarães, a Tomar, Óbidos e Ponte de Lima, e a muitas outras cidades e outros locais do nosso belo Portugal.

A hotelaria, a restauração e o pequeno comércio florescem a cada esquina, renovam-se imóveis que há poucos anos estavam emparedados, sujos e tristes. As cidades foram ganhando uma vida nova, para melhor receber quem nos visita. E os respectivos habitantes ficam, também, naturalmente orgulhosos da notoriedade que as suas localidades e o país estão sucessivamente a alcançar.

Mas existe o reverso da medalha: temos mais trânsito, parques de estacionamento lotados, dificuldade em circular em certas ruas, em entrar em certos estabelecimentos. Em algumas localizações estaremos já bastante próximo de uma certa saturação que conduzirá a uma menos boa capacidade de dar a melhor resposta a quem nos procura, para além de que - como vimos na pandemia - se algum fenómeno prejudicar este crescente fluxo de turistas, também se poderá verificar uma oferta excedentária face à procura e problemas sérios a nível de actividade, de emprego e de produção de riqueza.

Dos 17 milhões de turistas em 2015, avançamos para 21 milhões e para um pico de 27 milhões em 2019. Depois dos desesperantes anos de 2020 e 2021, recuperamos rapidamente em 2022 e em 2023 prevê-se a ultrapassagem da fasquia dos 30 milhões de turistas/hóspedes, com mais de 75% a chegarem de fora de fronteiras. As dormidas devem rondar os 77 milhões e as receitas directas a superarem os 25 mil milhões de euros, crescendo quase 20% face a 2022. Se lhes adicionarmos as receitas indirectas, ultrapassar-se-ão os 40 mil milhões.

Este acréscimo contínuo, desde 2012 e com o interregno referido de 2020/2021, é um facto e se, em meados da década passada, a Estratégia Turismo 2027 estabelecia os 80 milhões como o número de turistas a dormir em Portugal naquele ano, na verdade, preparamo-nos para – já em 2024 – ultrapassar aquela fasquia.

O que não podemos deixar de ter em mente é que, neste momento, o turismo representa, directa e indirectamente, mais de 17% do PIB português e que as estimativas apontam para que esse valor suba em média, quase 2% por ano até 2027, para um total de 18,5% do PIB nesse ano.

Este incremento turístico representa, nesta altura, um dos factores mais fortes de dinamização do grande consumo no nosso país. O canal HORECA (hotéis, hostels, restaurantes, empresas de viagens e cruzeiros, etc.) vende cada vez mais produtos a turistas. Em consequência, estes estabelecimentos cada vez têm maior necessidade de se abastecer. E fazem-no, não raras vezes, nas grandes superfícies. Mais até dos que nos distribuidores habituais, dada a constante necessidade de reabastecimento do stock e a proliferação das promoções. É a simples lei da procura e da oferta.

Também os pequenos comerciantes mas, igualmente, a distribuição moderna vendem muitas vezes directamente aos turistas, que fazem aí compras para comer onde se alojam, ou para levarem para os seus locais de origem.

Este reforço de vendas tem-se repercutido na oferta das lojas, que começa a apresentar uma gama influenciada pelas preferências dos turistas. Os fornecedores, por seu lado, levam este ‘nicho’ cada vez em maior consideração, visto ser muito relevante no seu volume (e valor) de vendas. E pensam em soluções para o potenciar ainda mais. Um exemplo: há que facilitar o transporte dos produtos em aviões, sobretudo tendo em mente a realidade das bagagens low cost. Se o produto for facilmente transportável, a probabilidade de ser adquirido aumentará exponencialmente.

Acresce a este facto o de, nas principais cidades portuguesas – e até noutras zonas menos emblemáticas do país – existirem também muitos turistas/visitantes portugueses. Os estrangeiros constituem uma boa ‘fatia’ do turismo, mas não a única e, em muitas localidades, nem sequer a principal. Nesta lógica, convém salientar que também nós – cada um de nós – é turista cada vez que sai do seu local de habitação/trabalho. E que não gostamos de ser menos bem tratados, ou desconsiderados, por este simples facto.

O turismo representa, neste momento e num futuro a curto e médio prazo, uma ‘galinha dos ovos de ouro’, que pode sofrer um ligeiro arrefecimento se as principais economias mundiais passarem por um período algo depressivo, mas que, noutro ângulo, pode ser ajudado pelos problemas – por exemplo, ao nível de segurança - que outras localizações enfrentam nesta altura.

Qualquer que seja a perspectiva, é importantíssimo não comprometer esta fonte de riqueza para o país e não adoptar, muitas vezes por mera visão ideológica, medidas que apenas geram dificuldades a quem já tem tantas outras – inflação, escassez de recursos humanos, limitações aeroportuárias, níveis elevadíssimos de fiscalidade directa e indirecta, concorrência de muitas outras localizações – para diariamente enfrentar.

Quando nos deslocamos na cidade, por vezes os turistas cansam-nos, ocupam os nossos lugares favoritos, as mesas dos nossos restaurantes, as nossas ruas. Mas por causa deles, nunca as nossas cidades tiveram tanto para oferecer. Aos turistas e aos seus habitantes.

Por isso, sejamos aquilo que sempre fomos tão bem enquanto portugueses: hospitaleiros, simpáticos e capazes de providenciar a melhor das experiências a quem nos quer visitar.