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OS NÚMEROS NÃO MENTEM… MAS É IMPORTANTE SABER LÊ-LOS
Nos últimos dias, muitos foram os dados divulgados que ajudam a perceber a evolução da economia nacional e o contexto em que o mercado FMCG vive actualmente em Portugal
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Nos últimos dias, muitos foram os dados divulgados que ajudam a perceber a evolução da economia nacional e o contexto em que o mercado FMCG vive actualmente em Portugal e que ajudam, também, a desenhar os cenários potenciais que poderemos enfrentar nos próximos meses.

Desde logo, foram conhecidas as primeiras projecções do PIB. O Produto Interno Bruto, em termos reais, registou uma variação homóloga de 6,7% para o conjunto de 2022 e de 3,2% no que se refere apenas ao 4º trimestre do ano transacto, dados acima das previsões e, melhor, acima da percepção de impacto da crise inflacionista na economia nacional.

O contributo da procura interna para a variação homóloga do PIB foi, como era de esperar, menor do que o ocorrido nos trimestres anteriores, fruto, entre outros aspectos, de um crescimento menos acentuado do consumo privado, tendo-se também verificado uma desaceleração das Exportações de Bens e Serviços.

O consumo privado registou um crescimento de 5,7%, em termos reais, superior aos 4,7% registados em 2021 e que, conjugadamente, superam a quebra de -7,1% ocorrida em 2020. Este crescimento assenta especialmente na componente de bens duradouros (+11,6%), com destaque para a área automóvel, nas também nos bens não duradouros e serviços (+5,2%), embora aqui mereça referência a quebra na componente de bens alimentares (-2,3%). Essa quebra foi especialmente acentuada no 4.º trimestre, embora o comportamento negativo tenha ocorrido ao longo de todo o ano.

O Valor Acrescentado Bruto (VAB) na área agrícola e agro-pecuária quebrou em 2022 (-2,9%), reflectindo o mau ano agrícola, enquanto o VAB para o conjunto da indústria cresceu apenas 3,0%.

Os mesmos dados confirmam que as famílias estão a cortar na alimentação para conseguir alguma poupança e enfrentar o embate do agravamento do custo de vida. As quantidades levadas para casa reduziram-se, sendo a quebra real (descontada a inflação) de 2,3%, a maior desde que há séries históricas no INE, que remontam a 1995. É o equivalente a menos 573 milhões de euros em produtos agrícolas e agro-alimentares face a 2021.

Estes números surgem reforçados pelos dados da mais recente edição dos Scantrends da Nielsen IQ; referente às primeiras quatro semanas do ano, que apresentam uma variação – em valor – das vendas no universo FMCG de 13,1%, um número aparentemente elevado, mas inferior em mais de cinco pontos à inflação que afecta estes produtos, demonstrando, simultaneamente, uma quebra de volumes vendidos e uma contenção dos preços unitários em relação aos produtos efectivamente comprados, com substituições dentro da mesma categoria e entre categorias.

Relevantes também a constatação da transferência de vendas da área dos hipermercados para os supermercados de menor dimensão e lojas de proximidade e, acima de tudo, o salto estratosférico das vendas de marcas próprias das insígnias do retalho, que ultrapassaram a barreira histórica dos 44% das vendas totais (em valor) e que, face ao diferencial de preços de prateleira, se convertidas em percentagens de vendas em volume, colocam a fasquia já próximo dos 60%.

Esta redução do consumo e a mutação das compras para produtos de menor preço e qualidade inferior é, obviamente, a consequência mais directa da cavalgada inflacionista e da inerente quebra do poder de compra da larga maioria das famílias portuguesas.

E, muito embora, este seja um fenómeno global e seja notório que a inflação no universo FMCG e. especialmente, no alimentar, seja – para a generalidade dos países – o principal foco de preocupação actual (depois de aparentemente controlada o crescimento de preços na área energética), o crescimento da taxa em Portugal desfasa do que se verifica na maior parte dos países vizinhos e cria uma especial tensão e uma atenção mediática muito forte. Afinal, as compras nos supermercados representam a maior fatia de despesa dos agregados familiares no nosso país. Mais ainda, quando esses agregados apresentam rendimentos mais baixos…

Os dados fechados de Janeiro confirmam uma taxa de inflação homóloga de 8,4% e uma redução de 1,2 pontos percentuais face a Dezembro. Esta quebra foi especialmente alimentada pela redução dos preços de energia e combustíveis, mas são hoje a alimentação (com uma taxa de inflação homóloga superior a 20%) e a hotelaria e restauração (taxa acima de 12%) as categorias que mais preocupam e amortecem o potencial de quebra da taxa global. Em Janeiro, 4,5% e 0,8% dos 8,4% de taxa mensal homóloga eram gerados por alimentação e por hotelaria e restauração.

Entretanto, no último dia de Fevereiro foram conhecidas as projecções da inflação no mês passado e o Indíce de Preços ao Consumidor volta a mostrar uma redução, embora de amplitude inferior à de Janeiro (0,2 pontos percentuais, de 8,4% para 8,2%) e a variação negativa imprimida pela redução dos preços na área de energia e combustíveis é quase totalmente compensada pelos crescimentos nos ‘produtos alimentares não transformados’ que apresentam uma taxa de crescimento de preços superior a 20% face ao nível de Fevereiro de 2022.

Estes números, adicionados ao aparente contra-ciclo entre inflação global e inflação alimentar e ao gap crescente da taxa de crescimento dos preços no sector alimentar do nosso país face às taxas que se verificam no espaço da zona Euro, têm vindo a gerar um crescente ‘ruído’ em torno deste tema, havendo em muitas discussões uma forte dificuldade em destrinçar entre agravamentos especulativos de preços, reflexão de agravamentos de custos e o impacto dos aumentos de preços nos rendimentos disponíveis das famílias.

Na verdade, o incremento dos custos de produção de diferentes bens são muitíssimo elevados e, em muitos casos, ainda estão longe de cessar de aumentar ou, mais ainda, de apresentar reduções relevantes. Em várias situações, Janeiro e Fevereiro estão a ser até tocados por novos aumentos, desde os que normalmente ocorrem no início de cada ano, ao agravamento dos preços de algumas matérias-primas relevantes.

Em alguns produtos de consumo muito alargado e que têm uma altíssima componente de custo com matérias-primas no preço do produto final, é difícil falar de especulação ou inflação excessiva quando o preço do bem cresce a um ritmo elevado, mas ainda assim a uma velocidade menor que a das matérias-primas e esses aumentos a montante são uma consequência combinada do seu agravamento da estrutura de custos, mas também de uma oferta escassa face à procura actual.

Claro, que o consumidor observa estes aumentos, verifica a sua incapacidade de, com o rendimento disponível, manter o seu padrão de consumo e sente-se impotente e revoltado. E essa revolta transfere-se para as autoridades que se sentem quase coagidas a actuar e a mostrar ‘resultados’.

É fundamental, pois, que as actuações que têm sido realizadas tenham a capacidade de verificar se, sim ou não, existe especulação e aproveitamento desta situação por parte dos operadores económicos e que daí resulte a identificação e actuação sobre quem tiver prevaricado e que se descanse os portugueses relativamente a comportamentos que não sendo simpáticos, apenas correspondem a um regular funcionamento do mercado.

Porque, no fim do dia, não serve a ninguém esta aura de suspeição que paira sobre o mercado e não basta anunciar que se fiscaliza e há suspeitas se, mais à frente, pouco ou nada acontece e se quem, eventualmente, jogou fora das regras continua a agir, sem percalços, ao lado de quem cumpre as leis e é leal na sua conduta.

Diz o povo que “quem não deve, não teme”… e é por isso que a monitorização e a fiscalização do mercado apenas preocuparão a quem sente ter ‘rabos-de-palha’. Os restantes, certamente, terão gosto em colaborar e, sem dúvida, agradecerão estas diligências, as quais – em qualquer circunstância – geram, no mercado, um efeito dissuasor de más práticas.