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ONLINE: MUITO MAIOR A ‘PRATELEIRA’ DA EXPECTATIVA DO QUE O CARRINHO DAS COMPRAS
A evolução do comércio electrónico é um facto e um factor de reinvenção e reorganização do retalho em múltiplos sectores de actividade ...
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A evolução do comércio electrónico é um facto e um factor de reinvenção e reorganização do retalho em múltiplos sectores de actividade e, inclusive, de reconstrução da relação entre as marcas, os retalhistas e os consumidores.

Contudo e apesar da evolução sentida nos últimos dois anos, muito por força do fechamento das sociedades em resposta à crise Covid e aos longos períodos em que milhares de milhões de consumidores ficaram retidos nas suas casas em confinamento, há sectores onde a maturação do mercado é ainda muito incipiente. E o sector FMCG, um dos mais potentes em todas as economias mais desenvolvidas, assemelha-se um pouco à aldeia do Astérix, o último refúgio gaulês cercado pelas legiões romanas.

Na verdade, como veremos mais à frente, já não será bem assim…  

De qualquer modo, a razão de ser deste texto surge com uma entrevista recente do CEO da Sainsbury’s, Simon Roberts, em que referia que as vendas online da sua insígnia representavam o equivalente às vendas de [apenas] duas das suas lojas físicas.

A Sainsbury’s é, hoje, o segundo maior retalhista britânico, logo atrás da Tesco e ligeiramente acima da Asda, possui uma quota de mercado a rondar os 16% e um volume de negócios de 29 mil milhões de libras [33 mil milhões de euros] o qual equivale grosso modo ao dobro do total do sector do grande consumo em Portugal), tem mais de 180.000 colaboradores e possui um parque de 1.500 lojas.

Vale também a pena lembrar que o Reino Unido é o país europeu em que a quota de vendas online no FMCG é de longe a mais elevada, ultrapassando a fasquia dos 10%, seja pelo contributo dos retalhistas do chamado brick and mortar, seja pelo contributo dos operadores puros digitais, seja a Amazon, sejam outros como a Deliveroo, a Getir ou a Gorillas.

Mas da afirmação de Simon Roberts pode ser retirado um outro significado, de interessante aplicação ao contexto português: há, nesta altura, ainda uma forte diferença entre a percepção e a realidade no que se refere ao efectivo peso do online no total das vendas de supermercado… seja na Sainsbury’s, seja no Reino Unido, seja, obviamente, em Portugal.

Também nas últimas semanas foram conhecidos os valores calculados para o peso do online no mercado FMCG nacional, seja pela Nielsen, seja pela Kantar e diferindo os números, porque a base de cálculo não é idêntica, ambos permitem chegar a duas conclusões semelhantes: (1) o FMCG digital sofreu uma forte aceleração em 2020, quase duplicando o seu espaço no panorama nacional e (2) em 2021 esse valor sofreu se não um ligeiro retrocesso, pelo menos uma muito forte desaceleração

E que se fechou o ano transacto com uma quota total, incluindo frescos, entre os 3 e 4%, ou seja, em cada 100 euros de compras de supermercado, os portugueses gastam menos de quatro no canal online.

Ou seja, há efectivamente uma grande distância entre a atenção, a mediatização e, julgo, a percepção da importância deste canal de comercialização e o peso que tem efectivamente nas compras das famílias portuguesas e nas vendas dos fornecedores e dos retalhistas a operar no mercado nacional.

E que esse peso é muito inferior ao correspondente noutros sectores de actividade, a começar, obviamente, pela hotelaria, a aviação ou os espectáculos, a continuar pela electrónica e a informática, mas a chegar em força, nos últimos anos, também à moda, ao livro, à perfumaria, aos materiais de desporto ou à cosmética.

Olhando melhor para os números, percebemos facilmente que o problema é muito mais do FMCG do que de Portugal – aquela quota no nosso país, pouco difere da da maioria dos países da Europa Ocidental - e que está amplamente relacionado com três factores: a densidade da rede de lojas físicas e a forte concorrência entre elas, a resistência à compra online de produtos frescos e a compra de frescos em loja arrastar a compra dos restantes produtos e, também, o tempo de entrega… ao contrário dos outros sectores referidos, muitas vezes vamos ao supermercado para comprar os produtos para a próxima refeição, que vamos preparar dali a poucos minutos ou poucas horas

E podemos olhar para o dinamismo e a expectativa evolução do FMCG digital em Portugal no prisma do copo meio-cheio ou do copo meio-vazio.

É verdade que apesar da evolução que sentimos, as vendas online em Portugal todas somadas, ainda assim, valem menos que a quota do Minipreço, uma insígnia que tem vindo a perder quota trimestre após trimestre, que os grandes incrementos coincidiram com os períodos em que restivemos confinados e que essas experiências, todos desejamos, não se repetirão com a mesma amplitude, ou, pelo menos, com o mesmo impacto, ou de, apesar daquele dinamismo, o negócio online ser quase totalmente dominado pelas insígnias do retalho físico, ou que estas, em boa verdade, obtêm uma rentabilidade bem superior no físico do que no digital, pelo que o incentivo à respectiva dinamização não é demasiado elevado.

Mas é também verdade que o crescimento ‘empurrado’ de 2020, acabou por se consolidar em 2021, que o número de compradores aumentou amplamente, que a repetição da compra se multiplicou, que o espectro etário e geográfico se alargou, que a cesta cresceu, que o número de categorias de produto presente em cada cesta de compras sofreu um forte incremento, que o alargamento das possibilidades de pagamento electrónico facilitou e muito a vida dos consumidores, que a área informática, operacional e de serviço pré e pós venda melhoraram significativamente, que o impulso gerado pelo FMCG ajudou a empurrar uma forte melhoria na oferta ao nível de logística capilar.

Tentando olhar para a frente, para um futuro de médio prazo….

E do ângulo da procura. diria que o esperado retrocesso do poder de compra afectará todo o mercado FMCG e, como tal, não deixará de penalizar também a fatia do online, mas que, zo mesmo tempo, o facto da compra digital ser tendencialmente mais programática e menos sujeita à ‘tentação’ do impulso incentivará aqueles que desejam ser mais disciplinados e racionais na compra a utilizar o canal online. Também a seniorização da sociedade e a crescente infoinclusão e maior confiança nos pagamentos electrónicos, poderá motivar a que uma parcela daquele que é o segmento mais dinâmico do mercado nacional tenda a utilizar o online de forma mais frequente.

Do lado da oferta, poderemos assistir à entrada ou à ampliação do espectro de actuação digital de vários operadores do retalho físico que, ao dia de hoje, têm uma presença marginal ou meramente simbólica no online. Podemos vir a assistir a alguma consolidação no canal, com a compra ou a adopção de supermercados puros digitais por insígnias do canal físico. Há uma muito forte probabilidade de vermos um salto forte do sector delivery, inclusive com a entrada de novos operadores, e de um crescente alastramento da entrega de refeições para as compras de supermercado, beneficiando dos tempos de entrega mais curtos, e podemos também vir a assistir à chegada, mais focada e mais sonora, dos gigantes do digital… mas, como também sabemos, essa expectativa existe desde há uma meia-dúzia de anos, mas tem tardado em concretizar-se.

Os movimentos do lado da procura e os que provavelmente ocorrerão do lado da oferta e, mais ainda, se ocorrerem em simultâneo, tenderão a gerar um crescimento, se não fulgurante, pelo menos continuado e sustentado do canal online, que poderá ter ainda um empurrão adicional com a vulgarização e preferência do shopper por opções híbridas tipo click na collect.

Essas opções são convenientes, do ponto de vista da gestão do tempo para o shopper, são entendidas como mais baratas porque evitam o pagamento da taxa de entrega e são também muito interessantes para o retalhista, porque limitam o peso operacional e o custo de uma das parcelas mais onerosas do processo: a  última milha.

Logo veremos como previsão e realidade se cruzarão no futuro