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Covid19
O PRIMEIRO DIA DO RESTO DAS NOSSAS VIDAS
Fez no dia 2 um mês que o primeiro paciente em Portugal acusou positivo no teste de contágio por coronavírus. No dia 16, completa-se um mês da aplicação do Estado de Emergência e da entrada do país em lockdown.
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No final de fevereiro, poucos seriam os que imaginavam que, apenas um mês e meio depois, a nossa vida, o nosso trabalho, a nossa mobilidade ou as nossas expectativas sofreriam uma tão profunda cambalhota. Na verdade, a sensação que se tem hoje é que, com tudo o que mudou na nossa vida, no nosso trabalho, na nossa mobilidade ou nas nossas expectativas, se passaram muitos, muitos meses. A sensação é que no futuro falaremos de uma divisão AC/DC, um mundo antes do Covid-19 e um outro depois do Covid-19.

Para quem, como eu, não viveu as agruras da guerra ou das grandes pandemias do passado, esta é uma experiência absolutamente inédita, mas que, em boa verdade, ninguém consegue garantir que seja a única ou a última que teremos de enfrentar.

E se a memória do Antes do Covid ainda está (muito) fresca nas nossas cabeças, o Depois do Covid é, para já, um mar de pontos de interrogação, seja ao nível dos cuidados e precauções em relação à saúde pública e à saúde de cada um de nós, seja ao nível de como nos podemos movimentar, relacionar e interagir. Ou seja, ainda ao nível de como a nossa economia, a nossa segurança social, o nosso ensino ou o nosso turismo sobreviverão a este tiro em cheio no porta-aviões.

Mas a primeira grande resposta que temos de dar refere-se à, aparentemente, mais simples das perguntas: quando é que começa o Depois do Covid. Em que mês? Em que dia?

Porque, haverá um dia, mais cedo ou mais tarde, em que - no caso dos que estão em confinamento - teremos de sair de casa. E a bem da nossa sanidade mental, a bem da recuperação da nossa liberdade, a bem da nossa economia, a bem dos nossos postos de trabalho, será melhor mais cedo do que mais tarde. O mais cedo que pudermos.

É óbvio que o confinamento, o "ficar-em-casa" era um imperativo, a forma mais eficaz de quebrar as cadeias de contágio, a única forma de não entupir os hospitais, a forma menos má de permitir que os mais graves casos de entre os infetados pudessem ser tratados de forma minimamente aceitável, a forma de evitar que à epidemia se juntasse a mortandade. Para tal foi preciso criar nas pessoas o sentido de urgência, a imperatividade e isso passa por assustar, por dramatizar.

O efeito prático foi e é ainda visível, e os resultados foram até bastante mais positivos do que inicialmente se temia. Mas geraram-se também duas consequências problemáticas. A primeira, prende-se com um efeito possível do chamado "achatamento" da curva, que passa pelo prolongamento indefinido, ainda que medicamente controlável, da pandemia. A segunda incide sobre os receios que as pessoas terão em regressar progressivamente a uma vida tão próxima quanto possível do que consideravam normal enquanto a epidemia não for dada como extinta e os riscos de contágio serem praticamente nulos. E isso poderá demorar meses, muitos meses, demasiados meses.

Meses em que o nosso tipo de vida (alimentação, medicamentos, outros bens essenciais) não tem condições para continuar a ser garantido. Meses que as nossas empresas e postos de trabalho não poderão aguentar. Meses que farão com que cada um de nós esteja a perder no presente, mas, pior, meses que condicionarão e penalizarão fortemente as nossas expectativas em relação ao futuro.

É por isso que todos, a começar pelo poder político e pelas autoridades de saúde, têm de começar a preparar e a antecipar esse primeiro dia do resto das nossas vidas, tal como cantava Sérgio Godinho. E ir gerando na cabeça dos nossos concidadãos a convicção de que a nossa vida tem de retomar progressivamente o seu curso.

Porque só o comportamento responsável de cada um pode permitir que esse "pôr-o-pé-fora-de-casa" não signifique um novo reacender do contágio. Mas também pode permitir que todos recuperemos valores básicos como liberdade ou mobilidade. Pode permitir que muitos não afetados pela pandemia possam voltar a ter a cuidados adequados de saúde. Pode permitir que o buraco financeiro que estamos a criar nas contas das Empresas e do Estado seja um pouco menos fundo. Pode permitir que mais empresas e mais postos de trabalho se consigam manter à tona, em vez de se afundarem nesta tempestade. Pode permitir que a nossa economia possa começar a ver uma luzinha ao fundo do túnel.

Originalmente publicado no site do Dinheiro Vivo em 2020.04.20