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Opinião
O burro, o tigre e o leão nas “alegações verdes”
Ter uma base de entendimento, no entanto, “cada um no seu quadrado” como dizem o Panda e os Caricas. O que significa isto? A Europa e Portugal estabelecem uma base clara e simples sobre o que entendem como “Green Claims”, a partir daí cada um...
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(Re)Ouvi recentemente a fábula do burro, do tigre e do leão, que tenho repetidamente usado com a minha filha e em fóruns mais pessoais. Resumidamente, o rei leão penaliza o tigre por este perder tempo a discutir com o burro sobre a cor da relva. Para o burro esta é azul, para o tigre é verde. Ao ser questionado pelo burro, o rei da selva concordou com este afirmando que a relva era azul. Ao ser questionado pelo tigre sobre o porquê de concordar com o burro e o castigar, o rei respondeu que nunca se deve perder tempo a discutir com o burro, nem o óbvio.

E qual é o óbvio? Todos queremos fazer a nossa parte: “satisfazer as nossas necessidades sem prejudicar as gerações futuras” e parar, atrasar, evitar o impacto negativo ambiental que vamos deixar. Quem são todos? Pessoas consumidores e utilizadores, Produtores e extratores de matérias-primas, Marcas fabricantes, Distribuidores, Vendedores, Recuperadores e Recicladores, Legisladores.

Se esta premissa é real, a questão coloca-se quando o tempo e as necessidades de todos estes intervenientes não estão alinhados. Por vezes alguns consumidores têm mais pressa. Outras vezes são as Marcas ou os legisladores.

O importante é fazer-se e, como é timbre das empresas da área tecnológica e com gosto pelo risco, fazer-se rápido, falhar, arriscar, voltar a fazer… Se me perguntam se sou a favor da procrastinação? Não, mas às vezes consumo, em particular no que ao exercício físico diz respeito. Nunca sobre coisas que possam impactar outros pelo caminho. Por isso, quando vi que a Austrália implementou algo tão rapidamente, de forma tão simples, clara e de fácil perceção para todos, em relação aos “Green Claims”, fiquei furiosa e dececionada por a Europa estar sempre a procrastinar e adiar o inevitável.

O Pedro Pimentel escrevia há pouco sobre a fragilidade de processos legislativos, europeus e nacionais, tão intensos, cansativos e que se perdem sem ouvir os interessados…ou ouvem apenas para os deixar complicar o já de si complexo. Concordo a 100%.

Se todos queremos clareza, transparência, rapidez e agilidade no processo, facilitar a mudança de todos para melhor, aceite-se que a mudança está aqui e é para melhor – gerações, ambiente, planeta-, atrasar os processos criando problemas quando se tenta clarificar, só prejudica e não beneficia ninguém, antes pelo contrário: arrasta os Consumidores para uma ignorância sobre os nossos produtos, arrasta as Marcas para um lamaçal de reputação e arrasta a legislação para uma ainda maior morosidade e um elevado grau de ineficácia.

Veja-se a forma simples como a Austrália implementou a sua estratégia em dezembro de 2023:

O que são, como se definem e caraterizam as Alegações Ambientais e de Sustentabilidade

https://www.accc.gov.au/consumers/advertising-and-promotions/environmental-and-sustainability-claims

Um guia para os negócios e empresas

https://www.accc.gov.au/system/files/greenwashing-guidelines.pdf

O que são alegações ambientais e de sustentabilidade falsas

https://www.accc.gov.au/consumers/advertising-and-promotions/false-or-misleading-claims

O que pode e deve constar nos conteúdos das redes sociais e de quem é a responsabilidade

https://www.accc.gov.au/consumers/advertising-and-promotions/social-media-promotions

Pode ler-se e percebe-se rapidamente:

·        As alegações ambientais e de sustentabilidade devem ser verdadeiras, precisas e baseadas em fundamentos razoáveis.

·        As empresas têm responsabilidades, de acordo com a Lei do Consumidor Australiana, de não fazer alegações falsas ou enganosas.

·        Uma empresa precisa de fundamentar as declarações que usa. Também precisa de considerar as informações que ficam de fora e os elementos visuais, cores e logotipos utilizados.

·        ‘Greenwashing’ é quando uma empresa utiliza qualquer alegação, ou omite informações importantes, que fazem com que um produto ou serviço pareça melhor ou menos prejudicial para o ambiente do que realmente é.

Além de ser algo muito positivo para todos e ajudar a uma mudança rápida e sem turbulência, consegue ter um papel excecional de literacia ao consumidor e às empresas, sem paternalismos para ninguém ou tentativas de se substituir às decisões dos consumidores ou das Marcas.

Sobre literacia na área ambiental, sabemos todos o que significa a terminologia e qual é o impacto da mudança? Sabemos o que - Consumidores, Marcas e Empresas, Governos – realmente pretendemos?

Inúmeros estudos demonstram que existe um desfasamento do entendimento entre o que os Governos dizem sobre as mudanças políticas ambientais e o que as Marcas dizem sobre os seus produtos e aquilo que os consumidores efectivamente percebem.

Veja-se o estudo feito no Reino Unido pelas empresas Trajectory e Fleet Street:

https://www.euronews.com/green/2024/01/25/green-sustainable-net-zero-study-finds-majority-of-brits-dont-understand-key-climate-termi

·        Três quartos dos britânicos não entendem a linguagem climática fundamental e têm uma fraca compreensão da terminologia climática comummente utilizada, como “amigo do ambiente” e “cultivado localmente”.

·        Os inquiridos também indicaram que não compreendiam claramente a política governamental destinada a reduzir o desperdício.

·        “A falta de compreensão completa do que muitas marcas e empresas provavelmente considerariam termos padrão, como 'net zero' e 'ambientalmente amigável', é impressionante e indica um elevado nível de desconexão entre marcas e consumidores.”

De que adianta exigirmos das Marcas se não exigimos dos Governos uma linguagem comum ou se não elucidarmos os Cidadãos no sentido da sua compreensão?

Na Centromarca acreditamos que é urgente e essencial promover-se a literacia para o Consumo e a literacia para a Transição ecológica, pois só cidadãos verdadeiramente capacitados e com conhecimento é que podem fazer verdadeiras escolhas responsáveis de consumo e exigir produtos com qualidade e com menor impacto no ambiente.

A União Europeia e os Governos deveriam criar ferramentas de entendimento comum sobre a terminologia e imagem relacionada com o ambiente, os processos, as origens, as cadeias de produção e distribuição, as matérias-primas, tudo o que esteja relacionado com o ambiente e que pode influenciar ou impactar o planeta, a sociedade e o negócio.

Quando colocamos numa diretiva a verificação ex-ante sobre uma qualquer característica comunicada do produto, é importante que Consumidor, Marca e Legislador tenham todos o mesmo entendimento sobre essa caraterística e o seu significado.

Exigirmos das Marcas sim, mas ex-ante devemos exigir dos governos e dos legisladores sobre o estabelecimento de bases comuns de entendimento.

Há uma máxima que sempre apliquei na vida: máxima autonomia, máxima responsabilidade. Creio que esta máxima ajudaria a Europa, Portugal, bem como consumidores, negócios, entidades reguladores e legisladores.

Ter uma base de entendimento, no entanto, “cada um no seu quadrado” como dizem o Panda e os Caricas. O que significa isto?  A Europa e Portugal estabelecem uma base clara e simples sobre o que entendem como “Green Claims”, a partir daí cada um faz o seu trabalho com base nessa clareza, autonomia e responsabilidade. Os burros, os leões, os tigres e os que gostam de inflamar o que não há a inflamar, vão estar cá até ao fim dos dias. Há que saber conviver com eles.