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Opinião
NO MERCADO, COMO NA POLÍTICA, A ESCASSEZ CONDICIONA A ESCOLHA
Portugal e os portugueses precisam, no fundo, que as ‘Marcas’, as antigas ou as novas, recuperem a credibilidade da política e dos políticos, reconstruam o ‘mercado’ (fomentando consenso, diálogo e desenvolvimento socio-económico) e regenerem ...
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No próximo domingo seremos chamados às urnas para eleger os 230 deputados que representam os cidadãos no Parlamento e, em função dos resultados do acto eleitoral, estaremos indirectamente a eleger um novo Primeiro-Ministro e um novo Governo, havendo – nesta altura e face aos resultados das sucessivas sondagens – algum risco de uma potencial ingovernabilidade, resultante da impossibilidade de constituição de uma maioria que apoie ou, pelo menos, não obstaculize um novo Executivo.

Uma eventual consequência das Legislativas de 10 de Março poderá mesmo ser um regresso às urnas no último trimestre deste ano e, em boa verdade, sem qualquer garantia de que, se tal acontecer, os resultados serão substancialmente diferentes dos obtidos neste domingo. Mas, como se sabe, o povo é soberano…

Não vemos uma grande mobilização da sociedade e, na realidade, não é muito difícil perceber porquê, mas – apesar disso – sabemos que quaisquer que sejam os resultados teremos uma nova personalidade e uma nova ‘marca’ à frente do Governo e que mesmo que a cor partidária eventualmente se mantenha, há, seguramente, um estilo de liderança que se alterará

Se temos mobilização a menos, propostas construtivas a menos, afirmação de convicções a menos, atravessamos uma pré-campanha e. agora estes últimos dias de campanha, onde não faltam as trocas de acusações, os boatos, a desinformação, a descontextualização, a amnésia conveniente e o entrincheiramento.

Acima de tudo, percebe-se que há todo um outro Portugal que não é pensado nem discutido durante este período pré-eleitoral. Há dias, por exemplo, chamava a atenção, no nosso podcast semanal, que um dos sectores mais relevantes da nossa economia - o do grande consumo - não era objecto de praticamente nenhuma referência nos ‘volumosos’ programas eleitorais de todos os partidos com assento parlamentar.

Contudo, qualquer tentativa de discutir assuntos que fujam da cartilha do politicamente correcto, é automaticamente cilindrada e remetida para a pura chicana política.

Todos os partidos estão solidários com a luta dos agricultores, mas não se pode discutir porque é que os agricultores estão em luta, Muitos partidos defendem a necessidade de políticas associadas à imigração, mas não se pode discutir a que regras objectivas e bem definidas essa imigração deve ser sujeita. Temas civilizacionais, como o aborto ou a eutanásia, deveriam ser objecto de uma decisão individual consciente e, como tal, objecto de referendo a toda a população. No caso do aborto isso aconteceu (à segunda), no da eutanásia os políticos acham que se devem substituir aos cidadãos. Quando o resultado dá jeito, o povo é sábio. Quando temos dúvidas se o seu voto coincide com a nossa ideologia, é melhor não perguntar. Todos os partidos são os campões dos pensionistas, mas nenhum deles quer discutir como vão ser pagos, num futuro próximo, esses direitos sociais.

Por isso, o ideal é fazer promessas orelhudas, preguiçosas e, muitas vezes, incumpríveis, e deixar de lado os temas que envolvem alguma polémica, os temas em que falar verdade corresponde a fazer afirmações que podem preocupar os cidadãos, porque, pelo menos em período pré-eleitoral, nós não vivemos em Portugal, neste Portugal… vivemos, aparentemente, numa La-La-Land, num Reino de Fantasia em que todos os problemas ou não existem ou vão ser resolvidos com pomposas medidas anunciadas, mas nunca concretizadas.

Tudo isso contribui também e ainda mais, para o afastamento das pessoas da política, para o reforço da ideia de que este é um campo em que ‘pessoas de bem’ dificilmente se envolverão, da constatação, a olho nu, de que os que poderiam não querem e os que querem não podem, ou, pelo menos, não deveriam poder.

Por deficiência profissional, certamente, tenho alguma tendência a comparar a luta partidária com a competição a que diariamente assisto nos mercados que acompanho muito de perto, e a comparar os partidos e os políticos com as marcas que diariamente convivo.

E se sabemos que Marca e Reputação são duas caras da mesma moeda, da boa moeda, sabemos também que os Partidos Políticos e os próprios Políticos são também Marcas que dependem da Reputação para a sua aceitação

Uma Marca forte apoia a construção de uma boa Reputação, de igual modo, uma boa Reputação é um alicerce poderoso na construção de uma Marca.

Por exemplo, a Reputação de uma empresa corresponde ao somatório das percepções sobre as suas ações quotidianas e ao grau de cumprimento das promessas que são entregues e percebidas pelos diferentes públicos-alvo, equivalendo à combinação de inovação empresarial, performance financeira, responsabilidade social, comunicação assertiva e imagem das suas Marcas.

As Marcas são um dos activos mais importantes senão mesmo o principal activo das empresas que as detêm e há um vasto conjunto de valores que lhes aportam (ou deduzem) valor, que contribuem fortemente para a forma como ela é sentida pelo consumidor. Estamos a falar de tradição, herança, ética, empatia, honestidade, ligação emocional ao consumidor, credibilidade e, valores, todos eles, que se constituem como pilares da construção da Reputação.

Os Partidos Políticos são também Marcas. Os próprios Políticos sendo um produto, que os consumidores compram com o seu voto, possuem a sua Marca pessoal. Tal como as Marcas associadas a produtos e serviços, o respectivo valor alimenta-se (ou não) de reputação e confiança, de transparência e honestidade, de empatia e credibilidade, de carisma e da capacidade de se ligar emocionalmente aos cidadãos.

E como Marca correspondem a uma promessa, uma promessa ideológica e de resposta para os problemas da sociedade nas esferas social, económica e ambiental, mas também uma promessa de ética e de valores… e tal como para as ‘outras’ Marcas, uma promessa falhada corresponde a uma não compra (a um não voto) futura.

Os políticos e os seus Partidos andam há demasiado tempo a tentar deixar uma marca, mas sem cuidarem da sua Marca e da sua relação com os seus consumidores (neste caso, os votantes).

Alimentam-se excessivamente de ruído e de táctica e tendem a deixar de lado a transparência e a confiança. Com muito pontuais excepções, esquecem a sua herança e tradição em favor do imediatismo e do mediatismo. Rejeitam a Política com sentido de Estado ou de Liderança, em favor de um mero tabuleiro para os seus joguinhos políticos.

Não cuidam, demasiadas vezes, da sua Reputação, enquanto políticos e enquanto Partidos e não cuidam da Reputação da Política.

Os últimos dias têm sido pródigos na multiplicação de promessas, algumas para confortar os ouvidos dos seus supostos votantes, noutros casos totalmente irreais e fantasiosas, especialmente da parte de partidos que sabem que não serão Governo e, como tal, sem o ‘medo’ do escrutínio futuro e do confronto com a realidade.

É também interessante perceber que depois de décadas de um quase ‘quadripartidarismo’, com CDS, PSD, PS e PCP a dominarem a política nacional, várias novas forças partidárias foram surgindo, desafinado os territórios tradicionais daqueles partidos, mas que com o tempo, foram-se convertendo ao ‘sistema’ e hoje, muitas delas, têm os mesmos tiques e achaques dos partidos mais tradicionais. No fundo, chegaram como Marcas Insurgentes a desafiar e tentar roubar mercado às Marcas Líderes. Umas mantêm-se como nichos de mercado, outras já conquistaram um estatuto mainstream, mas todas foram perdendo o efeito da novidade e a ilusão da diferença.

Contudo, a sociedade mudou, o ‘mercado’ (enquanto conjunto de votantes) mudou. As bandeiras e as arruadas, os jantares e os cartazes são formas ‘velhas’’ de fazer política – multiplicando caras e mensagens sem conteúdo - e não convencem nem inspiram os novos ‘consumidores’… Confunde-se modernidade com o ruído das redes sociais e apoio popular com a estridência militante.

O consumidor acaba, muitas vezes, por comprar a ‘marca branca’ (a abstenção, o voto em branco), porque já não acredita nas promessas das marcas (os partidos e os políticos). O alheamento e o desinteresse é directamente proporcional à falta de ética e à falta de valores. No fundo, os ‘produtos’ são todos iguais e eu compro aquele que me custa menos…

Muitas das Marcas actuais estão gastas e cansadas, deixaram-se gastar e não cuidaram de se revigorar como fazem as ‘outras’ marcas: com investimento e inovação, com responsabilidade e sustentabilidade, com criatividade e comunicação. E o ‘mercado’ definha, definha o Estado, definha a Política, definha a Democracia. E as outras, as mais novas (mesmo que nem sempre inovadoras) nuns casos tendem a aburguesar-se, noutros resvalam para os extremismos e os populismos, Marcas ‘giras’, ‘fracturantes’, alimentadas a ‘sound bytes’ e alimentando-se das mais primárias desconfianças dos cidadãos

Temos ainda o equivalente àqueles in-and-outs que tantas vezes encontramos nos nossos supermercados, aquelas marcas de batatas-fritas, de detergente ou de chá milagroso, que surgem do nada, com preços incompreensivelmente baixos e que desaparecem dias depois sem deixar rasto nem saudade. Também hoje não faltam outdoors nas nossas ruas de partidos que nunca ninguém ouviu falar, com mensagens que nada dizem (ou que quando ‘dizem’ apenas remetem para territórios ‘proibidos’) e que no fundo se assemelham àqueles artistas cujo único desígnio é conquistar os seus cinco-minutos-de-fama, é ter direito a aparecer na televisão, como as vulgares ‘testemunham’ que servem encher os nossos telejornais a cada acidente, incêndio ou crime.

Na política, como no mercado, precisamos de sociedades plurais, sociedades em que os monopólios sejam convictamente combatidos, sociedades em que a liberdade de escolha, o direito à escolha e a existência de escolha sejam efectivamente consignados e defendidos. Mas hoje, a escassez de valores, de ética e de verdade condicionam a nossa escolha. Tal como no mercado, quando a diversidade não existe, quando apenas existe um produto na prateleira, eu posso ter de o comprar, mas estou inibido de escolher.

Portugal e os portugueses precisam, no fundo, que as ‘Marcas’, as antigas ou as novas, recuperem a credibilidade da política e dos políticos, reconstruam o ‘mercado’ (fomentando consenso, diálogo e desenvolvimento socio-económico) e regenerem a Reputação, permitindo que os melhores e mais capazes se reaproximem daquela que deveria ser a mais nobre área da cidadania: a Política.

Por interesse pessoal e por obrigação profissional, obrigo-me a estar atento, a ler e a ouvir.., e a reflectir. E confesso o meu enorme cansaço, de eleição após eleição, cumprir o meu dever democrático de votar, mas, quase sempre, ter de escolher não os melhores, mas apenas os menos maus.