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Opinião
NO FIM DO DIA SOBRARÁ ESPAÇO PARA AS MARCAS DE FABRICANTE?
Independentemente do contexto económico actual, é visível que as principais insígnias do retalho alimentar em Portugal, com estratégias e velocidades diferentes...
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Independentemente do contexto económico actual, é visível que as principais insígnias do retalho alimentar em Portugal, com estratégias e velocidades diferentes, têm vindo a fazer uma evolução significativa do seu portfolio de marcas próprias, com alargamentos de gama, segmentação da oferta, marcas autonomizadas do ‘chapéu’ da insígnia e uma crescente preocupação com o tema da qualidade.

Apesar disso, o preço é, e continuará a ser, o argumento-chave que conduz o consumidor a optar pelas marcas próprias e, obviamente, se a ‘mancha’ de produtos MDD nas prateleiras for mais ampla (e, não sendo as prateleiras infinitas, quanto maior essa ‘mancha’ menor o espaço disponível para as marcas de fabricante), abrangendo mais referências e com uma qualidade a evoluir de forma positiva, não será de estranhar – independentemente do maior ou menor constrangimento financeiro que o consumidor esteja a atravessar -  um progressivo crescimento do ‘share-of-market’ das marcas próprias.

O consumidor tende a avaliar os preços numa perspectiva diferencial. Quanto maior o gap de preço entre os produtos, maior a tendência de comprar o mais barato (desde que cumpra as expectativas nele colocadas). Se esse diferencial encurtar (por exemplo, por efeito de acção promocional), então a sua escolha tenderá a incidir no seu produto preferido, mesmo que mais caro, mas não excessivamente mais caro.

Os PVP dos produtos dependem de múltiplos factores (custo, procura, envolvente comunicacional, reputação, concorrência), mas quando colocamos face-a-face produtos de marca própria e produtos de marca de fabricante a margem aplicada pelo retalhista a uns e outros estabelece a parte de leão do gap de preços que os separa.

A pressão promocional – que, como é sabido, atinge valores elevadíssimos em Portugal – tende a atenuar esse diferencial. E muito embora isso signifique, na maioria das vezes, abdicar de uma parcela muito importante da sua rentabilidade, esse caminho, inclusive nos anos de crise económica mais profunda, permitiu às marcas de fabricante não deixar evoluir e mesmo recuperar uma parte da quota de mercado que era detida pelas MDD, sendo que, obviamente, não é isso que está a acontecer actualmente.

Mas é inegável uma forte evolução nas marcas próprias…

O ‘cabaz’ de produtos de marca própria deixou, há muito, de conter apenas referências muito básicas e foi aprofundando a sua presença em novas famílias de produtos, no seio das famílias de produtos onde estava já presente e a nível de espaço e posicionamento de prateleira e de comunicação, adoptando, repetidamente, mecânicas promocionais em tudo idênticas às marcas de fabricante.

A presença cada vez mais frequente nos instrumentos de comunicação associados às promoções (folhetos, televisão, comunicação digital), a visualização destacada e prioritária nos sites de venda online ou o espaço crescente de linear (sempre acompanhado com a redução e mesmo a descontinuação de outras marcas), torna as marcas próprias mais visíveis aos olhos do shopper e torna-as uma opção facilitada de compra.

Essa evolução é também visível ao nível de packaging (especialmente nas gamas de maior valor acrescentado). E a nível de branding e comunicação, a dinâmica oscila entre a ampla ligação entre produtos e insígnia, gerando uma cumplicidade que apela à fidelização do consumidor, e a criação de marcas que pretendem gerar uma separação face à insígnia, com campanhas específicas de comunicação, criando no consumidor a ideia de que não se trata de uma marca própria, mas de uma marca original.

Em qualquer dos casos, é notória, em várias situações, alguma colagem à imagem das marcas líderes de mercado, verificando-se demasiadas vezes o que é normalmente designado como o fenómeno ‘lookalike’ ou de cópia parasitária, que, em abono da verdade, por vezes se verifica também entre marcas de fabricante directamente concorrentes.

Também se assiste a um consistente trabalho de segmentação e de lançamento continuado de produtos de qualidade mais elaborada. Contudo, mesmo quando a escolha do consumidor se afasta das categorias mais básicas e incide em segmentos mais elaborados (e, geralmente, de maior valor) o preço não deixa de ser, apesar de tudo isso, o argumento que os produtos de Marca de Distribuidor (MDD) utilizam para captar a atenção do shopper. Ou seja, mesmo para essas gamas mais ‘premium’ as marcas próprias são invariavelmente colocadas à disposição do consumidor a um preço de venda ao público (PVP) inferior aos das marcas de fabricantes directamente concorrentes.

Em várias insígnias esses mesmos produtos beneficiam muitas vezes e para além disso, da ausência total de produtos de marca que compitam directamente com os das marcas próprias, sendo conveniente ter sempre em mente que, antes do consumidor escolher de entre os produtos que estão na prateleira, a insígnia escolhe aquilo que pretende (e prefere) deixar o consumidor escolher.

Em boa verdade, não há hoje-em-dia territórios nem categorias estanques à progressão das marcas próprias. E é a própria estrutura do sector industrial, seja pela capacidade produtiva disponível, em especial ao nível de terceiras e quartas marcas, seja pelo cada vez maior número de unidades industriais totalmente ou quase exclusivamente vocacionadas para a produção de MDD, que o permite.

Mas é também verdade que é a dinâmica das marcas de fabricante, a sua inovação e comunicação, que dinamiza as categorias de produtos... e que, em simultâneo, as torna apetitosas para o desenvolvimento das marcas próprias. Estas colhem os frutos daquele trabalho prévio e que envolve, ele sim, a assunção de risco e a gestão da criatividade. E, é sabido, cada novo produto que conquiste a preferência dos consumidores irá ser, mais cedo ou mais tarde, alvo da atenção dos distribuidores, capitalizando-o e decalcando-o para o seu universo de marca própria... e, hoje em dia, isso acontece cada vez mais cedo.

Diz a experiência que ninguém copia o que é mau e que, no limite, a cópia é um elogio, pelo que se é certo que nunca surgirá um produto MDD que reproduza um produto de marca que falhou ou que foi incapaz de conquistar a atenção e a preferência do consumidor, é também certo que quanto maior o sucesso e a adesão a um novo produto, maior o ‘elogio’ e a velocidade com que as insígnias da distribuição o tentarão introduzir nos seus próprios portfolios de marca própria e se tentarão apropriar do crescimento (se não em volume, pelo menos, por certo, em valor) que essa dinâmica de mercado gera.

Por tudo isto é fácil concluir que a vantagem das marcas próprias é óbvia, maior ainda no contexto económico actual e que o modelo de negócio da moderna distribuição é construído exactamente para poder gerar essa vantagem sempre que as cadeias têm nisso interesse.

Nunca esquecendo que as grandes insígnias são os clientes que representam a parte de leão das vendas dos fabricantes, mas que, com as suas próprias marcas, são, hoje por hoje, também os seus principais concorrentes. Árbitros e jogadores de um jogo que é jogado no seu próprio estádio e de acordo com as regras que eles próprios definem.

É também indiscutível que as marcas próprias são marcas como quaisquer outras, embora com lógicas de mercado e estratégias de negócio algo diferentes das seguidas pelas marcas de fabricante. E que a sua garantia de sucesso começa, desde logo, porque os custos de acesso à prateleira, os riscos assumidos e a pressão sofrida é também, de forma indiscutível, incomparavelmente menor do que os suportados pelas marcas originais.

Um exercício, de suposição relativamente simples, passaria por imaginar o que aconteceria à marca de uma dada cadeia de distribuição, se passasse a ser vendida noutra qualquer insígnia, sendo que para aí adquirir o seu espaço em prateleira e a preferência do consumidor tivesse que passar pelas mesmas agruras – ao nível de custos, de pressões ou de margens aplicadas aos seus produtos – que passa uma qualquer marca de fabricante. Seria o seu êxito tão fácil e retumbante? Seria a sua quota de mercado tão elevada como a que ocorre quando joga em casa e de acordo com as suas regras?

Obviamente, esta tendência tem um impacto negativo para as marcas de fabricante e gera riscos substanciais para a sua actividade: menos espaço de prateleira, menos atenção por parte de clientes, inflacionamento do gap de preços entre marcas de fabricante e marcas próprias. E, claro, obrigará a um esforço e a um investimento acrescido dos fabricantes, em qualidade e sustentabilidade, em inovação e comunicação, mas mais longe do ponto crítico de contacto com o consumidor: a prateleira.