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Opinião
Marcas Próprias: da publicidade comparativa ao 'passeio' no mercado
No início do passado mês de Junho, o Intermarché lançou uma mediática e polémica nova campanha relacionada com a sua marca própria
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No início do passado mês de Junho, o Intermarché lançou uma mediática e polémica nova campanha relacionada com a sua marca própria. Com presença em TV, rádio, imprensa, media digital e ponto de venda, a publicidade pretendia informar os consumidores de forma “transparente e objetiva”, demonstrando que os produtos da marca própria da insígnia eram “os mais baratos do mercado”.

De acordo com a informação na altura veículada por aquela insígnia, a campanha apresentava dados que permitiriam "comprovar a veracidade da informação transmitida" e apresentava filmes baseados em compras feitas em várias localidades, com o objetivo de ser o mais abrangente possível, chegando a todo o País.

Através da comparação de preços de produtos de marca própria de várias insígnias, a campanha visava mostrar que a marca PorSi ajuda na “poupança no cesto de compras das famílias”.

Em Portugal são muito escassos e geralmente 'traumáticos' os exemplos de publicidade comparativa e agressiva. Alguns deles, ainda hoje perduram na nossa memória colectiva e terminaram, normalmente, depois de disputas acesas no antigo ICAP ou mesmo nos tribunais.

A publicidade comparativa, recorde-se, é permitida por lei e o artigo 16.º do Código da Publicidade explicita que é comparativa a publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente, sendo consentida desde que respeite, entre outras, as seguintes condições:

(i) Não seja enganosa; (ii) compare bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos; (iii) compare objectivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços, entre as quais se pode incluir o preço; (iv) não gere confusão no mercado; (v) não desacredite ou deprecie marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente ou (vi)  não retire partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes.

Como era de esperar, ainda para mais num mercado muito concorrencial e em que o foco mediático e do próprio consumidor está focado nas marcas próprias, as reacções não se fizeram esperar. Das mais subtis às mais mediáticas.

De todas, a 'resposta' do Lidl terá sido a mais contundente, com uma campanha que a generalidade dos especialistas de marketing considera ser de grande sucesso. “Quem compra no sítio certo, parece logo mais esperto” é o mote que a insígnia alemã já vinha desenvolvendo desde o início do ano. Agora, no seu spot mais recentes, o Lidl começa por assumir que, com a subida dos preços, "o poder de compra é cada vez mais importante" e, prossegue com a suposta comparação de preços em cinco superfícies comerciais, que acaba por não concluir porque "resolvemos experimentar o produto. (...) Não chegamos a ir aos outros [supermercados]. Porque no Lidl encontra uma série de marcas exclusivas com uma qualidade muito superior aos preços que paga".

Em diversas outras insígnias, seja ao nível de folhetos, seja, por exemplo, ao nível das entradas de loja, há inúmeros exemplos em que essa publicidade comparativa ou a comparação efectiva de preços está bem presente. Contudo, é sempre bom lembrar, que contrariamente aos produtos das marcas de fabricante, presentes nas várias insígnias, a avaliação se pode fazer para produtos rigorosamente iguais, no caso das marcas próprias, não estamos a falar de produtos iguais, estamos a falar no máximo de produtos equivalentes e, em diversas situações, uma simples análise à respectiva composição é suficiente para verificar que se trata de produtos diferentes..... e com custos diferentes. 

No entanto, a publicidade comparativa entre insígnias é apenas um dos vários eixos que funcionam hoje como motores e aceleradores do crescimento da presença da marca própria no nosso mercado, um crescimento a que, em muitos círculos, inclusive no exterior do sector, parece estar a estender-se um verdadeiro tapete vermelho, para que atinja o sucesso sem demasiados obstáculos.  

O contexto actual é em tudo favorável ao crescimento das marcas dos distribuidores, que tem um conjunto alargado de factores de aceleração. Desde logo, a conjuntura económica e a quebra de poder de compra que empurra o consumidor para a compra de produtos mais baratos e estes, na larga maioria dos casos, são as marcas dos distribuidores, especialmente por força das políticas discriminatórias de margens que as diferentes insígnias praticam. Mas a aceleração não resulta apenas da conjuntura…

Para além da inquestionável evolução em termos de qualidade, segmentação e posicionamento das marcas próprias de muitas insígnias, há que lembrar a cada vez mais acesa concorrência entre distribuidores feita em cima das suas marcas próprias, de que os referidos casos de publicidade comparativa são apenas uma das duas várias expressões.

Acrescente-se o regresso em força do canal Horeca, sendo certo que muitos estabelecimentos comerciais se abastecem, não nos grossistas e retalhistas, mas directamente nos supermercados, por comodidade e porque aproveitam muitas acções de promoção que são claramente desenhadas à sua medida, não esquecendo que, em especial nos produtos que não surgem rotulados à mesa, a opção pela marca própria resulta mais económica.

Some-se a prescrição que muitos órgãos de comunicação social (tantas vezes em espaços que não de cariz publicitário) e, inclusive, organizações de elevada responsabilidade fazem permanentemente, apelando ao consumo das marcas próprias, prescrição que entendemos muitas vezes despudorada e que pouco ou nada contribui para uma verdadeira liberdade de escolha de um consumidor que – em nossa opinião – não tem sempre o preço mais baixo como único motivo de escolha, levando também em consideração outros factores como qualidade, conveniência, inovação ou experiência de compra.

Finalmente, há que considerar a avanço progressivo das chamadas insígnias de sortido curto (por exemplo, Lidl, Aldi ou Mercadona), que estão a conquistar uma parcela relevante de quota de mercado às insígnias mais convencionais ou de sortido mais alargado (por exemplo, Continente, Pingo Doce, Intermarché ou Auchan). Quando cada um de nós, por razões diferentes deixa de fazer as suas compras numa insígnia convencional e as transfere para uma de sortido curto (e isso nem sempre acontece por uma motivação exclusivamente relacionada com os preços), facilmente observará que a parcela de produtos de marca própria que compra, em função do sortido dessas lojas, se multiplica por dois ou por três.

Obviamente, este cenário levanta muitas dificuldades às marcas. Seja pela necessidade de combaterem  com armas necessariamente desiguais, seja porque se abdicarem  dos seus principais valores enquanto marcas, para entrarem ‘de cabeça’ na batalha pura e dura dos preços, poderão conquistar algum oxigénio imediato, mas perderão, seguramente, diferenciação, relevância, empatia e capacidade de continuarem a ser um companheiras de viagem dos consumidores, neste e nos momentos que se lhe seguirão.

Para além de que, neste contexto, manter níveis relevantes e consequentes de investimento ao nível de inovação, comunicação ou responsabilidade social e corporativa, é, sem dúvida, um desafio gigante.