ALMA DE MARCA
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Opinião
Longe da Vista. Longe do Coração Longe da Comunicação, Longe do Consumidor
Em fases em que o mercado se comporta de forma negativa, é habitual assistir a algum desinvestimento das marcas em áreas como a comunicação ou o marketing,
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Em fases em que o mercado se comporta de forma negativa, é habitual assistir a algum desinvestimento das marcas em áreas como a comunicação ou o marketing, considerando as quebras que as vendas sentem ou antecipam, seja em volume, seja em rentabilidade.

O ciclo inflacionista, com aumento das vendas em valor, empurradas pelos aumentos de preços, mascara a tendência que se sente logo abaixo da superfície: de reforço da já normalmente forte sensibilidade aos preços e da crescente atenção às despesas realizadas, mesmo com os produtos mais básicos, por parte de um consumidor com marcada perda de poder de compra e com um cada vez mais baixo rendimento disponível.

Como pudemos constatar através dos números divulgados muito recentemente pelo INE, a inflação já ultrapassou a barreira psicológica dos 10% e o aumento de preços na categoria dos produtos alimentares não transformados roça os 19%.

Pode o Governo referir que a inflação média não chega aos 7%, mas são os mais de 10% (e os quase 19% na alimentação fresca) que os portugueses efectivamente enfrentam nesta altura. E pode o Governo projectar 4% de IHPC para 2023, mas como facilmente se percebe a inflação está ainda em aceleração e mesmo que haja factores que venham pressionar a sua redução, vamos assistir ao que ocorreria se colocássemos o pé progressivamente no travão de um carro a enorme velocidade: serão muitas ‘centenas de metros’ até que o carro pare ou retome uma velocidade muito moderada. Por isso, dificilmente os sinais dessa desaceleração serão sensíveis se não na totalidade do próximo ano, pelo menos no primeiro semestre de 2023.

Foi por tudo isto que, há poucos dias, realizamos uma reunião interna com o objectivo de discutir como devem as marcas e a sua comunicação comportar-se num contexto adverso, inflacionista e marcadamente recessivo, discussão em que contamos com a preciosa ajuda da Marta Santos (Kantar), Bruno Almeida (Omincom) e Joana Garoupa (Mediacom).

Começamos por recordar como esta sequência pandemia-disrupção-inflação provocou uma mudança, por vezes surda, mas nem por isso menos radical, da forma como vivemos, com as famílias, progressivamente, a comprar menos, mas, ao mesmo tempo, a gastar mais com as suas despesas, sendo que rendimentos disponíveis muito débeis impactam mesmo a compra dos produtos mais básicos. Assiste-se à troca dos produtos diariamente adquiridos, sempre em detrimento dos de maior qualidade e de maior valor. E as comparações de preços são levadas a novos patamares.

Para as marcas as dificuldades são muitas: as famílias vão comprar menos, vão comprar mais barato e vão comprar diferente, com cestas mais pequenas e mais promocionadas, com reforço da ‘marmita’ e do recurso à chamada fast food.  

As oportunidades, essas, não serão seguramente as que desejaríamos…

Ainda assim há percursos possíveis: aproximar-se de novos grupos-alvo, aumentar a penetração, dentro e fora do retalho moderno, e neste não ceder espaço nas insígnias mais marquistas, conquistar novas referências e metros de linear nos distribuidores de sortido mais curto, mostrar-se capaz de estar presente em novos momentos de consumo, atacar novas necessidades e apresentar características diferenciadoras que afastem o consumidor de uma opção feita apenas pela vertente-preço, ser mais assertivo e eficiente no desenvolvimento das estratégias promocionais, tornando as suas propostas de valor mais atractivas e reduzindo os gaps de preços em relação às marcas próprias.

Normalmente os processos de ajuste neste tipo de cenários é realizado através da indução de um efeito recessivo na economia e a resposta das marcas à consequente retração no consumo passa, geralmente, por canalizar o seu esforço para o curto-prazo e para ações de comunicação focadas no retalho, físico e digital. Mas há um histórico que nos mostra que a Comunicação pode ajudar a equilibrar o enfrentamento do presente com a ambição de se continuar a criar valor no futuro.

Portugal tem vivido nas últimas décadas em crises sucessivas. Apenas neste século, atravessamos já quatro recessões e, aparentemente, a quinta está aí à porta.

Poderíamos dizer que os consumidores já estão ‘calejados’ na forma como devem encarar estas crises. Mas, apesar disso, nenhuma foi acompanhada por este contexto inflacionista global. E isso levanta dúvidas e mina a confiança dos portugueses, especialmente nas faixas etárias mais jovens, sem histórico sobre como enfrentar estes ciclos económicos e com almofadas financeiras muito mais frágeis.

A reacção passa, tal como noutras crises, pelo abdicar dos produtos considerados não-essenciais e pelo chamado 'trading-down'. E, tal como noutras crises, a reacção das marcas tende a passar pela redução de orçamentos para marketing e comunicação, por uma pressão interna acrescida para o aumento de vendas visando recuperar rentabilidade, aumentando o esforço promocional. Esta reacção tende a passar pela aposta em objectivos de media especialmente focados no 'return on investment', acentuando a tendência de priorização do curto prazo, com, por exemplo, campanhas em meios digitais de ‘conversão rápida’, mas tendendo a esquecer que o reforço da eficácia passa – sempre - por um equilíbrio entre marca e activação.

A resposta deve, por isso, envolver uma Comunicação que não se esqueça também de defender e construir quota de mercado e rentabilidade.

As marcas, por seu lado, terão de marcar o diapasão. Terão de definir a ‘coluna vertebral’ na qual se apoia toda a estratégia de marketing e comunicação e, para tal, deverão mostrar se estão aptas a enfrentar o mar muitíssimo revolto que sentimos, seja do ponto de vista funcional, seja do ponto de vista emocional. Ultrapassado esse teste, terão de demonstrar se têm condições para vencer – reputação, legitimidade ou via ESG – este cenário adverso. E se têm estaleca para dar um passo em frente e assumir causas dos seus públicos, mas que não sejam entendidas como mero oportunismo. Sempre que possível numa lógica de agregação e partilha, mas que permita perceber que somos diferentes, que somos capazes de fazer diferente.

Costuma dizer o povo que ‘longe da vista, longe do coração’.. que quem não se mostra, não é visto.

E em tempos de dificuldades essa ausência é ainda mais marcada e… mais sentida. Costumamos repetir na Centromarca que “uma marca que não comunica é uma marca que se branqueia” e, mais ainda, quando outras marcas não se cansam de o fazer. Marcas que se misturam com outros conceitos e piscam o olho com argumentos que são, nesta altura, muitíssimo apelativos para os consumidores.

Ao concentrarmos o investimento quase integralmente na activação da prateleira, estamos – não convém esquecê-lo – a libertar meios para que os nossos clientes comuniquem ainda mais fortemente com os consumidores, dando relevo aos seus espaços, às suas propostas de valor e, claro está, aos produtos das suas próprias marcas.

Por isso, não tenhamos dúvidas, em momentos tão difíceis como os actuais, para as Marcas a única alternativa é mostrarem porque é que se diferenciam e devem merecer a atenção e preferência dos seus públicos e, claro, dos seus consumidores. Pois têm a obrigação de perceber que estar Longe da Comunicação, significa, ao fim do dia, estar Longe da Consumidor.