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Opinião
INFLAÇÃO E O POSICIONAMENTO DAS MARCAS NO CENTRO DAS ATENÇÕES
Na intervenção de abertura do II Congresso das Marcas, lembrávamos que o contexto actual exige realismo...
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Na intervenção de abertura do II Congresso das Marcas, lembrávamos que o contexto actual exige realismo e implica a necessária consciência de que estamos a enfrentar o período mais complexo das últimas décadas.

Provavelmente, ainda mais difícil do que aquele que vivemos quando estávamos imersos na pandemia.

Provavelmente, o cenário mais desafiante da vida profissional da maior parte dos que hoje estão inseridos no universo do grande consumo.

E se o período mais negro da crise Covid colocou um número infindável de dificuldades, pela insegurança, pela incerteza, pela sequência tormentosa de travagens e acelerações, pelas expectativas tantas vezes defraudadas, pelo afastamento físico, pelos traumas psicológicos que gerou.

É também verdade que a tempestade que se lhe seguiu acaba por exponenciar muitos dos problemas que vinham de trás… e vem também criar novos problemas, novas dores-de-cabeça, novos desafios. E o conflito na Ucrânia acaba por apenas uma acha mais, uma acha grande e com forte poder de combustão, mas apenas uma acha mais a inflamar a fogueira em que já vivíamos,

Tudo isto exige novas abordagens, novas ferramentas e, acima de tudo, novas soluções.

Mais eficiência. Melhor performance. Objectivos ambiciosos, mas realistas. Equipas ainda mais motivadas… e, claro, nunca abdicar do investimento e energia ao nível da inovação, da criatividade, da responsabilidade, da sustentabilidade ou da comunicação.

As nossas empresas e as nossas Marcas têm que ser economicamente sustentáveis, mas não podem abdicar de ser verdadeiramente Marcas, de ser Marcas que deixam marca, Marcas que têm uma reputação a defender e uma relação com os seus públicos a proteger.

Há uma relação extensa de problemas que estamos a enfrentar, mas há dois que, provavelmente, são os que mais preocupam o nosso universo de empresas. Duas grandes interrogações muito em linha com o actual contexto.

A primeira passa por saber se o mundo das marcas conseguirá enfrentar, e ultrapassar, as disrupções da cadeia de abastecimento e a vaga inflacionista que estamos a atravessar e a segunda prende-se com o posicionamento que as nossas marcas terão ao longo e no final deste período mais crítico.

Sobre a disrupção, é bom lembrar a inconstância da procura, as reaberturas da economia em momentos e com acelerações distintas, as quebras de fluxos logísticos… fenómenos que geraram um desbalanceamento económico global.

E às causas económicas do pré-pandemia, somaram-se estrangulamentos logísticos, maus anos agrícolas, dificuldades no regresso a operações industriais fluidas, tendo como consequência a escassez de produtos, o desabastecimento dos mercados, agravamentos de custos e, consequentemente, uma forte pressão inflacionista.

A pressão inflacionista já estava presente e em força antes da guerra e o conflito na Ucrânia veio tornar mais visível, acelerar e agravar o problema. Mas estamos também a enfrentar a desabituação de quase 40 anos em que não tivemos que lidar com um fenómeno desta dimensão e isso obriga-nos a um processo de reaprendizagem. Tal como do ponto de vista operacional o just-in-time com que estávamos a trabalhar no pré-pandemia tem que ser progressivamente substituído pelo just-in-case e o nearshoring que os tempos actuais exigem.

Sobre o posicionamento das marcas face ao impacto da inflação e das disrupções nas cadeias de abastecimento, sabemos que o agravamento dos preços e a perda de poder de compra vão tornar o mercado mais agressivo e competitivo, mas também mais curto e pressionado a nível de margens.

A transposição do agravamento de custos para o consumidor é crítica e tem um efeito-cobertor: se nos focamos apenas na protecção da rentabilidade, provavelmente perderemos um consumidor com forte perda do seu poder-de-compra. E vice-versa… 

Sabemos também que períodos de dificuldades económicas são, tendencialmente, favoráveis ao crescimento do peso das marcas própria, seja pelo argumento do preço mais baixo, seja pela agressiva concorrência entre as marcas próprias dos diferentes retalhistas, seja pelo ganho de quota dos retalhistas do chamado sortido curto, a que estamos a assistir, e que pelo fortíssimo peso das MDD nas suas prateleiras, ‘empurram’ o consumidor que vai às suas lojas para a respectiva compra.

E vemos também a prescrição despudorada das Marcas de Distribuição por entidades com responsabilidade e pelos órgãos de comunicação social, de que obviamente não gostamos.

Por tudo isto, vai ser impossível fugir de uma batalha feroz pelo espaço de prateleira e provavelmente serão ainda mais agravados os correspondentes custos de acesso e é, também, fundamental não virar a cara à luta pela defesa da liberdade de escolha, face à antecipada hegemonia das marcas próprias, à compressão de sortidos e à perda de espaço das segundas marcas.

As Marcas terão que ser capazes de usar as suas armas para contornar as armadilhas próprias destes momentos e de um mercado em que o consumidor verá diminuída a sua capacidade de comprar, de consumir e de escolher. E não quererão deixar crescer o gap entre os seus preços e os das marcas próprias, não abdicando de usar as ferramentas promocionais para atrair a atenção do consumidor e limitar aquele diferencial de preços.

Nunca se deve esquecer que é ao retalhista que cabe a fixação dos preços nas suas prateleiras, das suas marcas e das marcas dos seus fornecedores. Nem que os clientes das nossas Marcas são, queiramos ou não, também nossos concorrentes. E que no terreno do grande jogo da moderna distribuição, em que vivemos, os retalhistas são, simultaneamente, árbitros do linear e jogadores da prateleira.

Julgamos, pois, que as políticas públicas terão que endereçar de forma muito mais eficaz a questão do poder de compra dos consumidores, seja pela via fiscal, seja pela via salarial. Minimizar o impacto do fenómeno inflacionário no rendimento disponível das famílias, não gerará um agravamento a crise… antes contribuirá para a mitigar.

Defendemos que os programas de apoio à economia têm que chegar mais rapidamente às empresas, gerando efeito de alavancagem, sendo que os atrasos nas avaliações, aprovações e pagamentos apenas funcionam como travão ao investimento e às transformações que as empresas não podem deixar de fazer.

E, obviamente, que nas sucessivas revisões destes programas, deve ser dado mais espaço, flexibilidade e relevo ao investimento na Marca, seja pela via da propriedade intelectual, seja também nos investimentos com ela relacionados: na sua aquisição, comunicação, design ou inovação.

É muito provável que um contexto económico mais difícil signifique um potencial agravamento das tensões ao longo da cadeia de abastecimento, pelo que que este será o momento adequado para reforçar os meios de monitorização e fiscalização de mercado pelas autoridades competentes, bem como para o estabelecimento de programas regulares e proactivos de verificação do seu funcionamento.

Para além disso, considerando o forte peso promocional do mercado nacional e como o fenómeno assume especial importância para o consumidor no cenário em que enfrenta uma significativa perda do seu poder de compra, é importante que a implementação da nova legislação em matéria de promoções seja, não apenas cuidadosa, mas que considere também que o combate a falsas promoções não tenha como consequência a incapacidade de realizar verdadeiras promoções.

A necessidade aguça o engenho e tempos difíceis exigem soluções arrojadas.

Mas tempos difíceis exigem também visão de conjunto, trabalho em parceria e solidariedade ao longo da cadeia de valor.