ALMA DE MARCA
Ideias e Reflexões #paramarcasquemarcam
Opinião
EVOLUÇÃO DO CONSUMO MOSTRA JÁ SINAIS CLAROS DO IMPACTO DA INFLAÇÃO
A cada mês que passa os sinais da crise são mais claros e o seu impacto sobre o consumo é mais evidente.
TAGS

 

A cada mês que passa os sinais da crise são mais claros e o seu impacto sobre o consumo é mais evidente.

A inflação já estava a evoluir, de forma consistente, antes do conflito na Ucrânia. Sofreu uma forte aceleração com a guerra no Leste Europeu e hoje afecta todos os países, todas as indústrias, todos os produtos. Se não for pela via das matérias-primas ou dos materiais de embalagem, sê-lo-á pela componente da energia ou dos transportes. E, claro, alastra a todas as restantes rúbricas de despesa.

Se o ano fica marcado pelo crescimento das vendas empurrado pelos aumentos de preços, tem também como marca-de-água o brutal aumento dos custos, a erosão das margens unitárias e, agora ainda de forma mais sensível, a opção por produtos de menor valor (da mesma categoria ou de categorias substitutas).

Como referia esta semana o Boletim do INE relativo ao Índice de Preços no Consumidor, referente ao mês de Setembro, "a variação homóloga do IPC foi 9,3% em setembro de 2022, taxa superior em 0,4 pontos percentuais (p.p.) à observada no mês anterior e a mais elevada desde outubro de 1992. O indicador de inflação subjacente (índice total excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos) manteve a tendência de subida dos meses anteriores, registando uma variação de 6,9% (6,5% em agosto). A variação do índice relativo aos produtos energéticos situou-se em 22,2% (1,8 p.p. inferior ao valor do mês precedente), enquanto o índice referente aos produtos alimentares não transformados apresentou uma variação de 16,9% (15,4% em agosto)".

É fácil concluir que, nesta altura, energia e alimentação são, infelizmente, os motores maiores da inflação e, embora não se possa confundir o valor de crescimento de preços nos produtos alimentares não transformados com o indicador de preços para o conjunto dos produtos que compõe o universo FMCG, é também fácil de perceber que é hoje nos supermercados que se concentra uma parcela importante das dores de cabeça das famílias portuguesas, apesar da compressão e absorção de custos que tantas empresas estão diariamente a fazer. Não apenas porque as mexidas de preços têm sido muitíssimo frequentes, mas também porque é aí que uma parte significativa do seu rendimento disponível é despendida. Uma parcela proporcionalmente mais elevada, quanto mais curto for o orçamento do agregado familiar.

Apesar disso (ou exactamente por isso) as vendas, de acordo com o mais recente Scantrends da NielsenIQ [relativo à quadrissemana 33-36, de 15 de Agosto a 11 de Setembro] e, como referido, muito empurradas pela evolução dos preços, continuam a dar sinais de forte pujança, com um crescimento de 13,2% face ao período homólogo (e um crescimento, no year-to-date, de 7,7%). Um olhar um pouco mais atento mostra que esses crescimentos são bastante mais elevados na alimentação do que o que se verifica nas outras três grandes famílias: bebidas, higiene pessoal e higiene do lar, que é especialmente notório nos supermercados de maior dimensão, em comparação com as outras tipologias de lojas, e que assenta fortemente no crescimento das marcas próprias.

Diria que há três tendências que se começam a consolidar e que, muito provavelmente, serão ainda mais sentidas nos próximos meses:

(i)    A alteração progressiva das rotinas de compra, com o aumento do número de visitas às lojas e, em compensação, a redução da cesta adquirida em cada uma dessas visitas, tendência que tenderá a favorecer as lojas de proximidade do retalho moderno, em detrimento das lojas do formato hiper (normalmente mais distantes do lar e com um sortido mais ‘tentador’) e dos espaços do comércio mais tradicional, habitualmente menos competitivas em termos de preços.

(ii)   A alteração progressiva da cesta de compra, com uma transferência do consumo para produtos de menor valor, seja no seio da mesma categoria, seja por mudança para categorias de preço unitário (e, geralmente, de qualidade) inferior, o que se começa já a perceber numa simples análise empírica que se pode efectuar em qualquer visita a lojas, mas também já perceptível nos números, quando verificamos que os crescimentos de vendas são inferiores aos crescimentos de preços nas diferentes categorias de produto, consequência das compressões efectuadas pelos consumidores seja ao nível das quantidades compradas, seja ao nível do preço unitário dos produtos.

(iii)  A alteração progressiva da repartição da cesta de compra entre marcas de fabricante e marcas próprias, com um incremento brutal da parcela total de compra das marcas das insígnias dos distribuidores e com uma velocidade de crescimento das MDD que é, nesta altura, entre 3 e 4 vezes maiores do que a que se verifica para as marcas dos fabricantes.

Este crescimento das vulgarmente chamadas ‘marcas brancas’ é, neste período, ‘alimentado’ por diferentes ‘efluentes’, de que certamente o contexto económico (e a redução do poder de compra das famílias) é uma das principais. Mas a que se adiciona a concorrência cada vez mais significativa entre as marcas próprias das diferentes insígnias, o alargamento do portfolio de produtos (e do leque de posicionamentos), a diminuição da profundidade promocional assumida por muitos fabricantes face aos incrementos de custos e disrupções das cadeias de abastecimento, a prescrição cada vez mais repetitiva pelos media, por organizações e até por autoridades e, claro, o crescimento do espaço ocupado pelas cadeias de sortido mais curto, onde o total de vendas de marca própria é entre duas e três vezes a que se observa nas cadeias ditas convencionais.

Como indicava uma outra apresentação realizada pela Nielsen num evento da Centromarca, que teve lugar há poucos dias, se é verdade que as marcas próprias conquistam espaço crescente na cesta básica, é também verdade que os gastos das famílias são bastante mais controlados pela via da escolha das marcas e não tanto pela via promocional. Sendo que as escolhas adoptam como que o formato de uma ampulheta, penalizando os produtos de preço médio e beneficiando os de preço mais baixo (mas não os ditos de ‘primeiro preço’), mas também os produtos de gamas mais premium.

É facilmente compreensível que as populações com orçamentos mais vulneráveis (que de acordo com os cálculos daquela consultora, representarão menos de 30% dos agregados familiares) tenham que fazer ajustes importantes na sua cesta de compras actual, com produtos mais baratos e mais promoções, com mais compra de produtos ‘substitutos’, mais marcas próprias e abdicando da compra de produtos menos essenciais e mais indulgentes.

Contudo,  o grupo que constitui o grosso da coluna, designado como ‘cautelosos’ (quase 60% das famílias), age essencialmente através de alterações ao seu planeamento do acto de compra, com comparações de preços mais cuidadosas, redução dos níveis de desperdício, aproveitamento das promoções das suas marcas favoritas, um cumprimento mais espartano da lista de compras e a busca de lojas onde as promoções sejam mais frequentes, tendo por objectivo último manter o seu padrão de compra actual, sem reduzir volumes e sem abdicar de produtos e marcas, mas – simultaneamente – limitando o impacto da inflação na sua cesta de compra.

Fácil é também compreender que este é um momento particularmente adverso para as marcas e para os seus produtos, para a sua presença nos lineares e para a sua rentabilidade.

Mas é nos mares mais revoltos que se descobrem os melhores timoneiros.

E iremos, certamente, observar nos próximos meses as melhores marcas a, uma vez mais, colocarem em prática estratégias que combatam este ‘monopólio’ das marcas próprias, que interrompam o seu quase monólogo, que convençam os seus públicos que mesmo com preços eventualmente mais altos (tantas vezes fruto de margens comerciais - aplicadas pelos retalhistas - incomparavelmente mais altas e fortemente discriminatórias) são as opções mais adequadas ao  consumidor, seja por razões funcionais e de qualidade, seja por razões emocionais e reputacionais, seja por que são as que melhor se identificam e acompanham cada um de nós.