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Opinião
EM TERRAS DE PRIMOS
Mas vê-se também o poder aspiracional das marcas. Dar uns curtos passeios pelas poucas localidades da ilha e ter conversas várias com os habitantes locais, mostram a muito significativa presença e atracção das mais fortes marcas
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A busca de um momento de pausa levou a uma curta saída do país, mas também a uma reflexão rápida sobre as dinâmicas do turismo, o impacto da pandemia, a relevância da sustentabilidade, a importância fundamental da logística e o poder aspiracional das marcas noutras paragens.

Combinando factores vários, a escolha recaiu na pequena Ilha da Boa Vista, em Cabo Verde, uma ilha que vive do Sol, do Mar, do Vento e do Turismo. Um local inóspito e árido, com muito escassas potencialidades a nível de produção agrícola ou industrial e que não foi bafejado (ou amaldiçoado) pela presença de riquezas naturais.

Um local que a geografia, o clima e a boa-vontade humana, mesmo com alguns custos, vocacionaram para o turismo, pelas suas especificidades, mas também pela ausência de outras alternativas viáveis. Uma antiga colónia lusa onde se sente que os portugueses não deixaram de ser bem-vindos, onde somos normalmente recebidos com um sorridente Olá Primo e onde, para além do dinheiro que deixamos ou da afinidade linguística, somos percebidos como bem mais cordiais que os turistas de outras origens.

Uma Ilha e um País que adoptaram o No Stress como assinatura e que vivem com um ritmo e uma energia muito próprios.

Mas também uma Ilha e um País em que, quando se retiram os ‘óculos de turista’ dos olhos daqueles que para ali viajam em busca de mudança de ares e descanso, se percebe que há, de forma pouco visível, um stress e uma agitação permanentes em todas as áreas de serviços e de apoio das suas infraestruturas hoteleiras. O visitante respira uma atmosfera de tranquilidade e conforto e beneficia. de forma eficiente e discreta, de um serviço atento e de qualidade, bem adequado às expectativas de quem para ali viaja.

Na verdade, foi uma boa surpresa o profissionalismo, a atenção, a eficiência e a grande simpatia com que convivemos neste breve período. Sem falhas nem gralhas. Com bastante mais visitantes do que o que imaginávamos para esta época do ano e com uma clara demonstração do dinamismo do turismo sénior e também da crescente qualidade de vida e poder económico dos já retirados da vida activa da maior parte dos países europeus.

Hoje, ali e noutros locais semelhantes por esse mundo fora, a dependência económica do turismo é quase total, a parcela da população que dele vive é elevadíssima e é fácil perceber que esta ‘monocultura’ do turismo traz alguma riqueza, emprego, um certo dinamismo económico, mas que comporta igualmente custos e riscos. Como é fácil de deduzir, por exemplo,  as ‘feridas’ e o desespero que o período da pandemia terão introduzido nestas regiões.

Que futuro existiria se o turismo definitivamente definhasse? E as populações locais, pelo menos no curto/médio prazo, viveriam de quê? Que alternativas de sobrevivência restariam? Viajar pela ilha significa percorrer amplas áreas sem ver vivalma e significa passar também por vários empreendimentos semi-construídos, cujos trabalhos pararam no início de 2020 e que, mesmo agora, aparentemente ultrapassada a crise sanitária, estão numa encruzilhada entre a conclusão e a implosão.

Em abono da verdade, as dinâmicas superam as nossas certezas momentâneas e basta recordar as ‘verdades’ de há dois-três anos atrás e perceber como ‘sempre’ e ‘nunca’ são demasiado tempo. Por exemplo, NUNCA mais haveria turismo de massas ou qualquer atractivo em realizar viagens longas e arriscadas. Por exemplo, ninguém se deslocaria para zonas em que não houvesse garantia absoluta da qualidade de resposta dos serviços de saúde… tudo ‘verdades’ absolutas, mas de natureza muito efémera.

Quando se vive ao ritmo dos aviões que aterram e das embarcações que atracam, o turismo apenas pode funcionar eficientemente se possuir uma estrutura logística muito bem montada. O hotel em que estivemos alojados é uma das três unidades que o respectivo grupo possui na ilha e que no seu conjunto dispõem de capacidade de alojamento para mais de 5.000 pessoas. Num local onde não há basicamente nada, tudo tem que chegar do exterior, tudo tem que ser armazenado e conservado e, acreditem, o consumo nestes locais, empurrado pelo ‘tudo incluído’ é elevadíssimo.

Por isso, a máquina tem que estar muito bem oleada para que a higiene, frescura, abundância, diversidade e segurança alimentar sejam permanentemente garantidas e num Janeiro de clima penoso em muitas partes da Europa, numa fase em que os fluxos de transportes ainda apresentam deficiências e em que vemos rupturas pontuais de um ou outro produto nas prateleiras dos nossos espaços comerciais, é surpreendente ver que ali, algures no meio do Atlântico, nada falta, nem nada falha.

Meia dúzia de milhares de visitantes e mais seis milhares de habitantes em pouco mais de seiscentos quilómetros quadrados são, ainda assim, exigentes ao nível de água. resíduos e energia. Numa ilha seca e árida, o consumo de água é um problema e o escasso investimento em dessalinização deixa disponibilidades muito curtas, sendo que a água para uso humano não deixa espaço à sua utilização em irrigação ou em processos produtivos.

A produção de resíduos, apesar do esforço na sua contenção, é ainda assim algo significativa. Contudo os aterros existentes são limitados e, acima de tudo, apresentam dificuldades de contenção dados os regimes de vento que são sentidos. São, assim, necessárias acções sistemáticas de limpeza das áreas mais abertas, bem como das praias que recebem detritos trazidos de outras paragens pelas marés.

Numa ilha onde não falta sol nem vento, o investimento em energias renováveis é ainda curto e precisa de ser rapidamente expandido, até para fazer face aos consumos adicionais que novos empreendimentos turísticos necessariamente criarão.

Cabo Verde é um país pobre e com escassos recursos de investimento, mas terá forçosamente que construir equilíbrios, difíceis, mas necessários, entre um turismo dinâmico e a escassez que o rodeia. Um equilíbrio sustentável que conjugue os resultados que se vão sentindo a nível social e económico, com a incontornável vertente energética e ambiental. Para que a jovem galinha dos ovos-de-ouro não se converta numa galinha velha e suicida.

Uma referência mais a fechar: se é inequívoco o acolhimento, a simpatia e o calor que se vive nos espaços confinados das melhores unidades hoteleiras, isso não consegue fazer esquecer as dificuldades e a menor qualidade de vida de boa parte da população. Vê-se eventualmente mais pobreza, mas se calhar menos miséria, do que em muitas das zonas mais degradadas do nosso país.

Mas vê-se também o poder aspiracional das marcas. Dar uns curtos passeios pelas poucas localidades da ilha e ter conversas várias com os habitantes locais, mostram a muito significativa presença e atracção das mais fortes marcas nacionais e internacionais, muitas delas ligadas ao universo do grande consumo, como mostram também a preferência e a referência constante às marcas maiores do nosso futebol. Na mais importante localidade da ilha – Sal-Rei - teremos visto, em proporção, mais camisolas do Porto, do Benfica, do Sporting ou da Selecção Portuguesa do que aquelas que vemos normalmente em Lisboa ou na Invicta.

Sinais da empatia criada por essas marcas, mas símbolos e sinais também de uma relação saudável entre dois povos com um coração, uma personalidade e um passado comuns.