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Opinião
EM MODO CRISE, É IMPORTANTE DECIDIR O QUE NÃO FAZER
Quando enfrentamos, como agora, uma crise inesperada e de forte impacto na economia e na sociedade
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Quando enfrentamos, como agora, uma crise inesperada e de forte impacto na economia e na sociedade, quando vivemos há dois anos e meio imersos em incerteza, imprevisibilidade, assimetria e volatilidade, nem sempre é fácil descortinar as melhores pistas de solução, nem sempre é fácil tomar decisões que nos permitam sobreviver ao presente, sem colocar em causa o futuro.

As dúvidas superam as certezas, o futuro tem muito mais perguntas do que respostas e, por esta altura, antecipar cenários, definir estratégias e preparar planos de acção assemelha-se a um trabalho de equipa de um vidente, um astrólogo e um contorcionista.

De qualquer forma, tal como cada um de nós teve encruzilhadas na vida em que teve dificuldades em tomar um determinado rumo e em que nos pratos da balança certamente colocou aquilo que não gostaria de fazer ou aquilo que não gostaria que acontecesse, também as empresas, face a uma crise como a que atravessamos, terão certamente dúvidas sobre qual o melhor caminho a seguir, mas poderão, sempre, realizar um primeiro exercício: decidir o que não fazer.

Colocando o foco no universo do grande consumo, há alguns tópicos que poderão ser levados em linha de conta. Assim:

(1)      Descartar a reduflação

O aumento dos custos de produção leva sempre ao receio que os consequentes aumentos de preços de venda ao público possam gerar uma reacção negativa por parte do consumidor. Uma hipótese seria a de reduzir dimensão, peso ou volume, e, dessa forma, não aumentar o preço do produto. No entanto, o consumidor irá sentir-se defraudado. Mais ainda se a redução de dimensão não for objecto de ampla comunicação. E sentirá sempre que lhe estarão a tentar esconder o efeito da inflação.

(2)     Evitar as reduções de qualidade

Uma outra hipótese de tentar driblar a inflação, seria a de recorrer a matérias-primas ou materiais de embalagem de menor custo, permitindo -assim – não agravar os preços na medida proporcional do agravamento dos custos normais do produto. Mesmo que num primeiro momento, a redução de qualidade possa sustentar a posição concorrencial e o embate da inflação, a quebra de qualidade corresponde uma factura pesada a pagar no médio-longo prazo e à quebra de um dos compromissos base de uma marca com os seus públicos…e tal qual como nas relações humanas, rompido o lanço de confiança é muito difícil restabelecê-lo e qualquer incompreensão é suficiente para um divórcio permanente… e litigioso, entre marca e consumidor.

(3)     Não apostar as fichas todas nas gamas mais básicas

Parece óbvio que a redução do poder de compra leva uma ampla franja de consumidores a ter uma sensibilidade acrescida em relação ao factor-preço e, na proporção das suas dificuldades, a reduzir ou mesmo abandonar o consumo dos produtos que entenda como não prioritários e mesmo nestes, a substituir o consumo de produtos, apostando nas gamas de melhor preço. Estas opções afectam as vendas e a quota de mercado das marcas e é natural que uma das reacções seja a tentativa de se tornar mais competitiva via preço e apostar em lançamento em segmentos de menor valor. Mas essa opção, em especial nas marcas mais premium, tende a desgatar a imagem e reputação das marcas, a afastar as mesmas do top-of-mind das marcas mais recordadas e escolhidas pela ‘porta’ da qualidade e, também aqui, a gerar uma pesada factura a ser paga mais à frente, quando o mercado retomar o ciclo de crescimento.

(4)    Mais quantidade nem sempre significa a melhor resposta

Minimizar a estrutura de custos de um produto permite minimizar o impacto da passagem dos agravamentos de custos para o cliente e para o consumidor. Unidades de maior dimensão, por exemplo, do tipo familiar, podem permitir comprimir os custos operacionais ou os custos com os materiais de embalagem e tornar os produtos proporcionalmente mais competitivos. O consumidor, especialmente quando fazendo compras para agregados familiares mais numerosos, tende a considerar as unidades maiores, mais atractivas em termos de preço. Mas, como sabemos, as famílias em Portugal são cada vez mais pequenas e mesmo no seio de cada família, o consumo pode variar amplamente de pessoa para pessoa. Por isso, são também muitos os que procuram os produtos de pequena dimensão, as unidoses, de mais fácil gestão no dia-a-dia, de menor valor unitário (e de menor ‘investimento’ no acto de compra), menos geradores de desperdício, indutoras de uma maior diversificação do consumo,

(5)     Assimetria do impacto da crise implica assimetrias nas rotinas de compra

Nas empresas todos estão extremamente atentos à evolução dos dados de consumo e muito focados em perceber as novas tendências e as alterações de hábitos. É verdade que essas alterações ocorrem de forma estrutural (nutrição, sustentabilidade, bem-estar, naturalidade, portugalidade), mas outras ocorrem, de forma célere como no momento actual, empurradas pelas circunstâncias da conjuntura. Mas esta ânsia de perceber o que é novo, faz-nos esquecer que a maior parcela do mercado altera os seus hábitos e rotinas de forma mais lenta e menos radical. E leva-nos, por vezes a esquecer, que muitos consumidores continuam a exigir inovação, diferenciação, qualidade acrescida, conveniência, sustentabilidade, experiência de compra. E não lhes dar a devida atenção é ceder à tentação do imediato e poder perder, por distração, a parte do mercado que permite uma maior e mais sustentada construção de valor.

(6)     Não cair na tentação de realizar promoções destrutivas

O fenómeno promocional, quando realizada numa dimensão adequada, tem inúmeras virtudes: gerar reconhecimento e notoriedade ao produto e à marca, impulsionar vendas, reagir aos movimentos da concorrência, conquistar a atenção do consumidor, conduzir à experimentação e à repetição e assim por diante. Num mercado onde a penetração da promoção atingiu, há vários anos, níveis muitíssimo elevados, a ‘saturação’ tende a gerar uma dificuldade em alcançar índices de multiplicação de vendas elevados, mas – ao invés - permite uma redução do diferencial de preços entre as marcas dos fabricantes e as marcas próprias das insígnias, tornando os preços mais atractivos aos olhos dos consumidores. Hoje, a quebra do poder de compra, o aumento do diferencial de preços alimentado pelos retalhistas e o crescimento de vendas das marcas próprias, tendem a empurrar os fabricantes para ampliar ainda mais as suas acções promocionais, mas a saturação, a quebra de rentabilidade, a eventual incompreensão do consumidor da resposta ao aumento de preços com o aumento das promoções e o efeito reputacional negativo que as promoções excessivas geram, deveriam obrigar as marcas a equacionar devidamente a sua estratégia nesta área.

As certezas são hoje muito curtas. A evolução dos custos apresenta enormes pontos de interrogação.

A conjugação das dinâmicas de inflação e rendimento aponta para uma ampla redução do poder de compra. Um consumidor com menos rendimento disponível, implica um mercado mais curto, mais complexo e mais concorrencial

É fundamental errar pouco nas soluções e nada melhor do que descartar, desde logo, os caminhos que mesmo que, aparentemente, possam ajudar a resolver os problemas do presente, podem gerar dificuldades irresolúveis no futuro.