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Opinião
EM MATÉRIA DE CONCORRÊNCIA, TODO O CUIDADO É POUCO
AdC vai assegurar que o processo associado à implementação do chamado dossier ‘IVA Zero’, “não se traduza num regime de autorregulação ou de coregulação, que possa ser usado para distorcer ou restringir a concorrência.
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No passado dia 4 de abril, a Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar recebeu e ouviu os Secretários de Estado do Comércio, Serviços e Turismo, Nuno Rodrigues, e da Agricultura, Gonçalo Rodrigues, e as entidades públicas que integram a PARCA: GPP, DGAE, DGConsumidor e AdC.

Em representação desta última, o respectivo Vogal, Miguel Moura e Silva, referiu que aquela Autoridade iria assegurar que o processo associado à implementação do chamado dossier ‘IVA Zero’, “não se traduza num regime de autorregulação ou de coregulação, que possa ser usado para distorcer ou restringir a concorrência. É fundamental que todos os intervenientes continuem a definir de forma independente a sua política de preços”.

Miguel Moura e Silva lembrou, na ocasião, que o Pacto para a Estabilização e Redução de Preços dos Bens Alimentares estabelecido para acautelar que a eliminação temporária do imposto, até outubro, será repercutida no preço de venda aos consumidores não pode, de nenhuma forma, limitar a capacidade de as empresas retalhistas “definirem livre e individualmente” os preços de bens.

Aquele Pacto vai “exigir ou encorajar” a divulgação de informação sobre preços e custos das empresas, sendo indicado que a AdC irá actuar “de forma a reforçar o princípio de que a informação prestada por cada operador não seja disponibilizada aos demais, assegurando que não há troca de informação direta ou indireta entre os operadores envolvidos, que possam pôr em causa a concorrência efetiva”, confidenciando aquela Autoridade que não procede à monitorização de preços, “a não ser nos casos em que isso ajuda a compreender o contexto ou a identificar indícios de uma eventual concertação de preços”.

Entretanto, na edição deste fim-de-semana do Expresso chama-se a atenção que “a Autoridade da Concorrência (AdC) deixou um aviso à navegação destinado à cadeia de valor dos bens que chegam à casa dos portugueses, incluindo a alimentação”, recordando que a troca de informação estratégica e sensível entre empresas é ilegal e defendendo que a concorrência se verifica quando há pressão sobre as margens de lucro. E não se esqueceu de adicionar que, depois dos célebres processos de hub-and-spoke, está sensível à realização de mais investigações e à aplicação de mais sanções.

E como bem sabemos, em matéria de concorrência todo o cuidado é pouco…

"Uma maior concorrência entre empresas resulta em preços mais baixos, através de uma pressão descendente sobre as margens de lucro e sobre os custos, em benefício do bem-estar dos consumidores e da competitividade da economia", refere a AdC no seu Guia de Recomendações relativas à Cadeia de Valor dos Bens de Consumo, com o qual pretende sensibilizar as empresas para a importância de adoptarem estratégias de mercado alinhadas com as melhores práticas de concorrência, pois "tal é crucial para assegurar o eficaz funcionamento dos mercados, contribuindo para que os preços pagos pelas famílias sejam justos e competitivos, nas actuais circunstâncias económicas".

Numa perspetiva preventiva, e com base na experiência adquirida, a AdC identifica naquele Guia potenciais comportamentos de risco para a concorrência, a evitar pelos agentes económicos, e esclarece quais são proibidos pela Lei da Concorrência, incluindo os susceptíveis de surgir no âmbito das relações entre fornecedores e distribuidores, recorrendo a exemplos.

Este documento comporta um conjunto de orientações em que se estabelecem limites da legalidade na actuação das empresas, sendo referenciado que "as margens ao longo da cadeia de valor não devem ser garantidas à custa de uma concertação de preços entre empresas". Acrescenta-se que "a imposição de preços de revenda e a troca, direta ou indireta, de informação estratégica e comercialmente sensível é ilegal, mesmo em contextos promocionais", sem esquecer que "as acções de pressão, coacção e retaliação que tenham em vista assegurar a concertação de preços não são aceitáveis".

Neste âmbito, indica a AdC, "a partilha de informação entre fornecedor e retalhista no que respeita às ações promocionais é particularmente importante, não só quanto à escolha dos artigos e respetivo enquadramento, mas também de forma a garantir a disponibilidade da quantidade de produto e a comparticipação – no caso de ações comparticipadas pelo fornecedor", lembrando que a imposição de preços de revenda em contextos promocionais é ilegal e que um retalhista deve definir as suas ações promocionais de forma autónoma, garantindo a sua liberdade de definir preços promocionais, mesmo em ações comparticipadas.

E se, como a AdC refere no Guia, “fornecedores e retalhistas podem discutir entre si, em múltiplas ocasiões, questões referentes a margens, sendo normal e expectável a partilha de preocupações sobre esta matéria”. Recorda também que uma mera recomendação de PVP “não deverá implicar uma expectativa, muito menos uma garantia, quanto aos PVP a serem transversalmente implementados no mercado e não devem existir garantias de compensação pelo fornecedor ao retalhista, que se afastam da tradicional alocação de risco entre fornecedores e retalhistas”.

A existência de uma margem fixa ou de negociações referentes a uma compensação para acautelar essa margem pode tornar-se preocupante “quando a sua solicitação, pelos retalhistas, esteja associada ao comportamento de alinhamento ou desvio pelos seus concorrentes no mercado” e a “fixação do nível de PVP com vista a garantir margens mais altas ao longo da cadeia de valor é ilegal e ocorre à custa de uma restrição da concorrência, em prejuízo dos consumidores”.

É, do ponto de vista da Autoridade da Concorrência fundamental que os agentes económicos na cadeia de valor revejam sistematicamente a sua atuação comercial, por forma “a prevenir comportamentos de risco" e a alcançar aqueles que são os mais directos benefícios da concorrência: "oferecer preços mais competitivos, maior quantidade e mais qualidade", recordando a sua função: “assegurar a defesa da concorrência, através do pleno exercício das suas competências de investigação e sanção de práticas anticoncorrenciais".

Por exemplo, a AdC refere que uma recomendação de preços de venda ao público (PVP) não deve eliminar a liberdade de determinação de preços por parte das empresas. sendo que os PVP são um elemento crucial para o posicionamento do produto no mercado e uma variável importante da política comercial das marcas.

Por isso, os fornecedores podem comunicar preços de revenda recomendados, desde que os mesmos sejam verdadeiramente não vinculativos, isto é, sejam meras recomendações. Em contrapartida, a recomendação de preços não será lícita se estes, ao invés de serem recomendados, se revelarem, na prática, verdadeiros preços fixos a praticar no mercado ou se forem indutores ou concretizadores de uma estratégia de alinhamento horizontal do PVP.

A Autoridade recorda que caso os preços indicados pelo fornecedor aos seus retalhistas sejam considerados e discutidos efetivamente como PVP a serem implementados pelos vários retalhistas futuramente no mercado, manifestando estes últimos o seu consentimento no pressuposto ou na expetativa de alcançar um alinhamento com os concorrentes, é altamente provável que esteja em causa uma prática concertada de fixação indireta de preços.

Finalmente, e por certo com o Pacto para a Estabilização e Redução de Preços dos Bens Alimentares em mente, a AdC lembra  que as margens ao longo da cadeia de valor não devem ser garantidas à custa de uma concertação de preços entre empresas e que "as ferramentas de monitorização de preços de venda ao público (PVP) não devem ser utilizadas como instrumento de coordenação e fixação de preços", chamando a atenção para que “as perturbações temporárias de cadeias de abastecimento ou qualquer forma de anúncio público de preços não devem ser utilizadas para ocultar ou camuflar práticas restritivas da concorrência".