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Opinião
É PRECISO DAR UM NOVO IMPULSO AO ASSOCIATIVISMO EMPRESARIAL
Fui, esta semana, convidado pela Associação das Marcas do Retalho e da Restauração [AMRR] e pelo seu presidente Miguel Pina Martins, a participar num painel sobre Associativismo na sua Retail Summit
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Fui, esta semana, convidado pela Associação das Marcas do Retalho e da Restauração [AMRR] e pelo seu presidente Miguel Pina Martins, a participar num painel sobre Associativismo na sua Retail Summit, onde, com a moderação da Joana Petiz, tive a oportunidade de trocar impressões com o João Vieira Lopes (presidente da CCP) e com o Gonçalo Lobo Xavier e o Rodrigo Moita de Deus, directores gerais da APED e da Associação Portuguesa de Centros Comerciais [APCC].

O convite acabou por me conduzir a algumas reflexões sobre o presente o futuro do associativismo empresarial no nosso país e à clara convicção de que ele precisa de um novo impulso que lhe permita sair de um certo marasmo em que se foi acomodando nos últimos anos.

As associações empresariais são representações de interesses, mas devem ter uma missão clara e uma visão focada do caminho a trilhar e dos obstáculos a enfrentar. Devem ser construídas em cima de estatutos claros, dinâmicos, mas estáveis, devem cumprir as obrigações que deles emergem e devem possuir total transparência em relação ao seu inventário de associados.

As associações empresariais devem justificar a sua existência, especificidade e especialização, mas devem, em simultâneo, estar abertas a movimentos de consolidação, que promovam a remoção de custos de contexto e a conquista de ganhos de eficiência. Trata-se de uma crescente profissionalização, mas também da capacidade de constituir entidades estrutural e financeiramente mais fortes, promovendo a sua capacidade de atrair e reter talento. Melhores órgãos sociais e melhores profissionais, preferencialmente sem agendas que colidam com os objectivos das entidades a que estão ligados, são, seguramente, um pressuposto base para melhores associações.

O associativismo, em democracia, é livre e voluntário, o que tende a gerar uma multiplicação de associações que, em várias circunstâncias se sobrepõem ou se tornam redundantes, ao mesmo tempo que prosseguem objectivos difusos e geram ruído. Mas essa proliferação funciona também como justificação para que tantas e tantas empresas usufruam dos seus trabalhos, sem que se sintam obrigadas a filiar-se e a suportar os custos dessa filiação.

O movimento associativo tem, pois, de ser capaz de criar um conceito de ‘penalização social’ que combata este parasitismo. Tal como poderíamos falar em relação à arrecadação fiscal, se todos contribuírem para o movimento associativo, cada uma das entidades será obrigada a um esforço menor, sem penalização do investimento necessário à obtenção de melhores resultados e com ganhos óbvios de representatividade.

Por outro lado, a busca contínua de eficácia deve conduzir, em várias associações, à redução de estruturas provenientes de tempos passados, pesadas, envelhecidas e desfocadas da realidade actual. E caminhar no sentido de uma mistura de maior valor e maior recurso a apoio especializado externo. A qualidade e poder de influência das posições defendidas pelas associações é tanto maior, quanto elas sejam proactivas, sejam devidamente alavancadas em trabalho de entidades reconhecidas e sejam construídas considerando as diferentes vertentes de cada dossier. Associações mais apostadas na prevenção de problemas e antecipação de impactos do que na correcção de incidentes de percurso e na gestão de crises.

O associativismo intersecta a Sociedade Civil e a Administração e tem que assumir, simultaneamente, uma faceta de prestador de serviços, combinada com uma vocação clara de Advocacy ou de Representação de Interesses e, exactamente para não ser confundida com actividades nebulosas ou ilegítimas, deve ser devidamente balizado, sendo que não vejo qualquer objecção à criação de um registo público para todas as entidades e pessoas que exerçam este tipo de actuação.

Só assim ficará claro quem representa quem, quem deve ser ouvido e consultado na discussão de determinado assunto e só assim se garantirá que a melhor informação e a avaliação das várias posições é efectiva e justa, até para que – como hoje repetidamente se verifica – não se confunda ruído com voz, activismo com representatividade e opinião publicada com opinião pública.

Nas Associações Empresariais devemos usar sempre os melhores argumentos para fazer valer os nossos pontos de vista, mas devemos fazê-lo com lealdade, suportados em cima de documentos seriamente preparados e em informação fidedigna e nunca esquecendo que a defesa dos nossos interesses não pode corresponder à penalização dos interesses que outros, legitimamente, tenham.  Sempre com a consciência associada à velha máxima de que uma boa decisão é, normalmente, uma decisão relativamente à qual todos se sintam igualmente desconfortáveis.

E devemos assumir essas responsabilidades não apenas internamente, mas também no contexto europeu e internacional, recordando que, por exemplo, na União Europeia estão fortemente sedimentados os mecanismos de audição e de intervenção de diferentes entidades, sejam as nacionais, as geograficamente relevantes ou as com responsabilidades sectoriais, sendo que o  registo de interesses e a capacidade de intervenção dessas entidades é não apenas reconhecida e aceite, como é amplamente valorizada e procurada.

É importante fazer perceber ao nosso Governo e Administração que a nossa capacidade de intervenção junto das nossas congéneres comunitárias pode ser uma ferramenta muito valiosa na defesa das posições nacionais nas instâncias europeias e que deve existir uma intenção proactiva de alinhamento de posições e estratégias.

Às Associações Empresariais cabe uma inequívoca função de produtor e de agregador de informação, a qual é a verdadeira energia que alimenta o seu trabalho, sempre assente no princípio de que o que não é possível medir, não é possível gerir. Mas essa função não pode ser exercida sem o reconhecimento de todas as condicionantes introduzidas pela legislação da concorrência, nem sem a adopção (e revisão sistemática) de políticas de compliance muito estreitas e exigentes.

As Associações Empresariais desempenham um papel de relevo para a sociedade e para assegurar o seu financiamento e funcionamento devem ter a legitimidade de aceder aos apoios públicos disponíveis, tal como acontece com os serviços públicos ou as empresas. Contudo, essa disponibilidade de apoios, por vezes desfoca a sua actuação, porque em alguns casos se opta por trabalhar para a concretização desses apoios, em detrimento das suas actividades prioritárias, mas, para além disso, porque a subsidiação tende a gerar uma dependência elevada face a recursos a que não seria possível aceder sem o recurso a esses apoios e, pior, tende a criar uma dependência, que se converte em mecanismo de controlo político, entre as estruturas que tutelam os financiamentos públicos e as entidades da sociedade civil.

Finalmente, as Associações Empresariais, tal como os representantes eleitos e outras entidades devem criar mecanismos – neste caso, de raiz estatutária - que combatam a perpetuação das lideranças. Muitas vezes por ausência de alternativas viáveis, pelo peso empresarial de alguns associados, por comodismo e até pelo apego ao poder de alguns dos seus responsáveis, verifica-se uma renovação menor do que o desejável. Essa perpetuação sente-se não apenas na liderança dos respectivos órgãos sociais, como também nas respectivas direcções executivas e tende a ‘encolher’ o desenvolvimento da acção das associações e a dificultar os processos de agregação e de especialização.

Algumas dessas lideranças assumem uma função de ‘eucalipto’, matando sucessivas alternativas que possam ser geradas e funcionam como factor de definhamento dos naturais fenómenos de transição geracional. Lideranças ‘eucalipto’ contribuem também para a menor profissionalização das estruturas executivas e operacionais, espartilhando a actuação e inibindo a comunicação

Deve, pois, existir um saudável princípio de limitação de mandatos nos órgãos sociais das Associações e a capacidade de renovar as respectivas equipas directivas, seja ao nível das entidades representadas, seja ao nível das pessoas que as representam.

Em suma, só é possível um melhor Associativismo Empresarial com melhores associações que lhe deem corpo. Só é possível um melhor Associativismo Empresarial com profissionais mais vocacionados, mais preparados e mais ambiciosos. Só é possível um melhor Associativismo Empresarial se o mesmo possuir o necessário financiamento para o cabal exercício das suas funções (e se as empresas estiverem disponíveis para esse apoio). Só é possível um melhor Associativismo Empresarial se as entidades assumirem, seja a nível de estatutos, seja a nível de regras de conduta, seja a nível de políticas de compliance, um registo absolutamente irrepreensível.