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Opinião
DEPOIS DE UM VERÃO COM CÉU AZUL, CHEGA A TEMPESTADE INFLACIONISTA
Como é muito usual no nosso país (mas não só), há quem leve as férias e o período estival muito a sério. Se é suposto fazer um break, faz-se realmente um break.
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Como é muito usual no nosso país (mas não só), há quem leve as férias e o período estival muito a sério. Se é suposto fazer um break, faz-se realmente um break. Em termos de trabalho e das freimas do dia-a-dia, mas também de outras preocupações que, infelizmente, não desaparecem porque está bom tempo, porque o som das ondas do mar nos faz massagens ou porque é altura de falar da temperatura da água, do jantar da véspera ou das viagens que se fizeram, que se vão fazer ou que se gostariam de fazer.

Os aborrecimentos ficam para a rentrée. E nessa altura pensa-se nisso!

Os verões de 2020 e 2021, recorde-se, foram vividos quase como um interlúdio entre vagas da pandemia, com a expectativa de que, finalmente, se conseguiria – com a ajuda do processo de vacinação – ultrapassar a crise de saúde pública e regressar a uma vida quotidiana e a rotinas próximas do que estabelecemos como a ‘normalidade’.

2022, o ano que seria da retoma e da recuperação, acabou por ser atingido em cheio pela crise económica global, que se vinha ‘cozinhando’ desde meados do ano passado. Um misto de crise logística e de aprovisionamento, misturado com os efeitos da guerra no Leste Europeu, resultando em impensáveis agravamentos de custos, numa carência energética difícil de suprir, na escassez de várias matérias-primas e materiais de embalagem, no agravamento estonteante das taxas de juro, numa vaga inflacionista sem precedentes nem comparativos e, consequentemente, numa perda muito significativa do poder de compra, do rendimento disponível das famílias e da sua capacidade de adquirir, mesmo os produtos mais básicos.

Na semana passada, a consultora Boutique Research divulgou um muito interessante trabalho sobre o impacto desta crise na mudança de comportamento dos portugueses e no agravamento das preocupações de cada um de nós face a este novo cenário. No respectivo texto de introdução, salienta-se que "neste verão os portugueses tiveram um break da pandemia" e embora "já se notasse uma subida de preços generalizada, decorrente da guerra na Ucrânia, o verão foi vivido em pleno por grande parte da população".

Contudo em Setembro e "com o regresso às rotinas, as notícias sobre o impacto da subida da inflação multiplicaram-se e a retração e o medo começam a estar bastante presentes nos comportamentos dos consumidores". Por isso, não surpreende que este novo leque de preocupações se traduza já "numa mudança de comportamentos dos consumidores a que as marcas têm de se ajustar rapidamente, satisfazendo as novas necessidades que emergem do actual contexto" e tentando manter-se relevantes.

No survey realizado há poucos dias, ficou claro que nível de preocupação em relação ao futuro, é, actualmente, ainda mais elevado do que aquele que se verificava em Março de 2020, no início da pandemia.

Então, havia dúvidas quanto à dimensão do problema que estávamos a enfrentar, mas, havia também – naquele momento – alguma expectativa de que a respectiva ultrapassagem pudesse ser relativamente rápida. E, não obstante, as vagas sucessivas que fomos vivendo, multiplicaram-se os momentos de expectativa positiva e de crença nos esforços científicos que estavam a ser realizados. Como todos sabemos, o problema não está extinto (nem próximo disso), mas a convivência com a doença é, hoje, relativamente pacífica e o tema abandonou os noticiários diários, passando a ser objecto de meras referências esporádicas e, em boa verdade, já não assusta as populações, como aconteceu, de forma quase kafkiana, nos primeiros meses do covid, em que vivemos totalmente condicionados pela doença e totalmente orientados para a doença.

Nesta altura, as nossas preocupações podem não envolver um risco imediato de vida e não se medem em testes positivos, internamentos e mortes, mas acabam por impactar aspectos aparentemente mais prosaicos da nossa vida diária, mas mais perenes e igualmente muito impactantes na nossa qualidade de vida. Com a pandemia, enfrentávamos o desconhecido. Com a actual crise, enfrentamos o incerto, mas ainda assim de consequências bem presentes, facilmente antecipáveis e muito duras de suportar, de mais a mais, quando temos vivido crises económicas sucessivas e sabemos, de antemão, a dor que elas provocam.

Quase 9 em cada dez portugueses antecipam um agravamento da situação económica no país, o que nada tem de surpreendente. Surpresa será, sim, existir um grupo superior a um décimo da nossa população que julga que, apesar do que estamos a viver, Portugal sairá incólume desta crise. Esta é uma crise global e, por exemplo, ao contrário do que aconteceu no período da Troika, os nossos principais mercados vivem uma situação, no mínimo, tão preocupante como a nossa e, ao mesmo tempo, vemos gripar os motores das duas mais dinâmicas economias, europeia e mundial: Alemanha e China. Por isso, não iremos sentir apenas os nossos problemas. Iremos sentir os problemas de falta de poder de compra de grande parte dos nossos principais mercados. Seja para a aquisição dos nossos produtos, seja, por exemplo, enquanto países de origem de muitos dos turistas que nos visitam. E, como diz o povo, quem não tem dinheiro, não tem ‘vícios’…  

Mais de 40% dos portugueses afirma que não irá conseguir manter o seu nível de vida, um valor 10% superior ao que se verificava no início da crise provocada pelo Covid. A outro nível, é diferente a percepção em relação à segurança do emprego. Diferente em relação ao momento do início da pandemia, mas também diferente em relação ao período da crise das dívidas soberanas. Um mercado onde repetidamente há queixas de escassez de mão-de-obra, deixa – pelo menos nesta altura - uma expectativa positiva em relação à manutenção dos postos de trabalho.

Mas, como sabemos, existe em Portugal uma parcela importante da população empregue, seja na área do comércio, seja na área do turismo, cujos postos de trabalho dependem, largamente, da capacidade aquisitiva das famílias e da disponibilidade para viajar de quem nos visita. Pelo que não é claro que esta relativa segurança permaneça imutável nos próximos trimestres. Em qualquer dos casos, é sempre mais positiva uma situação em que a perda de poder de compra se faz relativamente a um rendimento que continua a entrar, mensalmente, nas contas das famílias, do que, alternativamente, uma situação de perda abrupta de rendimento por via do desemprego, ainda que temporalmente compensada por apoios sociais.

Tudo isto, se bem que ainda em crescendo, está e irá afectar os nossos comportamentos ao nível de compra, de poupança e de consumo. Pelo que, uma vez mais, nada tem de surpreendente constatar que as famílias estão, nesta fase, ainda mais atentas às promoções, que abdicam, em muitas circunstâncias, de bens menos prioritários, que utilizam mais os cupões de desconto, ou que substituem a compra dos seus produtos habituais por outros – equivalentes ou substitutos – de menor valor unitário, sendo muitos deles de marcas próprias da distribuição. Para além, obviamente, do adiar ou abandonar a compra de produtos e serviços mais caros.

A (menor) mobilidade, especialmente relacionado com o uso de viatura própria, o trabalho à distância ou o recurso à figura da marmita são, também, estratégias de poupança que os que podem, tendem a seguir para realizar uma maior contenção das suas despesas quotidianas.

A redução do poder de compra leva a uma preferência acrescida pela compra de produtos a preços acessíveis, ao aproveitamento das melhores oportunidades promocionais ou, pelo menos em tese, à visita a múltiplas lojas para extrair as melhores vantagens potenciais em cada compra. Ao invés, a origem, a qualidade, a fidelidade à marca ou a eco-sustentabilidade dos produtos perde peso na escala de escolha, acontecendo o mesmo em relação ao recurso às compras online e às entregas em casa.

Porque a crise que vivemos tem múltiplas faces, as preocupações desdobram-se e sentimos inquietação com temas tão diversos como a saúde mental ou a degradação do nosso bem-estar, a que se juntam aspectos tão actuais como os da soberania alimentar, da escassez de água potável ou a necessidade premente de redução do consumo de energia. Em boa verdade, alimentação, energia e água pareciam, ainda há pouco tempo, e nas sociedades ocidentais, um património e uma garantia não discutíveis e que separavam as economias mais evoluídas de um resto do mundo em subdesenvolvimento ou em vias de desenvolvimento.

O estudo da Boutique Research conclui – e bem – que esta preocupação acrescida com o futuro se traduz já numa mudança de comportamentos dos consumidores que o mercado testemunha. Estas mudanças obrigam as marcas a um rápido ajustamento, por forma a serem capazes de satisfazer as novas necessidades das famílias que emergem do contexto que atravessamos. Os consumidores já estão disponíveis para sacrificar as marcas que usam habitualmente e reduz-se amplamente o espaço para os produtos e serviços entendidos como secundários. "O contexto de inflação e de maior incerteza vai ser potencialmente penalizante para o consumidor pela perca de conforto que o “desconhecido” pode gerar, pela perca de tranquilidade e de controlo que a ansiedade pode gerar e pela perca de segurança que a incerteza e a vulnerabilidade podem gerar", refere a Boutique Research.

Não é, pois, difícil de prever que iremos assistir a (mais) uma nova era de consumo e de mudanças no comportamento do consumidor, que, tal e qual como nas anteriores, serão um enorme desafio para as Marcas, que devem, sem delongas, encontrar estratégias que ajudem o consumidor a lidar com toda a carga negativa que o actual contexto económico está e irá gerar:

É fundamental construir uma presença de Marca alinhada com a necessidade de conforto, de segurança e de redução “dos imprevistos” e, não descurando a necessidade de implementar estratégias de preço eficazes, o grande desafio passará, como passa sempre, seja nos períodos de crescimento, seja nos contextos mais complexos e adversos, por ser capaz de continuar a construir Valor de Marca, ser capaz de encarar o consumidor, olhos nos olhos, e conseguir comprovar que uma Boa Marca é sempre muito mais do que apenas um Bom Produto.