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Opinião
CONCORRÊNCIA COMO INSTRUMENTO NO ATAQUE À INFLAÇÃO
Não é difícil perceber que a crise que atravessamos e a vaga inflacionista que enfrentamos geram condições para a ocorrência de fenómenos perniciosos ao normal funcionamento do mercado ....
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Não é difícil perceber que a crise que atravessamos e a vaga inflacionista que enfrentamos geram condições para a ocorrência de fenómenos perniciosos ao normal funcionamento do mercado e à multiplicação de práticas ética e legalmente questionáveis.

É um cenário onde é fácil observar a multiplicação de comportamentos especulativos, seja por excessiva antecipação de agravamentos de custos que se antecipam, seja por comportamentos oportunistas e que é importante monitorizar e fiscalizar, atacando os excessos e punindo as irregularidades,

Estes fenómenos prejudicam o consumidor, prejudicam o mercado e, claro, prejudicam as empresas que actuam de uma forma ética, legal e economicamente irrepreensível. E, obviamente, o justo nunca deveria ter de pagar pelo pecador…

Como é público e notório, a Autoridade da Concorrência tem estado, nos últimos anos, especialmente activa e nos mais diferentes campos. O próprio sector do grande consumo foi já alvo da respectiva atenção e os processos e contraordenações milionárias têm-se sucedido. E se, por um lado e numa visão absolutamente pessoal, me parece que a linha condutora de todos esses processos é altamente questionável e desmontável, por outro, é importante que essa atenção exista, até como incentivo à correcção de práticas que deviam há muito ter desaparecido do relacionamento comercial entre as empresas.

A este propósito, vale a pena recordar a recente publicação da Lei 17/2022, que transpõe a Diretiva 2019/1 atribuindo às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno e que, por esta via, alterou o regime jurídico da concorrência e os estatutos da Autoridade da Concorrência, o que reflectirá no seu modo de actuação.

E vale também a pena lembrar que, há poucos dias, a AdC publicou um relevante relatório – Concorrência e Poder de Compra em tempos de Inflação – um documento curto de 11 páginas, mas que deveria merecer uma leitura atenta em todas as empresas.

No relatório, a AdC reflecte inicialmente sobre o Papel da Concorrência em Tempos de Inflação, recordando que “a política de concorrência não tem como objetivo dar resposta à inflação crescente a curto prazo, nem o poder de mercado é suscetível de ser o principal motor da atual tendência de inflação crescente” e lembra que o poder de mercado está relacionado com os níveis de preços, resultando tendencialmente em preços mais elevados, mas que não existe necessariamente uma relação de causa/efeito com uma tendência a curto prazo de subida de preços em diferentes setores da economia. E se a tendência de aumento da concentração vem ocorrendo de há muito, já o aumento da inflação é mais recente

Chama-se a atenção para que a inflação, assim como a escassez de concorrência tendem a conduzir a preços mais altos, sendo que uma economia mais competitiva pode influenciar positivamente as políticas macroeconómicas e a dinâmica da inflação e recorda-se que as perturbações da cadeia de abastecimento na sequência da pandemia, o conflito na Ucrânia e as sanções sobre a Rússia têm sido identificados como responsáveis da atual tendência inflacionária.

A AdC chama a atenção para que “em tempos de crise, mercados competitivos e uma aplicação eficaz da lei da concorrência têm um papel essencial a desempenhar. A concorrência é fundamental para manter preços baixos para os consumidores”. Porque “mais concorrência nos mercados de produtos leva a preços mais baixos através de uma pressão descendente sobre as margens de lucro e sobre os custos”, concluindo que a concorrência pode reduzir os preços e dar um contributo para a contenção da inflação.

Para além disso, uma economia mais competitiva tende a ter a capacidade de se ajustar mais rapidamente a choques inesperados e inusitados, já que as empresas alterarão os seus preços com maior frequência em resposta à pressão da concorrência e/ou a alterações dos fatores de contexto, tendendo a reduzir o tempo que a inflação leva a ser corrigida.

A Autoridade refere a existência de uma “evidência empírica aponta para uma relação não-linear entre a concorrência e a taxa de repercussão dos custos (cost pass-through), ou seja, a forma como as empresas repercutem choques de custos (por exemplo, impostos, taxas de câmbio ou preços de inputs) para os preços. A concorrência tem, em certas circunstâncias, sido associada a níveis mais elevados de repercussão de custos, o que pode promover um ajustamento mais rápido aos choques. A medida em que os aumentos de custos em toda a economia são repercutidos nas empresas a jusante e nos consumidores depende de fatores tais como a sensibilidade da oferta e da procura aos preços, a forma das curvas da oferta e da procura e o grau de concorrência nos mercados envolvidos no mecanismo de transmissão dos preços”.

Por tudo isto a AdC defende que a Concorrência pode ser Fundamental na Manutenção do Poder de Compra, sendo que a actual conjuntura económica pode colocar pressão sobre as famílias, enquanto contribuintes, enquanto consumidores, enquanto trabalhadores.

Numa visão de 360 graus do poder de compra das famílias, refere a AdC, a concorrência pode mitigar o impacto da inflação em todas estas dimensões e reforçar o caminho para uma recuperação económica sustentável. E essa disciplina concorrencial pode também trazer benefícios às empresas na respeciva qualidade de consumidoras de bens e serviços, porque a “concorrência pode induzir a redução do preço de inputs na economia, com poupanças ao longo de toda a cadeia de valor”.

Assim, do ponto de vista da Autoridade, a Concorrência pode Reduzir os Preços e Mitigar a Inflação, porque mais concorrência nos mercados do produto resulta em preços mais baixos via pressão descendente nas margens e custos, porque a concorrência é um motor da inovação, quer em termos de novos processos produtivos (com menores custos e maior produtividade) quer em termos de novos e melhores produtos e porque a concorrência alarga o leque de escolha dos consumidores.

Por outro lado, a Concorrência promove a Mobilidade Laboral e Oportunidades de Trabalho, porque a concorrência melhora a qualidade do relacionamento trabalhador-empregador, aumentando a produtividade laboral, porque a concorrência é fundamental para assegurar mercados de trabalho abertos e competitivos e porque é fundamental assegurar que os trabalhadores não sejam privados das oportunidades de mudar de emprego se assim o desejarem.

E, finalmente, porque a Concorrência aumenta a Eficiência da Despesa Pública, recordando-se que os contratos públicos representam 9,7% do PIB e 20,1% da despesa pública e que o conluio pode acarretar sobretaxas significativas para a despesa pública. Pelo que o combate ao conluio na contratação pública e a sensibilização para procedimentos mais participados e eficientes pode proporcionar uma melhor relação custo/benefício, sendo que, consequentemente, a concorrência evita o desperdício de dinheiro público e promove o bem-estar dos contribuintes.

A fechar o Relatório, a Autoridade da Concorrência deixa um conjunto de mensagens/recomendações de que destacaria a de que a concorrência é importante, seja para manter os preços baixos para os consumidores, através da pressão descendente nas margens de lucro e nos custos, seja para evitar operações de concentração que possam prejudicar a concorrência e dissuadir o comportamento das empresas que, de outro modo, poderiam agravar a inflação.

E que, para além disso, as interrupções temporárias de cadeias de abastecimento ou qualquer forma de anúncio público de preços não devem ser utilizadas para disfarçar um cartel.

Finalmente, enfatiza que, em tempos de inflação, cada empresa deve fixar os seus preços e estratégias no mercado de modo autónomo (em relação aos seus concorrentes), abstendo-se de fazer anúncios públicos de preços que constituam convites à colusão e que os governos são mais propensos a implementar controlos de preços quando a inflação aumenta, mas que tal pode trazer riscos para a concorrência, pelo que será importante avaliar o impacto na concorrência e ponderar políticas alternativas para atingir o mesmo objetivo