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COMO REAGIR A UMA INFLAÇÃO GULOSA E AUTOFÁGICA?
O INE fixou a inflação média de 2021 em 1,3% e reviu em baixa a inflação homóloga do mês de Dezembro para 2,7%.
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COMO REAGIR A UMA INFLAÇÃO GULOSA E AUTOFÁGICA?

O INE fixou a inflação média de 2021 em 1,3% e reviu em baixa a inflação homóloga do mês de Dezembro para 2,7%. A Jerónimo Martins refere no documento apresentado esta semana na CMVM e relativo aos dados de Vendas Preliminares de 2021 que as vendas da sua principal insígnia em Portugal, o Pingo Doce, cresceram no ano transacto 4,6% (6,4% no último trimestre) apesar de ter operado "no ano, com inflação negativa no cabaz". Nas dezenas de debates entre os líderes partidários ocorridos nas duas últimas semanas, o tema da inflação foi quase totalmente ignorado.

Se assim é, porquê tanto alarido em torno do explosivo agravamento da inflação? Faz sentido tantas entidades e personalidades referirem sistematicamente este tema como a sua principal preocupação para o ano que agora começou?

Quando lemos que o tema da perda de poder de compra motivado pela inflação é o mais importante que os candidatos às presidenciais francesas de Abril terão que dar resposta, quando a inflação nos Estados Unidos atingiu em Dezembro os 7%, quando o influente jornal espanhol El Economista questionava há dias na sua capa "Por qué la inflación se está disparando en España [6,5% em Dezembro] el doble de rápido que en Portugal?", ou quando as mais influentes consultoras à escala global referem que todos as pistas apontam para a conversão do fenómeno inflacionário de conjuntural em estrutural, se calhar há efectivamente razão para tanto alarido e preocupação.

As causas próximas do que enfrentamos - fortes agravamentos dos custos energéticos e de combustíveis, dos custos de matérias-primas e materiais de embalagens, dos custos de transportes e de operação logística, dos custos laborais, oscilações significativas da procura, alteração de padrões de consumo - não são excessivamente difíceis de identificar. E estão a colocar-se diariamente à frente dos olhos de todos os operadores económicos.

Por trás destas, surgem as causas das causas: os estrangulamentos logísticos, vários eventos climáticos extremos, a reversão e interrupção de fluxos migratórios, uma acrescida complexidade dos movimentos transfronteiriços, a pressão cada vez mais intensa sobre processos intensivos em trabalho e as dificuldades de recrutamento de mão-de-obra ou, claro, a cada vez mais volumosa fiscalidade ambiental e regulatória e o agravamento de custos de contexto e de compliance.

Este conjunto de factores está a impactar a economia global desde há muitos trimestres, mas, em boa verdade, o seu efeito conjugado e a pressão inflacionária apenas adquiriu esta dimensão avassaladora há relativamente poucos meses e, em especial, ao longo do segundo semestre de 2021.

Apesar de não ter passado ainda muito tempo, o fenómeno, como já referi, está a extravasar o conjuntural e ganhar contornos estruturais e o impacto dos aumentos nas estruturas de custos ultrapassa amplamente o que é acomodável pelas empresas. Acrescente-se também que desde os finais dos anos 80 que não se lidava com uma tempestade desta dimensão, não sendo demais lembrar que ainda há poucos anos estávamos a lidar com um fenómeno de estagflação e mesmo períodos de deflação. E, ainda, que a economia portuguesa e a generalidade das nossas empresas são meras tomadoras de preços e poucos ou nenhuns mecanismos possuem que lhes permita controlar ou alterar a sua evolução.

Pelo inusitado e repentino, pela desabituação de lidar com o fenómeno e porque os operadores – fornecedores e retalhistas – já antecipavam dificuldades no mercado ao longo de 2022 por força das consequências na economia resultantes da pandemia e dos seus impactos negativos em múltiplos sectores e em muitas franjas da população, a grande questão para todos passa por perceber como reagir a este fenómeno de uma forma sensata e inteligente.

A inflação tem um impacto muito forte no poder de compra dos consumidores. Quando ela ataca bens básicos, é ainda mais penalizadora para as famílias com menos recursos (a inflação funciona como um imposto para os mais necessitados) e o ‘teste-do-algodão’ far-se-á muito rapidamente: qual vai ser a reacção dos consumidores? que impacto terá nos volumes vendidos no mercado? como se conjuga este factor de pressão com a compressão pandémica do mercado? as actualizações salariais considerarão a antecipação inflacionista?

Haverá, por certo, aumentos de preços pré-anunciados que, por força das regras contratuais, apenas serão visíveis e sensíveis nas próximas semanas, mas a crise esgotar-se-á aí? Dificilmente! Como facilmente se percebe, a inflação alimenta-se a si mesma. Esta autofagia demonstra-se pelo efeito que os aumentos de preços geram nas estruturas de custos dos seus destinatários, motivando aumentos de preços destes que agravam outras estruturas de custos e assim sucessivamente… pelo que em certos períodos, por razões de desequilíbrios no mercado, mas também por eventuais movimentos especulativos, a escalada inflacionista pode tornar-se descontrolada e incontrolável.

Cada empresa estará, por certo, a colocar todas as hipóteses em cima da mesa e o impacto da inflação, seja ao nível do agravamento das respectivas estruturas de custos, seja ao nível da elasticidade dos seus preços, seja ao nível da exposição concorrencial, em especial em relação às marcas próprias dos distribuidores, variará entre elas, de forma mais ou menos significativa.

Mas haverá sempre algumas considerações mais básicas e comuns:

Nenhuma empresa quererá ser acusada de se estar a aproveitar da conjuntura para escalar a sua rentabilidade.

A definição dos preços ao consumidor cabe sempre – e em qualquer circunstância – ao retalhista, enquanto aos fornecedores compete apenas o estabelecimento dos preços de cedência.

A reacção aos necessários aumentos será sempre negativa por parte da generalidade dos consumidores e a inflação tenderá a encurtar a dimensão do mercado.

A evolução dos preços deverá considerar o formato promocional do mercado nacional e enquadrar as respectivas dinâmicas entre preços de cedência, preços de prateleira e mecânicas promocionais.

Parece ilógico e desadequado manter racionais que apontavam, como até aqui, para – a verificarem-se – realizar apenas actualizações de preços uma vez ao ano.

Importa evitar trocas de acusações estéreis sobre a responsabilidade dos agravamentos de custos, quando falamos de um fenómeno global, de um fenómeno não controlável pelas empresas envolvidas, de um fenómeno que afecta negativamente todos os envolvidos.

E, finalmente, na impossibilidade – até por respeito pelo consumidor – de reflectir a nível de preços de cedência todos os agravamentos de custos, é importante que se verifique, ao longo da cadeia de valor, uma forte solidariedade na acomodação dos sobrecustos.

Por tudo isto, repito, há que reagir de forma sensata e inteligente, reagir firmemente, mas com cabeça fria, reagir com a mais ampla antecipação dos consequentes impactos… na convicção que todos estamos a trabalhar e a contribuir para a reconstrução de equilíbrios que nos farão regressar, mais cedo ou mais tarde (e que seja mais cedo) à normalização do mercado.