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BLACK FRIDAY É QUANDO UM HOMEM QUISER
Nas últimas semanas foi impossível não dar conta que estávamos na Black Friday season.
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BLACK FRIDAY É QUANDO UM HOMEM QUISER

Nas últimas semanas foi impossível não dar conta que estávamos na Black Friday season.

Ligar a televisão ou a rádio, andar na rua, abrir a caixa do correio lá de casa, entrar na net ou nas redes sociais, tornava impossível não perceber que havia descontos para aproveitar, seja nas catedrais da electrónica de consumo, nas lojas de roupa, nas ópticas, nas perfumarias ou num sem número de outras lojas.

O fenómeno da Black Friday, como sabemos, é uma tradição relativamente recente no nosso país, mas que ao longo dos últimos anos tem vindo a funcionar como um momento de impulsionar vendas e como uma antecipação do Natal e das suas habituais compras e prendas. Um evento que tendo germinado no sector da electrónica de consumo, acabou por se espalhar para uma ampla tipologia de lojas e de produtos.

Hoje, qualquer consumidor sente a presença da Black Friday, não apenas na data convencionada – este ano o dia 26 de Novembro – mas ao longo de praticamente todo o mês de Novembro.

A novidade está em que, apesar deste alargamento do período promocional e da ampliação a cada vez mais espaços comerciais e gamas de bens, em 2021 o comparativo com o pré-pandemia foi negativo.

De acordo com os sempre relevantes dados do SIBS Analytics, “as compras online voltaram a ganhar destaque nesta Black Friday, dia 26 de novembro, ao atingirem 18% em valor do total de compras eletrónicas (online e físicas), comparando com os 16% de 2020 e os 12% de 2019, o que comprova uma vez mais a tendência de crescimento do comércio digital em Portugal, sobretudo no contexto atual de pandemia”.

Acrescenta que há “uma nova tendência de consumo, em que os portugueses tendem a dispersar a decisão de compra pelos vários dias de Black Week, e já não esperam por sexta-feira (Black Friday), fruto das campanhas comerciais que vão sendo cada vez mais antecipadas” e que, apesar disso, o dia da Black Friday, continua a ser “um importante momento na dinamização do consumo em Portugal, ao registar um valor 1,5x superior ao valor médio do total do mês de novembro”.

E conclui que que “na comparação deste dia de Black Friday 2021 com o ano de 2020, verificou-se um aumento de 6% no valor total de compras, mas bastante abaixo do valor total registado no mesmo dia de 2019, -6%” e que o forte incremento das compras online (+39% de 2019 para 2021) não foi suficiente para compensar a diminuição no valor das compras físicas no mesmo período: -14%.

Pode-se tentar justificar esse retrocesso com as crescentes dificuldades económicas de uma franja crescente de famílias portuguesas. ou justificá-lo com os alertas de várias entidades em relação à possibilidade dos descontos apresentados poderem representar um logro. ou até justificá-lo com uma visão mais responsável do consumo e, como tal, um menor apelo à compra desregrada e uma maior preocupação em termos de responsabilidade e sustentabilidade.

Mas, na verdade, julgo que é a própria massificação do fenómeno, o seu alastramento temporal e a não novidade – sabemos que ao longo do ano há várias outras campanhas mais ou menos equivalentes – que acabam por reduzir a sedução destas campanhas e o seu poder de atracção em termos de compra e, consequentemente, o seu impacto em termos de vendas.

O conhecimento aprofundado que temos do fenómeno promocional no sector do retalho alimentar permite compreender razoavelmente bem este tipo de dinâmicas. quando as promoções são mais espaçadas, mais acutilantes do ponto de vista comunicacional e mais surpreendentes, geram uma forte atracção para a compra, têm um efeito multiplicador nas vendas e são uma boa oportunidade para o consumidor, mas também para o retalhista e o fornecedor.

Quando a promoção se vulgariza e massifica é muito mais complexo captar a atenção do consumidor, muito mais difícil gerar compras incrementais – que compensem via quantidade o que se perde a nível de rentabilidade unitária – e esse fenómeno tende a gerar, como acontece hoje com mais de 50% das promoções no retalho alimentar em Portugal, uma canibalização da chamada venda-base. ou seja, o consumidor na maioria das situações compra apenas a quantidade normal do produto, mas opta pelo produto que esteja em promoção ou, em alternativa, espera que o seu produto preferido esteja em promoção para então o comprar.

No retalho alimentar estamos, normalmente, a falar de uma compra de substituição, uma compra de repetição e estamos a falar de produtos habituais na nossa rotina de consumo. Em muitos dos sectores mais impactados pela Black Friday, a situação não é exactamente essa. Estamos a falar, essencialmente, de compras de oportunidade, de produtos específicos e tendencialmente únicos nas nossas vidas (um telemóvel, uma consola, um brinquedo, uma peça de roupa ou um perfume).

Contudo, a lógica que assiste às nossas decisões de compra acaba por ser muito semelhante.

Ironizando, a Black Friday é quando um homem quiser, mas tende assemelhar-se cada vez mais com uma outra sexta-feira qualquer.