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AUTORREGULAÇÃO 4:0 IMPOSIÇÃO
Nos últimos quatro anos – entre 2018 e 2021 – o teor médio de sal e de açúcar dos alimentos colocados à disposição dos consumidores portugueses reduziu-se em mais de 11% ...
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AUTORREGULAÇÃO 4:0 IMPOSIÇÃO

Nos últimos quatro anos – entre 2018 e 2021 – o teor médio de sal e de açúcar dos alimentos colocados à disposição dos consumidores portugueses reduziu-se em mais de 11% sem que para tal tenham sido necessárias imposições legais ou a criação de novos impostos ou taxas, mas sim como resultado directo de um compromisso voluntário entre as partes.

Esta semana foi apresentado o Relatório de Progresso 2018-2021 do programa de Reformulação dos Alimentos em Portugal, uma iniciativa de autorregulação, ou, mais especificamente, de corregulação que resulta de um compromisso estabelecido entre o Governo (através do Ministério da Saúde/DGS) e dos sectores da indústria alimentar e da distribuição, corporizados na FIPA e na APED e contando ainda com o apoio do INSA e da NielsenIQ.

O protocolo que deu corpo a este programa, firmado em 2019 abrangia três de cada cinco das categorias de alimentos definidas no âmbito da redução do teor de sal e uma em cada três das categorias de alimentos definidas no âmbito da redução do teor de açúcar, sendo que no seio de cada uma das categorias objecto do compromisso, o objectivo passava por "promover a reformulação e monitorizar os produtos alimentares que representavam pelo menos 80% do consumo". Os resultados obtidos no final de 2021 correspondem, para mais de metade das categorias, às metas inicialmente estabelecidas para ser concretizadas apenas no final de 2022.

Como os próprios responsáveis do Ministério da Saúde referem, os resultados são "muito positivos" e comprovam que "houve um progresso assinalável durante o período de 2018 a 2021", um progresso devidamente escrutinado através de "um sistema de monitorização robusto e o envolvimento de uma entidade independente” permitindo avaliar a dinâmica de reformulação que se tem vindo a verificar nos quase 900 produtos das categorias objecto de monitorização.

Este relatório corresponde, de forma irónica, mas não menos verdadeira, a uma vitória, por 4:0 da Autorregulação sobre a Imposição.

Como todos sabemos, a evolução das políticas de alimentação e nutrição tem refletido um conjunto de modificações socioeconómicas, ambientais e no estado geral de saúde das populações. A indústria, as marcas e, certamente, também o retalho, acreditam numa visão holística da nutrição, assente na decisão consciente e informada do consumidor e em regimes alimentares equilibrados, diversificados e sustentáveis.

Dando os merecidos parabéns à FIPA e à APED pelo seu envolvimento directo nesta iniciativa, faz sentido referir que, de uma forma mais ampla, a indústria e as marcas consideram ter um papel fulcral na promoção de uma melhor nutrição através da formulação de produtos que melhorem o estado nutricional da população, do incentivo à disponibilidade física de alimentos indispensáveis a um padrão alimentar saudável e da criação das condições para que a população os valorize, aprecie e consuma.

A indústria e as marcas investem - de forma individual e voluntária ou no quadro de iniciativas horizontais de autorregulação - na melhoria constante dos seus produtos, pela via do desenvolvimento de novos perfis nutricionais, de novas tecnologias aplicadas ao processo produtivo, ao acondicionamento e à logística e investem numa comunicação fluente e criativa, construída com base em evidências e que apela à mudança de hábitos de consumo.

E não abdicam da respectiva obrigação de desenvolvimento de estratégias de promoção de produtos e de informação ao consumidor adequadas e verdadeiras, que contribuam inequivocamente para o aumento dos níveis de confiança do consumidor. Como não abdicam de apoiar e comunicar iniciativas que promovam estilos de vida ativos e saudáveis.

A responsabilidade nutricional é assumida, pela indústria, pelas marcas e também pelo retalho, como uma prioridade no âmbito das políticas de sustentabilidade e de responsabilidade corporativa da fileira alimentar, promovendo o aumento da consciência pública e mobilizando toda a cadeia de valor.

A saúde e a nutrição das populações são essenciais para o desenvolvimento económico e social de qualquer país e Portugal não é, obviamente, excepção. A promoção de uma política de saúde para todos e de elevação dos padrões nutricionais é uma óbvia prioridade societária e é incontornável a liderança dos governos e dos órgãos da administração sobre estas matérias.

Essa liderança deve legitimar as autoridades responsáveis na estruturação da sua intervenção: preparando estratégias, emitindo orientações, definindo políticas.

Porém, diferentes vias - a Via Educativa, a Via dos Compromissos com a Indústria, a Via Fiscal ou a Via Coerciva - correspondem a diferentes opções e tendem a obter diferentes resultados.

A via educacional será aquela que, certamente, produzirá resultados mais consistentes e consolidados, aquela que promoverá a melhor evolução e adequação dos comportamentos do consumidor a nível nutricional, como o será também para a generalidade das áreas e dos temas.

Contudo, é uma via em que não é curto o tempo que medeia entre o momento em que se semeia o conhecimento e o momento em que se colhem os respectivos frutos. E é aqui que surge a autorregulação ou a corregulação (com o estabelecimento de compromissos formais com as partes envolvidas) como mecânicas de aceleração dessa alteração comportamental.

É verdade que em áreas em que os interesses são profundamente contraditórios nem sempre o estabelecimento de acordos de autorregulação é possível ou se mostra suficientemente eficaz e, nesses casos, a via regulatória (coerciva ou fiscal) pode ser a que gera melhores resultados. Mas quando o alinhamento de interesses é possível, a via da autorregulação ou da corregulação deve não só ser seguida, como deve mesmo ser fomentada e acarinhada.

Na área nutricional tal como, por exemplo, na área da comunicação comercial ou da gestão dos resíduos de embalagem, a indústria, as marcas e também o retalho têm estabelecido, no seu seio, acordos de autorregulação robustos, devidamente implementados, amplos, respeitados, escrutinados e sistematicamente auditados, como se verifica de forma muito visível neste programa de Reformulação dos Alimentos em Portugal.

Pela total disponibilidade e boa-fé com que se envolvem nestes processos, a indústria e as marcas só podem ficar preocupadas e desagradadas com as notícias (e os rumores que volta não volta se repetem) relativas à utilização da via fiscal para penalizar os seus produtos ou da via coerciva, utilizada, por exemplo, na limitação da sua possibilidade de comunicação comercial. As proibições, tantas vezes destinadas a agradar a determinadas agendas ideológicas, ou o engordar dos cofres do estado, em resultado de imposições fiscais, não educam o consumidor nem contribuem, de forma sustentada, para a alteração dos seus padrões comportamentais.

Em conclusão, a indústria e as marcas – como se viu mais uma vez nos resultados agora divulgados - não se demitirão do seu contributo para a promoção de uma melhor nutrição, apoiada em regimes alimentares equilibrados, diversificados e sustentáveis.

As indústrias a as marcas são firmes e convictas defensoras da liberdade de escolha e continuam a confiar na capacidade de escolha do consumidor. Mas acreditam também que essa capacidade de escolha depende da educação para a escolha, da informação para a escolha… e da existência de escolha.

E o relatório agora apresentado parece dar-lhes ampla razão!