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Opinião
AS SEIS DIMENSÕES DE ANTÓNIO COSTA SILVA NO CONTROLO DO AUMENTO DE PREÇOS
Quem acompanhou a actualidade noticiosa desta última semana não passou, por certo, ao lado da polémica que está instalada em torno do agravamento dos preços dos produtos alimentares
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Quem acompanhou a actualidade noticiosa desta última semana não passou, por certo, ao lado da polémica que está instalada em torno do agravamento dos preços dos produtos alimentares e de a respectiva taxa de inflação estar, actualmente, no patamar mais elevado de entre as componentes que contribuem para a construção do Índice de Preços ao Consumidor.

De forma crescente, têm-se vindo a cruzar – em diferentes quadrantes - a constatação da inflação com a acusação de especulação.

E usando o que nestes últimos dias foi publicado pela comunicação social, ouvimos o Ministro da Economia, António Costa Silva, referir que “poderá haver "práticas abusivas que têm que ser sancionadas". Referiu também que a "alta dos preços não para de continuar" quando há "informações claras que a inflação está a diminuir há quatro meses sucessivos", o que fez com que o governo esperasse o mesmo comportamento na área alimentar”.

Acrescentando, ainda, que “neste momento os preços da energia, dos fertilizantes e das matérias-primas voltaram a alinhar com os preços existentes antes da invasão da Ucrânia, não havendo assim motivos para a alta de preços. "Todos estes fatores que explicam a alta da inflação contrastam em absoluto com os preços dos bens essenciais".

Aquele responsável governativo indicou não ser “muito favorável a limitar os preços”, justificando-se com os “efeitos perniciosos” da fixação administrativa. E mostrou-se confiante na capacidade de auto-regulação do setor do retalho alimentar e na sensibilidade social que as empresas deverão demonstrar, mas não descartou outras pistas: “todas as opções estão em aberto, inclusive as mais musculadas”.

A propósito, foram referenciados nos media os exemplos de outros países, como o de Espanha, com o aparente insucesso da redução da taxa do IVA em vários produtos essenciais, o da Grécia, com a fixação de preços de um cabaz de meia-centena de produtos essenciais, ou o de França, onde o governo ‘decretou’ um “trimestre anti-inflação”, mas em que os supermercados “já estão a ser alvo de críticas por incluírem nestes cestos produtos de marca branca que já eram de baixo custo antes, e com menos quantidade no caso de produtos de marca; de reduzirem preços em certos produtos para recuperarem a margem com o aumento de outros; e de compensarem as diminuições de preço comprando a preços mais baixos junto dos fornecedores”.

Tudo isto depois da ASAE ter detectado “margens brutas acima dos 50% em alguns produtos alimentares essenciais”, mas margens consideradas injustificadas pelo Governo “perante a redução dos custos de produção face há um ano”, sendo referido que aquela Autoridade “irá estudar o processo de formação de preços, numa iniciativa que envolverá desde os produtores à grande distribuição” para despistar práticas de especulação, referindo o Ministro Costa Silva que “seremos inflexíveis com situações anómalas”, acrescentando que está a ser fomentada “a interação entre a ASAE e a Autoridade da Concorrência, por haver “algumas práticas abusivas que merecem ser sancionadas”

Como refere aquele responsável, o "Governo quer compreender o que está na génese da diferença de preços e recuperar a confiança dos consumidores", exigindo transparência às empresas e  considerando haver um "benefício para todos os operadores" disponibilizarem informações à ASAE, uma vez que é necessário apurar o que realmente se está a passar para existirem preços tão altos nos alimentos atualmente”.

Da operação desencadeada na última quinta-feira, a ASAE refere, em comunicado, que foram “instaurados 17 processos-crime pela prática do crime de especulação (delito antieconómico), com variações de preço de bens alimentares a atingirem os 39% relativamente ao preço afixado e disponibilizado ao consumidor e o preço pago em caixa.

Foram ainda instaurados 14 processos contraordenacionais, destacando-se como principais infrações, o incumprimento à venda com redução de preços, a prática de ações comerciais enganosas, a falta de afixação de preços e a falta de controlo metrológico em instrumentos de pesagem de produtos alimentares”.

A APED respondeu a toda esta polémica com um duro comunicado, onde entre outros aspectos refere que “é preciso falar verdade aos portugueses e explicar com clareza todos os fatores que levam ao aumento de preços dos alimentos” e que lamenta que “a ASAE tenha produzido um relatório do qual o setor da Distribuição não tem conhecimento nem foi convidado a dar os seus contributos”, concluindo que “o sector da Distribuição e Retalho está sempre do lado da solução e não engana os consumidores”, posição, em contexto e de forma diferente, igualmente afirmada pela CEO da Sonae, Cláudia Azevedo.

Entretanto, o Expresso destacava que “se os preços dos produtos alimentares essenciais não baixarem nas próximas semanas, o Governo vai actuar” e que estarão a ser “estudadas alterações à lei para fixar um limite para as margens de lucro”, embora aqui pareça haver alguma divergência de abordagens entre o Primeiro-Ministro e o Ministro da Economia.

Aparentemente, estará, entre outras, a ser ponderada a fixação “mesmo que excecionalmente e com carácter temporário um limite para as margens de lucro de produtores, industriais e distribuidores”., recordando-se que até 1984, a lei estipulava um tecto máximo de 15%, mas desde então não há qualquer valor definido, o que dificulta o combate à especulação.

Refere igualmente o Expresso, que, para “além da especulação, estão também a ser investigadas situações de eventual concertação de preços pela Autoridade da Concorrência, que esta semana foi igualmente convocada pelo primeiro-ministro”.

Mas regressando à mediática Conferência de Imprensa do Ministro da Economia, da manhã do passado dia 9, António Costa Silva referiu que o governo desenvolveu uma estratégia em seis dimensões para debelar este problema, não se escusando de lembrar que respeita os operadores económicos, mas também os direitos dos cidadãos e dos consumidores.

Essas seis dimensões são (i) Fiscalizar, reforçando e intensificando as acções no terreno; (ii) Monitorizar e Compreender a estrutura de preços, realizando uma investigação desde a produção, passando pela  transformação até à distribuição para perceber como funciona o sector, exigindo assim maior transparência; (iii) Conversar com operadores, de forma a perceber o que está a acontecer, e passar a mensagem da importância e da responsabilidade social que os operadores devem ter.

E ainda (iv) Convocar a PARCA, com o objetivo de "perceber melhor este mercado complexo" [esta reunião foi já agendada para o próximo dia 22]; (v) Dotar a ASAE de recursos, nomeadamente tecnológicos como software de tratamento de dados para perceber como se articula o mercado e (vi) "Trabalhar com todos os organismos que possam ser necessários. desde a ASAE, passando pela Autoridade para a Concorrência e a Defesa dos Direitos dos Consumidores.

Independentemente da maior ou menor bondade que possa ser encontrada na estratégia anunciada pelo Ministro da Economia, não deixa de ser, acima de tudo, uma declaração de intenções e demonstra, também, algumas das fragilidades da forma como o mercado, actualmente, é regulado e monitorizado e que, de há muito, a Centromarca vem chamando a atenção.

Assim, é difícil entender que, apenas por palpite, como referia Alberto Castro, na sua coluna no Dinheiro Vivo, se fale repetidamente em especulação, sem conhecer antecipada e aprofundadamente a estrutura de custos e o formato de transferência de preços ao longo da cadeia de valor.

É difícil entender que não se perceba, e não se transmita ao consumidor, o que significa uma taxa de inflação, a sua construção matemática e que não se veicule ou não se insista na ideia de que uma redução da taxa de inflação não significa uma redução dos preços, mas apenas a sua menor aceleração, ou que uma taxa de inflação de 20% em Janeiro, não significa que os preços cresceram 20% em Janeiro, mas por comparação com o mês homólogo do ano anterior, ou em média nos últimos doze meses.

É difícil entender que, reconhecida a menor literacia financeira de uma enorme fatia dos consumidores se fale quase indistintamente de margens brutas e margens líquidas e, pior ainda, que se confunda margens brutas com lucro, essa palavra maldita.

É difícil entender que se refiram margens elevadas aplicadas a este ou aquele produto e não se compreenda que é, por exemplo, essa margem que paga toda a operação da empresa em causa (neste caso, o supermercado), que cobre salários, tributações, instalações, custos de funcionamento, licenciamentos, perdas operacionais e uma miríade de outros custos que esses - e muitos outros operadores - suportam todos os dias para terem uma ‘porta aberta’.

E é especialmente difícil entender que essas margens possam configurar potencial especulação sem cuidar de saber se as mesmas eram igualmente praticadas quando os preços eram mais baixos e quando não existia uma inflação que, do ponto de vista dos políticos e das autoridades, chamasse especial atenção para o funcionamento do mercado.

A moderna distribuição constrói a sua rentabilidade, não em cima de um determinado produto, mas da combinação da rentabilidade dos muitos milhares de produtos que coloca à disposição do consumidor e, lógica e legitimamente, a rentabilidade obtida não é, nem percentualmente nem em valor absoluto, igual para todos esses produtos.

Mas é muito importante que a análise das autoridades não se fique, nem se fixe, na análise linear e estaque da estrutura de custos e na transmissão de preços deste ou daquele produto, por muito que lhe seja conferido o carimbo de ‘básico’ ou de ‘essencial’. Mas que essa analise tenha a capacidade de dar uma visão de conjunto dos impactos nos vários produtos e dos vasos comunicantes que se estabelecem entre eles.

Como é igualmente fundamental, que – definitivamente – se reforcem os meios humanos e tecnológicos da ASAE,  A cada crise ou cerimónia pública esse anúncio ocorre, mas continua a ver-se, permanentemente, um despejar de competências (em mil-e-uma áreas de actuação) para aquela Autoridade, não levando em linha de conta que os respectivos meios são escassos e, acima de tudo, menos preparados para a acção de fiscalização e monitorização do mercado em tudo aquilo que não é directamente visível na prateleira.

Tudo isto, corresponde a reclamações que de há muitos anos vimos fazendo e transmitindo a cada reunião, a cada oportunidade, a cada contacto com um novo responsável que entra em funções. E seria bom sentir que a actuação das autoridades é realizada de forma continuada, programada e proactiva e não apenas a reboque da crise do momento ou da polémica da semana, fazendo recordar a velha máxima de que nos recordamos sempre de Santa Bárbara apenas quando troveja.