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Análise do Mercado
ACELERAÇÃO DIGITAL IMPLICA ACELERAÇÃO LOGÍSTICA
2020 foi um ano difícil, complicado, depressivo… e diferente. Muito diferente do que prevíamos quando se iniciou. Muito diferente na forma como operadores económicos, consumidores e mercado (...)
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2020 foi um ano difícil, complicado, depressivo… e diferente. Muito diferente do que prevíamos quando se iniciou. Muito diferente na forma como operadores económicos, consumidores e mercado se comportaram, mas também muito diferente na forma como todos estamos a atravessar esta experiência inédita.

Já foram repetidos quase até à exaustão os diferentes factores que impactaram nas nossas vidas e, menos, os que fizeram alterar o nosso consumo. Confinamento, teletrabalho e ensino à distância, insegurança sanitária e sucessivos estados de emergência em Portugal e por esse mundo fora, limitaram fortemente a mobilidade dos cidadãos, limitaram a sua capacidade de viajar ou as suas múltiplas formas de socialização. São conhecidos os cataclismos sofridos por sectores como os do turismo, da restauração, da cultura ou do enorme universo dos eventos de massas (dos jogos de futebol aos espectáculos em sala, dos festivais de música aos santos populares, …).

Obviamente, tudo isto impactou o consumo e, de forma determinante, a dinâmica do universo dos chamados Fast Moving Consumer Goods (FMCG). Das várias mutações sentidas, salientaria, pelo efeito mais vincado na cadeia de abastecimento, quatro delas, a saber:

Desde logo a transferência do consumo de fora para dentro de casa. Confinamento, trabalho à distância e ensino online bem como as limitações de acesso e receios de visita a cafés e restaurantes fizeram transferir para o lar muitas refeições realizadas, anteriormente, fora-de-casa. Isso potenciou as vendas do retalho alimentar e dinamizou fortemente os serviços de entregas, de produtos e de refeições.

Depois, o estabelecimento de novas rotinas de compra, com a transição para a compra online ou o recurso ao comércio de proximidade, mas também pela diluição pelos vários dias de uma compra que era muito concentrada nos fins-de-semana e pela aglutinação das compras numa única visita - o ‘one-stop-shop’ - , quando antes elas eram distribuídas por várias lojas e insígnias.

Para muitos consumidores, verificou-se a mutação da compra FMCG para o online, seguramente empurrados pelo contexto e amplificação da digitalização e beneficiando de uma condescendência face às dificuldades iniciais. E o salto deu-se em várias direcções: mais compras pelos que já utilizavam esta via, compradores fortuitos que se converteram em regulares, compras alargadas a um número mais amplo de categorias de produto e uma multiplicação de novos compradores, muitos deles bastante improváveis, ao nível, por exemplo, das faixas etárias ou das localizações geográficas.

E, finalmente, a redinamização do comércio de proximidade, também ajudado pelas limitações à mobilidade e a precaução sanitária. beneficiando da facilidade de acesso, da personalização do serviço e da possibilidade de programar compras antecipadamente.

Todos estes movimentos apontam para a necessidade de reforço da logística capilar e do aumento da capacidade de multiplicar entregas, não apenas nos aglomerados urbanos como também - e cada vez mais – em localizações mais periféricas, mais distantes e mais difíceis de conjugar. No caso das entregas FMCG acresce o facto das mesmas serem maioritariamente realizadas com necessidade simultânea de três diferentes temperaturas: ambiente, frio positivo e frio negativo. 

Refira-se que no caso da compra online é mesmo expectável um desenvolvimento bastante rápido nos próximos períodos, não apenas pela procura crescente, mas também porque, do lado da oferta, muitos operadores convencionais e outros ‘pure play’ tenderão a desenvolver as suas próprias lojas online

É pois, incontornável, a necessidade de investimento e de dinamização concorrencial deste mercado para o tornar tão eficiente como já é, reconhecidamente, o mercado das entregas de longo curso e centralizadas, para que a experiência de compra – neste caso visto pelo ângulo do prazo e qualidade da entrega – não defraude o consumidor e para que a operação, actualmente ainda no vermelho, se converta em rentável… e apetecível.

Numa outra óptica, a pandemia tem vindo a gerar uma forte assimetria no seio do sector. Por trás de um ano aparentemente positivo, escondem-se realidades muito distintas. Vendas do retalho alimentar em alta face ao descalabro nas vendas no canal horeca. Várias famílias de produtos com uma procura muito mais ampla do que em anos anteriores face a produtos que viram a sua presença fortemente reduzida ou abandonaram mesmo a lista de compras de muitos consumidores.

Esta situação tende a gerar, para alguns produtos, um dilema não muito simples de resolver. Face à redução das respectivas vendas, ou se reduzem as quantidades produzidas e entregues (com a evidente adição de custos), mantendo-se a respectiva frequência de entrega, ou, alternativamente, se espaçam as entregas mantendo-se os ‘lotes’ produzidos. Se associarmos a este ponto outras preocupações no campo da sustentabilidade, de que um bom exemplo é o imperativo de redução de desperdício, por exemplo no agro-alimentar, então deveriam rever-se algumas regras que embora não escritas estão de há muito cristalizadas no seio do sector e, em especial, a chamada regra dos dois terços.

Em conclusão, a aceleração digital e a aceleração da alteração dos padrões de compra e de consumo irão, por certo, implicar a aceleração de investimentos e de novas dinâmicas ao longo da cadeia de abastecimento e implicar um robustecimento e maior reconhecimento da importância da função logística.

Originalmente publicado na revista Logística Moderna, edição de Março.2021