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A REPUTAÇÃO NÃO É UM CHEQUE EM BRANCO
Falar de Marcas ou de Instituições e falar de Reputação, é como falar dos dois lados de uma mesma moeda, ou falar da galinha e do ovo e perceber que é pouco importante saber quem nasceu primeiro.
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Falar de Marcas ou de Instituições e falar de Reputação, é como falar dos dois lados de uma mesma moeda, ou falar da galinha e do ovo e perceber que é pouco importante saber quem nasceu primeiro.

A relação entre os dois conceitos – marca e reputação – é, mais do que uma necessidade, um verdadeiro imperativo. E parece óbvio que uma Marca forte pode apoiar a construção de uma boa Reputação empresarial, de igual modo que uma boa Reputação empresarial é um alicerce poderoso na construção de uma grande Marca.

A Reputação de uma empresa de ou de uma instituição, aferida por todos os que com ela interagem, tem um valor muito elevado. Uma boa Reputação torna-a num parceiro desejado, num bom lugar para trabalhar, num foco interessante de investimento, numa fonte de colocação no mercado de produtos ou serviços que inspiram forte confiança.  Na mesma óptica, inúmeros estudos demonstram que os riscos associados à Reputação corporativa ou institucional e à Reputação das marcas são os que mais fortemente ameaçam a valorização empresarial e a sustentabilidade económica em mercados competitivos e transparentes.

De uma forma simplificada, a Reputação empresarial ou institucional corresponde ao somatório das percepções sobre as suas ações corporativas quotidianas; corresponde ao grau de cumprimento das promessas que são entregues e percebidas pelos diferentes públicos-alvo; corresponde à avaliação da legitimidade da entidade perante os seus interlocutores; corresponde à combinação da sua performance ética e financeira, responsabilidade social, inovação empresarial, liderança e imagem das suas Marcas.

Mas podemos, igualmente, falar de Reputação partilhada. Do acréscimo ou redução de Reputação que resulta do sector em que se posiciona a empresa, dos mercados onde opera, do país de que é originário ou, por exemplo, das entidades e personalidades a que se associa. E quanto menos forte for a sua Marca, maior a permeabilidade da respectiva Reputação a factores exógenos, sobre os quais, obviamente, a entidade possui um baixo poder de controlo ou de influência.

Nunca se deve esquecer que a Reputação, tal como a Marca, é o resultado de um processo de construção moroso, um processo de persistência e paciência, um processo que envolve produção e comunicação, qualidade e inovação. Um processo que deve ser tão isento de erros quanto possível.

E, recordemos também, que num mundo cada vez mais global, de informação fluida e, praticamente, instantânea, num mundo em que o controlo da comunicação é cada vez mais complexo, num mundo em que a opinião expressa por público e consumidores tem um peso crescente, incidentes que ataquem a Reputação das Marcas ou das entidades que as colocam no mercado, afectam o respectivo valor económico e podem colocar em causa a sua viabilidade enquanto Marcas e entidades.

No mundo das empresas, a globalização da economia, a deslocalização e a realocação da produção industrial, a necessidade de uma gestão eficaz de recursos que podem fazer apostar numa proximidade às fontes de matérias-primas ou numa maior conexão com os mercados de consumo, o recurso crescente ao outsourcing e ao co-packing, a busca constante de economias de escala e de preços competitivos, são tudo factores que contribuem para a desvalorização da produção face ao produto, a uma menor valorização dos activos tangíveis face aos intangíveis, a uma secundarização do ‘cimento’ e das máquinas face às Marcas.

Hoje em dia, as Marcas são, efectivamente, um dos activos mais importantes senão mesmo o principal activo das entidades que as detêm. A medição do seu valor é sempre muito complexa, envolvendo aspectos objectivos, relacionados com sucesso, vendas, rentabilidade, dimensão, quota de mercado. E outros, de menor objectividade, mas ainda assim mensuráveis, como a qualidade, a funcionalidade ou a inovação. Mas há, para além destes. um largo espectro de valores que aportam (ou deduzem) valor à Marca, que contribuem fortemente para a forma como ela é sentida pelo consumidor, mas que são de avaliação muito difícil, mais ainda quando encarada economicamente, por exemplo no âmbito de processos de fusão ou de aquisição.

Em entidades de matriz distinta, o racional não é muito diferente e ao sucesso, dimensão ou capacidade de auto-sustentabilidade, adicionam-se valores como os da tradição, herança, ética, empatia, honestidade, ligação emocional aos seus públicos, credibilidade e, obviamente, Reputação, sendo que todos esses valores são, em si próprios, pilares da construção da Reputação.

Os factos vindos a público nos últimos dias, ainda que não surpreendentes, são um excelente exemplo prático deste binómio Reputação-Marcas. É uma relevante instituição que é também uma Marca de peso (e a que se associam várias Marcas de peso) que vê a sua Reputação ser colocada em causa. Haverá sempre quem possa argumentar que as pessoas não se confundem com as instituições, mas as instituições são corporizadas pelas pessoas que as lideram e o seus actos pessoais ou profissionais, mesmo que exteriores à esfera da instituição (o que nem será o caso), afectam a respectiva reputação.

Por outro lado, todas as marcas que a apoiam e que, por isso, lhe estão fortemente associadas, por certo estarão nesta altura a equacionar se devem continuar a canalizar para aí o seu nome e o seu dinheiro. E a resposta, em última análise, passará pela dimensão dos danos, mas também pela forma como a entidade reagirá na ultrapassagem dos seus próprios ‘fantasmas’, pela capacidade que a Reputação, adquirida ao longo de dezenas e dezenas de anos, demonstrará de resistir a estes ‘tiros-no-porta-aviões’.

O fenómeno desportivo é, de há muito, um dos maiores focos de investimento do marketing das grandes marcas, seja pela visibilidade que proporciona, seja pela associação ao sucesso nas competições mais relevantes, seja pela partilha de valores e a comunicação mais direccionada para os públicos-alvos respectivos.

São hoje os patrocínios e a publicidade das marcas os suportes maiores do investimento nessa grande indústria que é actualmente o desporto e, muito em especial, no segmento do futebol. E isso é visível no sponsoring directo de competições, seleções, clubes e atletas, mas também, por exemplo, nos faraónicos valores que são pagos pelos canais televisivos na compra de direitos de transmissão das competições mais relevantes.

Contudo, sabemos também como as marcas se afastam rapidamente quando os seus ‘protegidos’ são atacados por problemas reputacionais. Todos nos lembramos dos célebres escândalos de doping do velocista canadiano Bem Johnson ou do ciclista norte-americano Lance Armstrong ou das (más) condutas extra-deportivas do pugilista Mike Tyson ou do golfista Tiger Woods. E estes problemas surgem também em áreas como as do espectáculo (Roman Polanski, Pete Townsend, Kevin Spacey) ou mesmo de ONGs (onde temos ainda bem fresca a memória do caso da Raríssimas), sendo fácil perceber que conduzem rapidamente a ‘divórcios’ com as marcas a afastarem-se de patrocínios e apoios a entidades, causas ou personalidades que possam constituir riscos reputacionais.

Tal como percebemos na plenitude o valor da Saúde no momento em que estamos doentes, também é nos momentos mais complexos e penalizadores que percebemos o que significa ter (ou não) uma Boa Reputação.

Mas tenhamos consciência que a Reputação não é - nem nunca será - um cheque em branco, um guarda-chuva infinito ou um seguro de vida inatacável e que, em cada momento, os seus ‘curadores’ tudo têm que fazer para reforçar os seus alicerces, agirem escrupulosamente a nível ético e legal, realizarem as chamadas due diligences em relação a todas as personalidades, causas e entidades a que se associam e não ter qualquer rebuço em afastar e se afastar de todos os que se constituam como uma efectiva ameaça reputacional.

Pois só assim o escudo protector da Reputação demonstrará o seu verdadeiro poder.  

Pedro Pimentel

2021-07-09