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A GESTÃO DA ESCASSEZ E A COMUNICAÇÃO DA ESCASSEZ
Nas últimas semanas têm-se repetido as informações e as notícias sobre o brutal agravamento de custos em muitas áreas da economia e multiplicaram-se as referências à escassez crescente de matérias-primas, materiais de embalagem e de produtos...
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A GESTÃO DA ESCASSEZ E A COMUNICAÇÃO DA ESCASSEZ

Nas últimas semanas têm-se repetido as informações e as notícias sobre o brutal agravamento de custos em muitas áreas da economia e multiplicaram-se as referências à escassez crescente de matérias-primas, materiais de embalagem e de produtos, seja, nuns casos, pelo esgotamento de reservas nos mercados internacionais, seja, noutros, pela incapacidade de fazer chegar esses bens, em tempo útil e adequado, aos mercados de destino.

Um menos bom ano agrícola, intempéries e outros fenómenos de difícil controlo impactam muito negativamente algumas produções, mas num mercado global com um crescimento populacional previsível e com um aumento de consumo não extraordinário, a principal ‘força de bloqueio’ acaba por surgir pela via da disrupção das cadeias de abastecimento e, muito especialmente, pelo estrangulamento dos fluxos logísticos que estão a provocar a paralisação das produções industriais um pouco por todo mundo.

A Europa Comunitária está a sentir ainda mais fortemente este fenómeno, por força de políticas económicas, sociais e ambientais, colocadas em prática desde há vários anos, que motivaram sucessivas deslocalizações industriais para outras zonas do globo e que a tornam totalmente dependente de produções realizadas em localizações distantes E isso gera situações de desabastecimento à mínima ‘constipação’ nas cadeias logísticas, como a que aconteceu, por exemplo, com o recente incidente do Ever Given que bloqueou o Canal do Suez.

E não resolve, pelo menos nesta altura, insistir na tecla óbvia e verdadeira do dumping fiscal, do dumping social e do dumping ambiental, quando a competitividade – pelo menos em períodos ‘normais’ – se mede muito mais por preço do que por serviço ou compromisso. E isto não é verdade apenas na economia das empresas. É-o também na opção de uma larguíssima maioria dos consumidores…

Mas mais de que explicar ou justificar a escassez, é importante abordar a gestão da escassez e a comunicação da escassez.

As economias de mercado gerem-se, desde logo, pela mais simples das leis da economia: a lei da oferta e da procura. Quando a oferta diminui ou a procura aumenta, efectiva ou prospectivamente, invariavelmente os mercados reagem e geram um novo equilíbrio a um preço mais alto. Se qualidade, design, inovação são óbvios indutores de valor, é – mais do que todos – a escassez que provoca as alterações de valor mais rápidas e mais abruptas.

Sei que há quem não comungue da minha opinião, mas a gestão da escassez é muito mais eficiente e rentável para quem produz ou transaciona do que a gestão da abundância.

Se a abundância permite respostas mais fáceis aos consumidores, permite menos preocupações na satisfação das exigências clientes e dos mercados, gera também a comoditização e a desvalorização e culmina demasiadas vezes no fenómeno do ‘escoamento’, para além de gerar, frequentemente, escolhas económica, social e ambientalmente questionáveis. Numa economia de abundância é fácil (e não demasiado oneroso) comprar castanhas nos Santos Populares e morangos no Natal. Comprar a preço mais baixo um produto que percorreu 5.000 km antes de chegar a nossa casa, do que um outro que foi produzido a meia-dúzia de quilómetros do seu local de consumo. Pagar mais por um produto de qualidade inferior do que por um outro de qualidade e custos de produção superiores, mas que – aos nossos olhos – está totalmente banalizado. Para além de que, em boa verdade, para muitas empresas é impossível obter rentabilidade sem volume.

Já a escassez gera tensões e obriga a escolhas. Implica não responder a todas as solicitações. Implica eventualmente perder oportunidades. Mas permite reconstruir valor e descomoditizar produtos que se foram progressivamente massificando. Permite direcionar as matérias-primas e restantes meios de produção para os produtos de maior valor e, especialmente, para os produtos de maior valor acrescentado. Permite mostrar que o valor de um produto não se constrói apenas pelo seu preço. Permite perceber que, em economias periféricas e de menor dimensão como é caso da portuguesa, a opção nunca deve ser feita por volume, mas sim por valor, por diferenciação, por marca. Permite motivar o consumidor para uma compra mais patriótica. Permite ser mais consequente no apelo a uma verdadeira sustentabilidade, não apenas ambiental, mas também económica e social.

Contudo, a nível comunicacional, o registo é muito menos linear.

Existem exemplos fantásticos, associados a produtos específicos e diferenciados, em que uma correcta gestão da escassez, efectiva ou provocada, cria uma atenção especial do consumidor, gera motivação para a compra, promove a partilha da experiência de compra e do consumo, desenvolve um sentimento de pertença e uma especial empatia com a respectiva marca.

No entanto, quando falamos de produtos mais comuns, a comunicação de escassez deve ser muito mais cuidadosa, porque se corre o risco de ser a comunicação, ela própria, uma razão de aceleração do desabastecimento.

Todos recordamos, as corridas às lojas a partir do momento em que surgem notícias de que determinado produto pode vir a faltar ou quando circulam nas redes sociais fotos a mostrar prateleiras vazias. Açúcar, abacate, papel higiénico, enlatados, álcool gel, são apenas exemplos recentes de produtos que, por razões reais de crescimento da procura, diminuição de produção ou simples tensão especulativa, sofreram este fenómeno.

Por isso, neste período, se é praticamente impossível escapar ao tema e à pressão mediática para falar sobre a escassez, o empolamento dos custos ou os perigos de desabastecimento, é também fundamental não alimentar a insegurança, não gerar a compra de pânico, não contribuir para o avolumar das dificuldades.

Para que o feitiço não se vire contra o feiticeiro.